quinta-feira, 30 de abril de 2020

EUA planejam acelerar criação de vacina contra a Covid-19 e ter 300 milhões de doses até janeiro

Cientista trabalha em pesquisa para desenvolvimento de vacina contra o Sars-CoV-2; governo americano planeja iniciativa para reduzir em oito meses tempo de produção de uma cura Foto: CARL RECINE / REUTERS
Cientista trabalha em pesquisa para desenvolvimento de vacina contra o Sars-CoV-2; governo americano planeja iniciativa para reduzir em oito meses tempo de produção de uma cura Foto: CARL RECINE / REUTERS


WASHINGTON (EUA) - O governo Trump está organizando um esforço ao estilo do Projeto Manhattan (que produziu as primeiras bombas atômicas, durante a Segunda Guerra Mundial) para reduzir drasticamente o tempo necessário para desenvolver uma vacina contra o novo coronavírus, com o objetivo de fazer doses suficientes para a maioria dos americanos até o final do ano.
Chamado de "Operação Warp Speed", o programa reunirá empresas farmacêuticas privadas, agências governamentais e militares para tentar reduzir o tempo de desenvolvimento de uma vacina em até oito meses, segundo duas pessoas familiarizadas com o assunto.
Como parte do acordo, os contribuintes arcarão com grande parte do risco financeiro caso as candidatas a vacinas falhem, em vez das empresas farmacêuticas.
O objetivo do projeto é disponibilizar 300 milhões de doses da vacina até janeiro, de acordo com um funcionário do governo. Não há precedentes para o desenvolvimento tão rápido de uma vacina.
Os principais consultores médicos do presidente Donald Trump, liderados pelo especialista em doenças infecciosas Anthony Fauci, disseram repetidamente que uma vacina contra o coronavírus não estará pronta antes de um período de 12 a 18 meses.
Enquanto isso, as diretrizes da Casa Branca vislumbram a manutenção de algumas práticas de distanciamento social, mesmo com os EUA começando a retomar uma vida social e comercial mais normal.
No mês passado, Trump instruiu o secretário de Saúde e Serviços Humanos, Alex Azar, a acelerar o desenvolvimento de uma vacina, e as autoridades do governo se reuniram no esforço por três a quatro semanas, disse uma das pessoas envolvidas. Uma reunião sobre o projeto foi agendada na Casa Branca na última quarta-feira.
As pessoas familiarizadas com o projeto e os funcionários do governo pediram para não serem identificados porque ele ainda não foi anunciado publicamente.
Um porta-voz do Departamento de Saúde e Serviços Humanos, Michael Caputo, disse que o presidente se recusou a aceitar o cronograma para o desenvolvimento de vacinas padrão e incentivou um processo inovador.

Acelerar custará bilhões de dólares

O desenvolvimento de vacinas é tipicamente lento e de alto risco. O objetivo do projeto é cortar a parte lenta, disseram as pessoas. A Operação Warp Speed usará os recursos do governo para testar rapidamente as vacinas experimentais mais promissoras do mundo em animais e, em seguida, iniciar ensaios clínicos coordenados em humanos para peneirar os candidatos.
As melhores vacinas em potencial entrariam em testes mais amplos ao mesmo tempo em que a produção em massa aumenta.
O projeto custará bilhões de dólares, disse uma das pessoas. E quase certamente resultará em desperdício significativo, fazendo inoculações em escala antes de saber se elas serão seguras e eficazes - o que significa que as vacinas que falharem serão inúteis. Mas isso poderia significar ter doses da vacina disponíveis para o público americano até o final deste ano, em vez de apenas em meados de 2021.
O grupo está discutindo quais os americanos que devem ser vacinados primeiro, já que os medicamentos provavelmente sairiam das linhas de produção em lotes, disseram uma das pessoas. O projeto seria financiado com dinheiro já disponível para o governo e não exigirá nova autorização do Congresso, disse uma das pessoas.
Existem pelo menos 70 vacinas diferentes contra o coronavírus em desenvolvimento por fabricantes de medicamentos e grupos de pesquisa, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas as farmacêuticas não coordenaram seus esforços como espera-se que seja possível por meio do projeto Warp Speed, disse uma das pessoas.
O Departamento de Defesa americano disponibilizaria seus recursos de pesquisa com animais para o trabalho pré-clínico de vacinas.
O grupo também está discutindo o uso do que é conhecido como protocolo mestre para testar as vacinas. Em vez de vários ensaios clínicos realizados por cada fabricante de medicamentos, competindo por pacientes e recursos, o governo organizaria um grande estudo para testar várias vacinas ao mesmo tempo e avançar as mais promissoras.

Vacina de Oxford

O governo Trump não está sozinho na tentativa de acelerar uma vacina. Uma das candidatas mais promissoras do mundo foi desenvolvida por uma equipe da Universidade de Oxford, em Londres.
No mês passado, cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA inocularam seis macacos rhesus com a vacina de Oxford e depois os expuseram ao coronavírus, informou o "New York Times".
Todos os seis estavam saudáveis mais de quatro semanas depois, segundo o jornal. Atualmente, os pesquisadores estão testando sua vacina em mil pacientes e planejam expandir para os estágios dois e três no próximo mês, envolvendo cerca de 5.000 pessoas.
O grupo de Oxford disse ao Times que poderia ter vários milhões de doses de sua vacina produzidas e aprovadas pelos reguladores até setembro.
Nos EUA, a Fundação Bill & Melinda Gates transferiu grande parte de seus esforços de pesquisa para o vírus coronavírus.
Uma das pessoas familiarizadas com a Operação Warp Speed fez uma distinção com o grupo Oxford, descrevendo o esforço dos EUA como de escopo mais amplo. Não está claro quais candidatos à vacina seriam parte da Operação Warp Speed ou se ela incluiria a vacina Oxford.
Mais de 1 milhão de casos de coronavírus foram confirmados nos EUA e pelo menos 58 mil pessoas morreram por causa da Covid-19 nos últimos dois meses. A difusão de medidas de distanciamento social ajudou a diminuir a disseminação, mas à custa de milhões de empregos e perdas para a economia que os especialistas temem levar anos para se recuperar.
Juntamente com testes de diagnóstico mais amplos, para detectar o vírus, e um medicamento terapêutico eficaz, a vacina é uma das principais ferramentas para reduzir o risco a longo prazo do Sars-CoV-2.
Os testes podem ajudar a conter um surto em seus estágios iniciais. Uma droga terapêutica pode ajudar aqueles que ficam doentes, reduzindo o risco de morte e o ônus para os hospitais.
A Gilead Sciences Inc. anunciou na última quarta-feira que, em um estudo realizado pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, sua terapia experimental com o antiviral remdesivir ajudou os pacientes de coronavírus a se recuperarem mais rapidamente.

Cronograma otimista

As vacinas são uma das ferramentas mais eficazes contra doenças virais, pois podem impedir que as pessoas fiquem doentes. Eles são um atalho para a imunidade que a maioria das pessoas adquire depois de adoecer por um vírus e se recuperar.
Durante a doença, o sistema imunológico produz anticorpos que podem ser utilizados posteriormente para combater a exposição ao mesmo patógeno.
As vacinas usam um vírus vivo e enfraquecido, um vírus morto ou partes do patógeno para induzir o corpo a criar defesas sem precisar ficar doente.
Mesmo o cronograma prospectivo de 12 a 18 meses de Fauci seria anos mais rápido do que o desenvolvimento típico de vacinas. Uma vacina para o vírus Ebola que entrou em ensaios clínicos em 2014 recebeu aprovação dos reguladores dos EUA em dezembro passado - um esforço de cinco anos considerado notável por sua velocidade.
E o novo coronavírus apresenta novos desafios. Quantas pessoas obtêm imunidade após a exposição, quão robusto é o patógeno e quanto tempo dura ainda são questões.
Algumas pesquisas mostraram que a imunidade a outros coronavírus, incluindo aqueles que causam Sars, Mers e formas do resfriado comum, pode ser limitada ou durar apenas por um tempo relativamente curto.
Não está claro quanto da Operação Warp Speed é nova e quanto envolverá projetos em andamento, como investimentos feitos pela Autoridade Biomédica de Pesquisa e Desenvolvimento Avançado (Barda).
A Barda já deu centenas de milhões de dólares a fabricantes de medicamentos, incluindo Moderna Inc. e Johnson & Johnson. O dinheiro destina-se a financiar pesquisas e manufatura em grande escala ao mesmo tempo, com a esperança de acelerar a produção de vacinas.
Mas, na semana passada, o diretor da Barda, Rick Bright, foi removido e transferido para os Institutos Nacionais de Saúde (NIH). Ele disse que entrará com uma denúncia, alegando que a Casa Branca retaliou contra ele porque resistiu a promover o uso generalizado de medicamentos contra a malária que Trump elogiou por coronavírus.
Os medicamentos, cloroquina e hidroxicloroquina, não foram comprovadamente eficazes contra o vírus e alguns ensaios clínicos foram abandonados devido a efeitos colaterais perigosos.
Depois de instruir o governo a obter mais de 29 milhões de doses da droga, Trump recentemente parou de promover o medicamento como tratamento contra o coronavírus.
Ele afirmou na semana passada que não conhecia Bright e não tinha conhecimento de sua remoção.
Jennifer Jacobs e Drew Armstrong, da Bloomberg