sexta-feira, 29 de julho de 2016

José Paulo Kupfer: "Sinais de impaciência"

O Globo

Dúvidas sobre a velocidade e a profundidade do ajuste fiscal começam a promover, como se dizia antigamente, uma reversão de expectativas


A estratégia de jogar para a torcida organizada com juras de austeridade, mas, na vida real, promover aumentos de gastos e ocupação política de cargos públicos, sob o guarda-chuva da necessidade de superar o impeachment e a própria interinidade, está mostrando ao presidente interino Michel Temer que funciona como uma linha tênue a separar otimismo e impaciência.

De uma visão cor-de-rosa do futuro próximo da economia para a acumulação de dúvidas sobre a capacidade de o governo entregar tudo o que está prometendo quando se tornar definitivo, os ânimos parecem oscilar como um pêndulo. A mensagem do Banco Central, que apontou incertezas no processo do ajuste fiscal e, na interpretação da praça financeira, empurrou mais para frente o início do ciclo esperado e desejado de corte nos juros básicos atuou como uma ducha fria sobre o otimismo em ascensão.

Ao abater, no início da decolagem, uma visão da recuperação econômica ancorada mais em desejos e expectativas do que na análise realista das condições existentes, as dúvidas sobre a velocidade e a profundidade do ajuste fiscal começaram a promover, como se dizia antigamente, uma reversão dessas expectativas. E ajudaram a acionar sinais de falta de paciência em empresários e no mercado financeiro, não só com as dificuldades em administrar no Congresso as propostas de cortes nos gastos públicos, mas também com a ausência de medidas concretas de relançamento da economia.

De um jeito um tanto irônico, o governo interino, de fato, vem ganhando ares da “normalidade” conhecida antes mesmo de se livrar da interinidade. Com direito a incluir no conceito as atribulações que o dream team da economia e seu chefe, Henrique Meirelles, andam enfrentando e que transparecem, por exemplo, nos avisos recentes do ministro da Fazenda de que os superávits nas contas públicas virão no “devido tempo”. Ou quando ele ameaça recorrer a aumento de impostos se suas propostas de contenção de despesas não forem sancionadas pelo Congresso.

A lista dos desacertos, que alimentam temores em relação à execução do programa de ajustes e reformas anunciado, avança em direções variadas e dela fazem parte os esforços da Fazenda, contestados pela Receita Federal e o Ministério Público, para ampliar os incentivos à repatriação de recursos ilegalmente mantidos no exterior, potencializando, ainda que com arrecadação não recorrente, as combalidas receitas públicas. Também inclui já rotineiras disputas orçamentárias com a Casa Civil, representante da “área política” do governo — e das demandas por mais gastos —, das quais a fixação de metas fiscais mais frouxas e agora a vedação do contingenciamento de gastos para driblar a escassez de receitas são apenas duas das situações mais conhecidas.

Nos últimos dias, a “normalidade” do governo interino ganhou o reforço de uma desavença que atravessa a história dos governos brasileiros, pelo menos desde os anos 50, entre Fazenda e Planejamento. Incomodado com a atuação do ministro Dyogo Oliveira, um egresso do governo da presidente afastada Dilma Rousseff, que substituiu o senador Romero Jucá num turbinado Planejamento e tem o apoio da ala política do governo, Meirelles pediu a Temer que transferisse a Secretaria de Orçamento, a mais importante do organograma do Planejamento, para a Fazenda. É essa secretaria que determina a destinação dos gastos que serão executados pelo Tesouro Nacional, vinculado à Fazenda, e não é difícil imaginar as poderosas forças em jogo.

Dos pegas do ministro Reis Velloso, primeiro com Delfim Netto e depois com Mário Henrique Simonsen, no governo militar dos anos 70, aos desencontros de Joaquim Levy e Nelson Barbosa, com Dilma, agora em 2015, passando por José Serra e Pedro Malan, no Plano Real de Fernando Henrique, na década de 90, essa história — e a luta pelos recursos públicos sempre escassos diante das demandas políticas por gastos que ela expressa —se repete. Ao mesmo tempo em que toma tempo e reduz eficiência, eleva a impaciência.