quinta-feira, 1 de março de 2018

Partido que nasceu como piada vira favorito em eleição na Itália

Em um púlpito com o símbolo do partido, o líder do Movimento Cinco Estrelas, Luigi Di Maio, discursa em um dos comícios do partido em Caserta

O líder do Movimento Cinco Estrelas, Luigi Di Maio, discursa em um dos comícios do partido em Caserta - Ciro de Luca - 23.fev.2018/Reuters

Diogo Bercito, Folha de São Paulo
AVELLINO (ITÁLIA)
Margherita di Dio, 48, não votou nas últimas eleições.
Dona de um bar em Avellino, no sul da Itália, estava desgostosa com a política de sempre, entre corrupção e austeridade. Então começou a prestar atenção à conversa por cima do balcão: seus clientes falavam de um certo Movimento 5 Estrelas, que se opunha ao sistema político tradicional. O líder, Luigi Di Maio, 31, nascera ali.
Nos últimos anos, Dio passou a apoiar a sigla, favorita nas eleições de 4 de março. Pendurou no bar fotos suas com membros da legenda e irá às urnas pela primeira vez em mais de uma década —o voto é facultativo na Itália.
"Eles podem fazer coisas novas", diz. "São jovens e nunca estiveram no poder. Só voto por causa deles."
Casos como o de Dio, em um país cansado da política tradicional, ajudam a explicar como o 5 Estrelas foi de radical a primeira opção.
Fundada em 2009 pelo comediante Beppe Grillo, a sigla era vista como mais uma das piadas dele. Agora, acumula 26,3% da expectativa de voto, segundo pesquisa Termômetro Político de 17 de fevereiro.
Individualmente, é o partido mais bem colocado —a aliança de centro-direita o desbanca, mas só quando seus percentuais são somados (chegando a 37,5%). O governista Partido Democrático (centro-esquerda) tem 21,3% das intenções.
"É um processo difícil de explicar, como um enigma de diversas respostas", diz o professor Massimiliano Panarari, que estuda o 5 Estrelas. "Uma de suas vantagens é atrair um voto pós-ideológico baseado na ideia de que são os únicos políticos honestos."
Diversas de suas propostas são atraentes para um público desiludido com a política, como a de reverter reformas previdenciárias recentes e a de oferecer um salário de R$ 3.000 a quem precisar —desempregados, por exemplo.
Ao contrário de seus rivais, com eleitorados definidos, o movimento recebe o apoio de diversos setores da população e em diferentes regiões.
Há eleitores interessados em desconstruir o sistema político, mas também militantes atraídos por suas propostas ambientais. "São como um camaleão que muda de cor de acordo com a situação política", afirma Panarari.
O 5 Estrelas terá de imitar o réptil e se adaptar, também, ao resultado eleitoral. Como não deve ter a maioria necessária para governar sozinho, precisará formar alianças.
Uma de suas únicas opções é se unir à Liga (direita ultranacionalista) em uma parceria inédita e imprevisível. Dado o quebra-cabeça, analistas acham pouco provável que o movimento de fato governe a Itália nos próximos anos.

INSTITUCIONAL

Apesar de ter surgido como uma opção revolucionária em 2009, o 5 Estrelas tem rapidamente se institucionalizado. Governa hoje Roma e Turim e tem 14 eurodeputados, 88 deputados e 35 senadores.
Nesse sentido, foi fundamental a decisão de Grillo de se afastar do partido, separando seu blogpolítico do site institucional. Ele pouco apareceu na campanha, e o movimento deixou de lado sua proposta de abandonar o euro.
A passagem do discurso à prática tem se mostrado turbulenta. A prefeita de Roma, Virginia Raggi, é responsabilizada pela imprensa pelo caos administrativo e pelo acúmulo de lixo nas ruas, alimentando a narrativa de que o movimento é inexperiente e, portanto, incapaz.
Já a prefeita de Turim, Chiara Appendino, é investigada por negligência devido ao incidente em que uma mulher foi morta e 1.500 ficaram feridos enquanto assistiam a uma partida de futebol --houve uma debandada quando fogos de artifício foram confundidos com explosivos.
Mas o 5 Estrelas parece invulnerável. "Estão imunes a todo ruído vindo da realidade. Como se beneficiam de um voto de opinião, a realidade passa a ser vista como uma campanha eleitoral dos partidos rivais."