Diogo Bercito, Folha de São Paulo
AVELLINO (ITÁLIA)
Margherita di Dio, 48, não votou nas últimas eleições.
Dona de um bar em Avellino, no sul da Itália, estava desgostosa com a política de sempre, entre corrupção e austeridade. Então começou a prestar atenção à conversa por cima do balcão: seus clientes falavam de um certo Movimento 5 Estrelas, que se opunha ao sistema político tradicional. O líder, Luigi Di Maio, 31, nascera ali.
Nos últimos anos, Dio passou a apoiar a sigla, favorita nas eleições de 4 de março. Pendurou no bar fotos suas com membros da legenda e irá às urnas pela primeira vez em mais de uma década —o voto é facultativo na Itália.
"Eles podem fazer coisas novas", diz. "São jovens e nunca estiveram no poder. Só voto por causa deles."
Casos como o de Dio, em um país cansado da política tradicional, ajudam a explicar como o 5 Estrelas foi de radical a primeira opção.
Fundada em 2009 pelo comediante Beppe Grillo, a sigla era vista como mais uma das piadas dele. Agora, acumula 26,3% da expectativa de voto, segundo pesquisa Termômetro Político de 17 de fevereiro.
Individualmente, é o partido mais bem colocado —a aliança de centro-direita o desbanca, mas só quando seus percentuais são somados (chegando a 37,5%). O governista Partido Democrático (centro-esquerda) tem 21,3% das intenções.
"É um processo difícil de explicar, como um enigma de diversas respostas", diz o professor Massimiliano Panarari, que estuda o 5 Estrelas. "Uma de suas vantagens é atrair um voto pós-ideológico baseado na ideia de que são os únicos políticos honestos."
Diversas de suas propostas são atraentes para um público desiludido com a política, como a de reverter reformas previdenciárias recentes e a de oferecer um salário de R$ 3.000 a quem precisar —desempregados, por exemplo.
Ao contrário de seus rivais, com eleitorados definidos, o movimento recebe o apoio de diversos setores da população e em diferentes regiões.
Há eleitores interessados em desconstruir o sistema político, mas também militantes atraídos por suas propostas ambientais. "São como um camaleão que muda de cor de acordo com a situação política", afirma Panarari.
O 5 Estrelas terá de imitar o réptil e se adaptar, também, ao resultado eleitoral. Como não deve ter a maioria necessária para governar sozinho, precisará formar alianças.
Uma de suas únicas opções é se unir à Liga (direita ultranacionalista) em uma parceria inédita e imprevisível. Dado o quebra-cabeça, analistas acham pouco provável que o movimento de fato governe a Itália nos próximos anos.
INSTITUCIONAL
Apesar de ter surgido como uma opção revolucionária em 2009, o 5 Estrelas tem rapidamente se institucionalizado. Governa hoje Roma e Turim e tem 14 eurodeputados, 88 deputados e 35 senadores.
Nesse sentido, foi fundamental a decisão de Grillo de se afastar do partido, separando seu blogpolítico do site institucional. Ele pouco apareceu na campanha, e o movimento deixou de lado sua proposta de abandonar o euro.
A passagem do discurso à prática tem se mostrado turbulenta. A prefeita de Roma, Virginia Raggi, é responsabilizada pela imprensa pelo caos administrativo e pelo acúmulo de lixo nas ruas, alimentando a narrativa de que o movimento é inexperiente e, portanto, incapaz.
Já a prefeita de Turim, Chiara Appendino, é investigada por negligência devido ao incidente em que uma mulher foi morta e 1.500 ficaram feridos enquanto assistiam a uma partida de futebol --houve uma debandada quando fogos de artifício foram confundidos com explosivos.
Mas o 5 Estrelas parece invulnerável. "Estão imunes a todo ruído vindo da realidade. Como se beneficiam de um voto de opinião, a realidade passa a ser vista como uma campanha eleitoral dos partidos rivais."