quinta-feira, 18 de outubro de 2018

‘O primeiro homem’, de Damien Chazelle, revela o lado humano de Neil Armstrong

TORONTO — O estado que mais produz astronautas americanos é Ohio. Pode até parecer curiosidade de almanaque, e é. Mas foram justamente pedaços de informação como este que Damien Chazelle juntou para cerzir “O primeiro homem”, que estreia nesta quinta-feira. O filme é uma cinebio sóbria e intimista de Neil Armstrong (1930-2012), comandante da Apolo 11 e primeiro homem a pisar na Lua. Coube a Ryan Gosling, parceiro do diretor em “La la land”, usar o clássico uniforme do protagonista.

O longa foi recebido com atenção nos festivais de Toronto e Veneza, agradou aos críticos, está na lista de oscarizáveis, mas não encontrou seu público nos EUA. A aposta da Universal é justamente no mercado internacional.
— Antes de dizer sim para o Damien, o que eu sabia sobre Armstrong era que ele tinha sido o primeiro sujeito a pisar na Lua, em 1969. O que a gente tentou fazer foi escarafunchar o homem por trás do mito — diz Ryan.
Embora não fuja do fato histórico, Chazelle jamais encarou “O primeiro homem” como um filme sobre um dos momentos cruciais da corrida espacial. O diretor (de 33 anos) sequer era nascido na época, assim como Ryan (37).
Apesar das referências ao clássico “2001 — uma odisseia no espaço”, de Stanley Kubrick, Chazelle apostou numa narrativa oposta à grandiosidade, com a câmera interessada em mostrar a rotina dos astronautas:
— Para mim, o tema é o mesmo de “La la land” ou “Whiplash” — diz, citando seus longas anteriores. — São filmes sobre o preço que se paga por certo tipo de ambição.
Não por acaso, um papel central é o da mulher de Armstrong, Janet, vivida por Claire Foy (a rainha Elizabeth de “The Crown”). Os esforços dela para manter uma vida em família “mais ou menos” normal, em meio aos perigos do ofício do marido e sua entrega quase religiosa ao sonho de ir além, revelam um pouco mais da rotina de um ícone notório pela aversão à vida pública e ao culto à celebridade.
— A trajetória de mulheres como Janet é incrível, mas ninguém se interessou pelo lado de cá da História — pondera a atriz. — Sempre se olhou apenas para quem foi à Lua, não para quem ficou. Uma singularidade deste filme é justamente ultrapassar a narrativa oficial e seus heróis. Somos todos humanos.
“O primeiro homem” é inspirado na abrangente biografia de mesmo nome escrita pelo especialista em história aerospacial James Hansen. Lançado agora no Brasil pela Intrínseca, o livro vai da infância do astronauta até os percalços da fama. E traça, ainda, um amplo painel da segunda metade do século XX.
Já o roteiro do longa, escrito por Josh Singer, estabelece um paralelo entre a morte da filha do casal e a incapacidade de Armstrong de demonstrar emoções em meio aos ambientes assépticos das ciências espaciais. A narrativa propositadamente claustrofóbica gerou reclamações de parte do público, incomodado com o que percebe como uma certa frieza de estilo. Para analistas, esta poderia ser uma das razões de o filme não ter sido arrasa-quarteirão nos EUA.
Em Toronto, diretor e elenco conversaram com o público ao lado de dois filhos de Armstrong, Rick e Mark. Uma das cenas mais dramáticas do filme mostra Janet exigindo que o marido revele aos filhos a possibilidade de não voltar da missão. Eles se emocionaram ao ouvir que Chazelle e Ryan se enfurnaram nos cafundós de Ohio, onde Armstrong foi criado, para fazer uma tradução mais exata dele.
— Sempre me interessei por personagens que têm dificuldade em lidar com suas emoções. No caso de Neil, foi irresistível a reflexão de que ele conseguiu ir à Lua, mas tinha dificuldade com as sensações mais terrenas. Foi a única pessoa sobre a qual pesquisei que aprendeu primeiro a pilotar um avião e só depois a dirigir um carro — diz Chazelle.

Eduardo Graça, O Globo