segunda-feira, 5 de março de 2018

"Viciado em retranca", por Elton Simões

Elton Simões, Veja

Ironicamente, o autoproclamado país do futebol faz tempo, parece só saber jogar na retranca. Comemora a mediocridade. Confunde sucesso com ausência de desastre. Fica feliz em não perder de goleadas. Empate já é vitória. Nada (ou possivelmente menos que isso) é tudo que esperamos de nossa capacidade. Assim vamos levando. Com (muita) sorte, sem sofrer goleada.
Ignorar os sentidos parece ser pré-requisito para otimismo no Brasil. Pudera. Olhando para frente, não dá para reconhecer um futuro brilhante, ou mesmo bom. A mesma (quase) nação que uma década atrás comemorava todos os dias a chegada do bônus demográfico, envelhece sem enriquecer.
Impávido, o colosso não consegue mesmo ver que o placar não lhe favorece. Pior, não ve que o jogo que está quase no fim. Dependendo das premissas, o certo é que em algum ponto entre 2020 e 2030, o numero de pessoas inativas vai crescer muito mais do que o número de pessoas ativas. A partir deste ponto, quem estiver trabalhando vai ser forçado a carregar um peso cada vez maior.
Sonhando muito daria para tentar compensar esta desvantagem com aumento de produtividade. Mas a esta altura, parece mais delírio do que sonho. Melhora na produtividade pressupõe que os jovens de hoje estão recebendo nas escolas as ferramentas necessárias para o sucesso em um mundo onde conhecimento (e não é de hoje) é cada vez mais importante.
Nos trópicos, a educação não só é ruim, como não tem perspective visível de melhora. Nem parece ser prioridade. País de baixíssima produção tecnológica, o Brasil é lugar onde a inovação não existe. Ou está muito bem escondida. Por desenho, destino ou desejo, o país investe no seu isolamento e, dada sua baixa produtividade, fica fora das cadeias globais de produção.
Os jovens do século 21 já começam a vida carregando fardo desproporcional. Provavelmente condenados, em sua maioria, a ausência de oportunidades. E sem repertorio ou ferramentas que lhes permitam melhorar a realidade. Pagarão, sem ter culpa alguma, pelos erros das gerações passadas.
Mesmo assim, o país segue abraçado a mediocridade, comprometido que está em sua marcha batida em direção ao passado. Comemora PIB medíocre. Ainda duvida que corrupção é ruim. Aceita e convive com desigualdade gritante.
A cada dia, o Brasil revisa suas expectativas tentando convencer a si mesmo que perder de pouco é objetivo aceitável. Viciado em retranca, vê pelo retrovisor suas esperanças passadas que já não pode alcançar. E transforma sonhos em arrependimentos.
Elton Simões mora no Canadá. É President and Chair of the Board do ADR Institute of BC; e Board Director no ADR Institute of Canada. É árbitro, mediador e diretor não-executivo, formado em direito e administração de empresas, com MBA no INSEAD e Mestrado em Resolução de Conflitos na University of Victoria.