Carlos Brickmann
Esperteza, quando é muita, vira bicho e come o esperto. Bolsonaro achou que era esperto ao levar para seu Governo o popularíssimo juiz Sérgio Moro, odiado pelo PT. Tinha certeza de que Moro aceitaria qualquer ordem, já que seu sonho era ir para o Supremo. Moro achou que era esperto ao desafiar o presidente. Tinha certeza de que Bolsonaro não o demitiria, por temer reação popular e para não acirrar os ânimos dos federais que investigam seus filhos.
Ambos foram devorados. Bolsonaro esqueceu que Moro, experiente nos tribunais, certamente estaria colecionando documentos e gravações de sua passagem pelo Governo. Moro esqueceu que, embora popularíssimo, terá de passar dois anos ao sol e ao sereno, sua lembrança se esvaindo, para só então disputar a Presidência. Que mais pode querer, a essa altura? Quem ousará apadrinhá-lo, sabendo de seu hábito de colecionar documentos e gravações?
Com a entrada do Supremo no jogo, Moro poderá até derrubar Bolsonaro – mas sem ganhar nada com isso. E mesmo tendo apanhado o presidente no contrapé, balançando, derrubá-lo não é simples. Bolsonaro até que faz força para cair, criando uma crise após outra; mas não é à-toa que, com uns trinta pedidos de impeachment, Rodrigo Maia não mandou nenhum para a frente. Impeachment exige não apenas um crime de responsabilidade (e maioria no Congresso), mas principalmente condições políticas. Bolsonaro já não é tão forte, mas tem um terço do eleitorado. Pode cair, mas precisará se esforçar.
As pedras no caminho
Há mais problemas sérios para Bolsonaro enfrentar. A Polícia investiga seu filho Flávio, hoje senador, no caso Queiroz. Funcionários de Flávio na Assembleia entregavam a Queiroz parte do salário, que, suspeita-se, iria para Flávio. Há investigações sobre notícias falsas (em português, fake news), que parecem estar próximas de dois de seus outros filhos, Carlos e Eduardo. Mas o presidente não pode ser responsabilizado por problemas dos filhos. Seria preciso provar que participou dos fatos, ou se beneficiou, ou os acobertou.
O Satânico Dr. Go
Um dos principais estrategistas do regime militar, o general Golbery do Couto e Silva, hoje notaria que todos os Estados banhados pelo mar, menos um – o Paraná – estão na oposição. Ao romper com o presidente, Ronaldo Caiado, de Goiás, deixou-o ilhado em Brasília. A aliança dos governadores contra ele é mais séria que a posição do Congresso ou do Supremo, e o deixa instável. Bolsonaro conseguiu trazer de volta a Política dos Governadores, parada desde a campanha pelas diretas. E a trouxe contra ele.
Hora e lugar
O ministro Celso de Mello ordenou à Procuradoria Geral da República que investigue as acusações de Moro a Bolsonaro (e, caso sejam falsas, de Bolsonaro contra Moro, por denunciação caluniosa). Foram denúncias pesadas e, como se viu, Moro andou colecionando documentos. Mas há um problema, apontado pelo ministro Gilmar Mendes: o prazo. Em novembro, Celso de Mello se aposenta por idade. O presidente indica o substituto, que herda seus processos. Bolsonaro indicou o perfil que escolherá: o de alguém “terrivelmente evangélico”. E, ao mesmo tempo, terrivelmente bolsonarista.
Repetindo a história
Celso de Mello votou contra Sarney, que o nomeou (e por isso o ministro da Justiça, Saulo Ramos, rompeu com ele), Luiz Fux prometeu “matar no peito” o processo contra José Dirceu (e Dirceu acreditou!), oito dos onze ministros do Supremo foram indicados por Lula e Dilma (e a cúpula do PT acabou na prisão). Quando alguém chega a um cargo vitalício bem pago, com garantia total para sua independência, fica independente que só vendo.
Acredite se puder
O canadense Grant Peterson, ex-policial, casado com uma brasileira, escreve livros policiais no estilo de Richard Prather, criador do detetive Shell Scott: seus personagens são conservadores, duros, adeptos da manutenção da ordem a qualquer preço. Peterson mandou dois livros, cuja história se passa no Brasil, para a Fonte Editorial, que os traduziria e lançaria aqui: Southern Cross e Back in Slowly. Na tradução, os livros foram modificados e viraram petistas. Peterson está processando a Fonte Editorial.
Num dos livros, um personagem, “o senador Buscetti, do PMDB”, tenta “derrubar Dilma por corrupção”. Na tradução, Buscetti “estavam tentando derrubar Dilma do poder por uma invenção da mídia golpista brasileira”. E são denunciados por boa parte da opinião pública pelo “grande crime que destruiu a democracia inclusiva e participativa brasileira, que estava sendo construída no governo do Partido dos Trabalhadores (…)”. No original, “não parece que o PT vá sobreviver à Lava Jato”. Na tradução, o PT é “o maior partido popular da América Latina e quiçá do mundo”.
Eduardo de Proença, editor da Fonte, diz que o tradutor Daniel Costa foi dispensado. Costa acha que melhorou o livro, tornando-o “mais isento”.
Revista Oeste