Fábio Perrota Jr., O Globo
A cada Salão de São Paulo, o estande da Ford exibia um Mustang com a promessa de que o esportivo logo chegaria oficialmente ao país. Mas os anos passavam, as desculpas se sucediam, e quem queria o muscle car precisava recorrer a importadores independentes.
Enquanto isso, o eterno rival Chevrolet Camaro abria muitos corpos de vantagem: desde 2012, é a própria General Motors quem traz o modelo.
Agora, enfim, a Ford decidiu sair do atraso e lançar o Mustang no Brasil (há 52 anos o modelo é o carro esporte mais vendido nos Estados Unidos). A sexta geração do cavalinho selvagem é tida como a melhor de todos os tempos e, para provar, a marca do oval azul preparou um teste completo, com direito a estrada e... pista.
Saímos de Indaiatuba (SP) rumo ao Autódromo Velo Città, num percurso rodoviário de 120 quilômetros. Pela primeira vez o Mustang traz um seletor de modo de condução. Aperte uma tecla no volante ou no console para escolher entre diversas opções de comportamento: “normal”, “esportivo”, “esportivo+”, “pista”, “drag”, “neve/molhado” e “personal” (este, configurável ao gosto do motorista/ piloto). Há ainda um curioso “line lock”, que trava as rodas da frente e facilita dar o famoso borrachão no asfalto — algo punido com multa no Velo Città. Melhor não usar...
Larga-me... deixa-me gritar!
No modo mais manso, o Mustang é apenas “ok”. Os amortecedores magnéticos priorizam o conforto (mas a suspensão ainda é mais dura do que a de um carro comum), a direção fica leve, o mapeamento do acelerador é conservador e o câmbio faz trocas de modo a economizar combustível.
Além disso, o ronco do V8 é discreto. Percebe-se que há algo interessante ali, mas não passa disso. Mas, mesmo em modo manso, temos aqui um esportivo com 466cv e estúpidos 58kgfm de torque — isso tudo num motor aspirado! Atingir o limite legal de 110km/h não gera o menor esforço.
A caixa é automática de dez (!) marchas, com trocas sutis no modo mais brando de condução. Chamado de 10R80, esse câmbio automático foi desenvolvido em parceria com a arquirrival Chevrolet — é a mesma transmissão que equipa a versão ZL1 do Camaro, vendida lá fora.
Achar uma posição confortável não é difícil. Diferentemente do claustrofóbico Camaro, o Mustang tem boa área envidraçada. Apesar da agressividade do modelo, os bancos dianteiros não são do tipo concha, nem abraçam apertado. Poderiam, muito bem, estar em um sedã careta. No banco traseiro de nosso fastback, há espaço para duas pessoas de, no máximo, 1,60m de altura. E, ao menos por enquanto, a Ford diz que não vai trazer a versão conversível.
O quadro de instrumentos é incrível: uma tela digital de 12 polegadas completamente personalizável. Sua apresentação muda de acordo com o modo de condução e tem variações bem interessantes. Começa em um layout normal, com dois mostradores redondos, mas, à medida que selecionamos um modo de condução mais agressivo, o contagiros vai ganhando protagonismo — até se tornar uma grossa barra horizontal no meio da tela. Você pode marcar até o tempo de volta na pista.
Confesso que estava achando muito monótono andar em procissão pela Rodovia dos Bandeirantes, comportadinho e em silêncio como se estivesse ao volante de um Ka 1.0.
O escape, contudo, merece um parágrafo à parte. São quatro níveis de som. O modo normal é para um dia a dia sem escândalos. No esportivo, o som fica mais encorpado, mas ainda civilizado. Nas outras opções, entra-se em “modo pista”: aí o bicho pega, com um urro grave, típico de V8 americano, a ecoar pelas quatro saídas. Impressiona e é delicioso de se ouvir. Em contraponto o Mustang também traz um “modo amordaçado”, para quem tem vizinho brabo. E é possível até ajustar um horário, no computador de bordo, para que o carro sempre fique silencioso após as 22h ou antes das 8h, por exemplo. Bem bolado...
Lançada em 2015, a sexta geração do Mustang (fabricada exclusivamente em Flat Rock, Michigan) já chega ao Brasil com um retoque no visual. O desenho da grade e dos faróis foi inspirado no personagem Darth Vader.
Mas é sob do capô que está o lado negro da força: apesar de a cilindrada remeter ao velho motor 302 Windsor (vulgo “canadense”), que equipava os nossos Maverick e Landau, o V8 5.0 Coyote do atual Mustang GT é completamente diferente: tem comandos nos cabeçotes e quatro válvulas por cilindro.
Nesse ponto, o muscle car da Ford está décadas à frente do rival Camaro SS, vendido no Brasil apenas com o V8 LT1 de 6,2 litros, um fóssil tecnológico com duas válvulas por cilindro e comando no bloco.
Para se ter uma noção do que isso significa, o 5.0 aspirado do Mustang rende 466cv — enquanto o 6.2 do Camaro fica nos 461cv, apesar de sua cilindrada bem maior.
Em ritmo de cruzeiro, nos 110km/h permitidos na estrada paulista, a méda de consumo ficou em torno de 9km/l, o que não é nada ruim para um esportivo de 1,7 tonelada com motor V8 (lá fora, o Mustang pode sair também com um quatro-em-linha 2.3 turbo).
Para trazer o Mustang, a Ford precisou fazer uma série de mudanças no projeto. A tomada de ar da admissão está mais alta, os coxins do motor são diferentes para aguentar o tranco de nosso asfalto, o sistema de refrigeração foi reforçado para suportar o calor e o mapa da injeção foi revisto. Aliás, aproveitando a grande quantidade de álcool em nossa gasolina, o V8 Coyote em “versão brasileira” rende 5cv extras!
Hora de entrar na pista
Em seu habitat, o Mustang roda feliz. Com suspensão traseira independente, a nova geração acabou com o estigma de que muscle car só serve para linha reta: no autódromo, o carro mostra um acerto de chão impressionante.
Com o modo pista acionado e pleno, os amortecedores ficam mais contidos, a direção bem direta e o pedal do acelerador, extremamente sensível. Sem contar com o câmbio, que passar a dar socos a cada troca de marcha feita com o V8 a plenos pulmões.
No final da reta o velocímetro mostra 180km/h e, se não fosse pelo urro do escapamento, tudo pareceria na mais perfeita ordem, sem a menor sensação de que algo poderia dar errado.
Basta um movimento curto para apontar na curva de alta, mantendo o pé embaixo. Depois, uma cutucada nos freios para encarar um ângulo mais fechado. E os quatro discos ventilados mostram que o Mustang reduz com o mesmo vigor que acelera.
Daí, pé fundo novamente e retomadas brutais. No modo “pista”, o controle de tração é menos intrometido: o carro ameaça sair de traseira por conta do mundo de torque despejado nos pneus traseiros.
Uma pena que o tempo em pista tenha sido tão curto. Foram apenas duas voltas rápidas e uma terceira mais lenta para o “cavalo” voltar às suas condições normais de temperatura e pressão. Ainda sim, foi o suficiente para provar que o Mustang pode ir ao supermercado e, no fim de semana, encarar um divertido track day.
No bolso
Por R$ 300 mil, o Mustang chega ao Brasil numa única versão e sem opcionais. Chamada de GT Premium Performance Pack, traz além de motorzão e visual agressivo, controle de velocidade adaptativo, oito airbags, alerta de colisão dianteira, frenagem de emergência autônoma, farol alto automático, entre outros itens. E custa R$ 10 mil a menos que o Camaro.
O preço é alto, mas a demanda após décadas sem importação oficial é maior: desde dezembro, quando a Ford confirmou que traria o carro, foram vendidos mais de 230 Mustang antecipadamente. As entregas das primeiras unidades já começaram e o carro estará disponível em (algumas) concessionárias a partir de abril.