Parece lógico: a responsabilidade pelos crimes e o poder de fogo do tráfico é dos consumidores que o sustentam. Então, se os cariocas parassem de fumar maconha e cheirar cocaína, o tráfico, a bandidagem e a violência acabavam? Nessa improvável hipótese, o mais provável é que essas legiões de consumidores migrassem para novas drogas, de novos traficantes, ou mergulhassem no álcool e nos remédios tarja preta; afinal, o ser humano é uma máquina desejante. Nunca houve tanta oferta de drogas químicas na noite e nas farmácias do mundo. Hoje, nos Estados Unidos, seis milhões de pessoas são dependentes de opioides e analgésicos.
Como explicar essa contradição: Nova York é a cidade que mais consome drogas no mundo, pelo estilo de vida, pelo poder aquisitivo, pela liberalidade social, é um mercado voraz e colossal, mas hoje é uma das cidades mais seguras do país. E o tráfico? Cadê o poder do tráfico? Claro que são eles que abastecem esse mercado milionário, mas ninguém os vê, eles não mandam nada na cidade e nem nas comunidades, dão-se por felizes por escapar da polícia. Desde a limpeza na polícia feita por Rudolph Giuliani e a política de tolerância zero, são poucos os crimes relacionados com drogas, mais raras ainda as guerras de quadrilhas e a morte de policiais em confronto com traficantes. Sim, a responsabilidade não era dos consumidores, mas do poder público.
Será que aqui os responsáveis pela violência são só os traficantes e os consumidores? E os traficantes de cargos e de dinheiro público, que não ganham sobre uma trouxinha de maconha de R$ 20 ou sobre uma peteca de pó de R$ 50, mas sobre quantias astronômicas reveladas pela Lava-Jato, roubadas de investimentos em saúde, educação e segurança das comunidades dominadas pelo tráfico? Um “rei do morro” desses que a polícia torna popular é um pobre diabo, um pé de chinelo, diante dos seus colegas de colarinho branco, de guardanapo na cabeça, de farda ou de toga.
Passando uma visão: por que o único efeito do aumento das apreensões é uma momentânea alta do produto? E por que, apesar da repressão, o consumo sempre aumenta?