sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Só um retrato na parede

O ocaso do PSDB começou em um jantar. Em setembro de 2015, sem consultar Geraldo Alckmin, o ex-ministro José Gregori organizou em sua casa uma festa em apoio à candidatura de Andrea Matarazzo à prefeitura de São Paulo. Com o orgulho ferido, o então governador resolveu não ir ao evento e, dias depois, aceitou patrocinar João Doria para o cargo. Contrariando o tucanato paulista, Alckmin não queria que o aliado de seu então desafeto virasse prefeito — Matarazzo é amigo de José Serra, que nunca nutriu grande simpatia por Alckmin, no que sempre foi correspondido. O rompante de vaidade e a falta de coesão daquele instante ajudaram a desenhar o momento que o PSDB vive hoje — acéfalo, sem rumo, castigado nas urnas com uma derrota épica e irreversivelmente rachado entre os apoiadores de Doria, eleito governador de São Paulo, e as antigas lideranças da sigla.
Com um capital de 10,9 milhões de votos, Doria, agora aliado de Jair Bolsonaro, se prepara não só para parir uma nova dinastia na política paulista como também para comandar a legenda no âmbito nacional, hoje presidida por Alckmin. Mais do que uma briga de forças políticas, a definição das novas lideranças determinará como se dará o renascimento do partido — ou sua morte, a depender do ângulo de que se olhe. Dado que, como Doria, a maioria dos que conseguiram se manter no poder ou ascender está mais alinhada ao governo Bolsonaro, o governador eleito quer se valer desse capital para convocar uma convenção ex­traor­dinária que tire Alckmin da presidência e coloque em seu lugar o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), recém-fracassado na tentativa de virar senador e célebre na política por dois fatos: ter sido o autor do voto de número 342, que selou o impeachment de Dilma Rousseff, e ser o primeiro tucano graúdo a abandonar a campanha de Alckmin e apoiar Bolsonaro antes do primeiro turno — com direito a visitas ao bunker do candidato, na Barra da Tijuca.
A estratégia da turma ligada ao governador eleito é transformar o PSDB na principal legenda da base aliada de Bolsonaro. A bancada tucana, ainda que encolhida (perdeu 25 cadeiras em 2018), teria aparato técnico para relatar as reformas econômicas no Congresso, avaliam aliados de Doria. É um predicado que falta ao PSL e seus agregados, em sua maioria novatos sem experiência em gestão pública ou deputados que jamais tiveram protagonismo legislativo.
Ao perceber a movimentação de Doria, FHC usou o Twitter para condenar qualquer “adesismo oportunista”. Agora desempregado, Alckmin também usou as redes para se posicionar no partido, condenando os ataques de Bolsonaro à imprensa. “Começou mal. A defesa da liberdade ficou no discurso de ontem”, escreveu. Alckmin se reuniu com candidatos derrotados ao governo que integram a direção do partido com o objetivo de tentar garantir apoio da maioria do diretório nacional para se segurar no cargo até 2019. Nessa empreitada, tem o apoio do outrora desafeto José Serra, de Tasso Jereissati, Alberto Goldman e José Aníbal — os chamados “cabeças brancas”. Desses, apenas Serra e Tasso possuem hoje cargos eletivos. A intenção da turma é duplamente ambiciosa: impedir que Doria, mesmo dispondo do cargo mais importante no partido, consiga quórum para mudar a executiva e manter o comando e os principais cargos na legenda. Nessa hipótese, Alckmin passaria a presidência em maio a outro cabeça branca e assumiria um cargo no Instituto Teotônio Vilela, como prêmio de consolação. Se a estratégia der certo, a expansão de Doria será contida nas trincheiras do Sudeste por mais algum tempo. Se der errado, os tucanos históricos não descartam a possibilidade de deixar o partido e fundar um novo. História parecida ocorreu nos anos 80, quando nomes como FHC e Mário Covas deixaram o então PMDB para fundar o PSDB, rejeitando o fisiologismo da sigla comandada por Ulysses Guimarães. Agora, o PSDB, que nasceu sob a inspiração da social-democracia europeia, seria deixado no meio do caminho como linha auxiliar de um governo da direita radical.


Ana Clara Costa, Veja