quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Carlos Alberto Sardenberg: "Em busca de outro Itamar"

O Globo

O quadro não é simples, mas era pior quando o outro vice do PMDB assumiu depois do impeachment de Collor


Quando acaba essa recessão? Essa foi a pergunta refeita depois de que ficamos sabendo do desastre do terceiro trimestre de 2016, conforme os números do PIB divulgados ontem pelo IBGE. Deu tudo vermelho. Todos os itens considerados nas contas nacionais — consumo das famílias, gasto do governo, investimentos feitos, exportações e importações — e todos os setores — agropecuária, indústria e serviços — mostraram quedas, sob qualquer critério de comparação. Um strike negativo.

Como os dados já conhecidos do quarto trimestre não são lá essas coisas, analistas de fora do governo começaram ontem mesmo a rever seus cenários para 2017. Todo mundo acha que 2017 será melhor que 2016, o que não é grande coisa já que neste ano a economia deve amargar uma queda de mais de 3%.

Mas todos, pelo menos por enquanto, acham que o país sai do vermelho em 2017, encerrando a mais longa e mais profunda recessão de nossa história. Logo, será um ano melhor.

Teremos um ano melhor, mas quanto? Pelo que pude checar ontem, as novas projeções para o PIB variam de 1,3% a zero, que estão chamando de estabilidade.

De onde viria essa recuperação? Aqui há bastante acordo: o Banco Central continuará derrubando os juros, com a queda da inflação; o ajuste das contas públicas deve avançar; a agropecuária vai ajudar; as exportações idem; e os investimentos só podem subir com a recuperação da Petrobras e do setor de óleo e gás, mais o processo de privatização/concessão de infraestrutura.

Tudo isso é plausível e tem amplo consenso. O que vai fazer a diferença está na intensidade, na coerência e na persistência da política econômica. Considerem as privatizações e concessões de aeroportos, portos, rodovias e ferrovias, e mais as novas licitações de poços de petróleo. De fato, trata-se de poderosa atração de investimentos.

Não é fácil fazer, entretanto. Os leilões são complexos, precisam estipular regras confiáveis para os investidores e para o setor público, de modo, por exemplo, a evitar cartéis e empresas de má qualidade.

Além disso, todo o governo precisa estar empenhado na mesma direção. A licitação de um porto, um aeroporto, qualquer coisa grande, exige a intervenção de vários ministérios e muito especialmente daqueles que devem liderar o processo, o presidente e o ministro da Fazenda.

Ora, se o presidente e seus assessores mais próximos estão preocupados com o apartamento de Geddel ou em restringir a Lava-Jato, a coisa não anda.

Do mesmo modo, o Banco Central pretende continuar com a queda dos juros, mas em qual intensidade? Para acelerar, além da queda da inflação, precisa ter uma razoável expectativa de que a política econômica em sentido amplo, do ajuste de contas às grandes concessões, será efetivamente aplicada. Será?

É como se tivéssemos dois governos. Um na economia, outro na política, este último envolvido com a Lava-Jato e suas repercussões. Enquanto tiver ministros e líderes parlamentares mais preocupados em salvar a própria pele — ou o próprio apartamento — a expectativa em relação à condução da economia fica prejudicada.

O pessoal se pergunta: onde está o presidente Temer? No domingo passado, ele reuniu os presidentes da Câmara e do Senado para garantir que não haveria anistia ampla ao caixa dois. Dois dias e uma madrugada depois, a Câmara aprova um pacote anticorrupção, mas incluindo uma legislação que ameaça o Ministério Público e o Judiciário — ali exatamente onde se dá o efetivo combate à corrupção.

A base governista votou — o que justifica a pergunta: até onde Temer está metido nisso?

Por outro lado, o mesmo Senado de Renan vota direitinho a emenda constitucional que impede o aumento da despesa pública — peça essencial da recuperação econômica.

Como se dizia, o Brasil não é para amadores. E tem mais um ponto: a situação econômica piorou tanto, ficou ruim para tanta gente, que as políticas de ajuste se tornaram uma necessidade. Mesmo quem não gosta de segurar a despesa pública — e tem muitos no governo que não gostam — já percebeu que a alternativa é ajuste por bem ou ajuste por mal, como ocorre em alguns estados.

O quadro não é simples, mas — quer saber? — era pior quando Itamar, outro vice do PMDB, assumiu depois do impeachment de Collor. E deu no Plano Real, que encerrou 20 anos de superinflação e desajuste fiscal.

Milagres acontecem.