Colaborador do programa de governo de Bolsonaro, o cientista político Paulo Kramer diz que o presidente eleito poderá ser a liderança política que vai liberalizar a economia brasileira
Como o senhor interpreta a eleição de Jair Bolsonaro?
Bolsonaro virou o estuário das expectativas nacionais para virar a página do lulopetismo. É óbvio que a maior crise econômica que o Brasil viveu, fruto da roubalheira e do desastre fiscal do lulopetismo no poder, teve um papel importante na fermentação desse descontentamento. Mas a questão econômica esteve praticamente ausente do debate eleitoral. O vetor que predominou nessa eleição foi a raiva. E colocou frente a frente petistas e antipetistas, lulistas e antilulistas.
Como responde a quem aponta os riscos de retrocesso para o autoritarismo com o novo governo?
Esse risco está hoje no espelho retrovisor. O Brasil correu esse risco durante os 13 anos e meio do lulopetismo no poder, cujo projeto era de eternização no poder, claramente presente em todos os documentos oficiais importantes do PT. Todas as facções do partido, à exceção da extinta Democracia Radical — comandada pelo José Genoino e que tinha como inspiração Norberto Bobbio (pensador italiano, socialista liberal) —, eram favoráveis à substituição de um regime de representação de uma pluralidade de interesses por um regime de cooptação, em que o dirigente político-partidário define quem participa ou não da política. Com Bolsonaro, não há riscos para a democracia, assim como não há risco de desfazimento do rumo liberal que a economia tomou a partir do impeachment de Dilma Rousseff.
Por quê? Muitos analistas colocam em dúvida a conversão ao liberalismo de Bolsonaro por ele ser um militar de carreira e por seu histórico de votações no Congresso Nacional, que mostrou um viés estatizante e protecionista.
Quando bate nessa tecla, a imprensa está algumas páginas atrasada em relação à evolução do pensamento de Bolsonaro — não só dele, mas também dos militares próximos a ele. A ida do Paulo Guedes para a equipe mostra que alguma mudança ocorreu na cabeça desse pessoal. Os generais estão convencidos de que a economia tem de tomar um rumo liberal há muito tempo. O peso das ideias e opiniões desses militares, como o general Augusto Heleno (escolhido por Bolsonaro para chefiar o Gabinete de Segurança Institucional), é muito importante, tanto quanto o peso do próprio Paulo Guedes. Eu também fui comuna e sempre discutia a diferença entre condições objetivas e condições subjetivas. A intensa tendência econômica por trás do impeachment da Dilma é um deslocamento do eixo da política econômica. O Brasil perdeu objetivamente as condições de ter uma economia levada pelo Estado, e isso propiciou um deslocamento para uma economia voltada ao mercado. A condição subjetiva é a tal da liderança política.
Bolsonaro, proveniente do Exército, uma das mais fortes corporações brasileiras, será a liderança política a implantar uma economia liberal de mercado num país com histórico fortemente estatista e corporativista?
A política é cheia dessas ironias. Essa visão no Exército a favor de um Estado grande e forte — influência do positivismo — foi superada. Se você conversa com os professores das escolas militares, nota uma evolução dos currículos e das bibliografias, com uma educação de muitíssima qualidade, muito superior à área de ciências humanas das universidades civis. O militar, de uma maneira geral, é um cumpridor mais escrupuloso
dos regulamentos. O patrimonialismo é o contrário: procura acochambrar os regulamentos de maneira a fazer prevalecer o interesse do governante do momento, de seus amigos, de sua família. O patrimonialismo brasileiro chegou a seus limites objetivos: morais, políticos, fiscais e econômicos. Espero que haja condições subjetivas para sua superação e para a implantação de um regime representativo no Brasil.
Como observador do dia a dia do Congresso, o senhor acredita que Bolsonaro será capaz de montar uma coalizão sem se apoiar em partidos?
Do ponto de vista da ciência política, será uma experiência interessante. As frentes mais atuantes, como as bancadas evangélica e ruralista, sempre tiveram um acesso privilegiado aos líderes dos partidos. Mas o que ainda vige nos regimentos é a lógica da verticalidade partidária na distribuição de presidências de comissões, de cargos nas mesas, e na atribuição de relatoria de matérias importantes — e não a da horizontalidade das frentes temáticas.
Como aprovar a reforma da Previdência sem recorrer à distribuição de cargos e de verbas por meio de emendas parlamentares?
A bancada que veio eleita na onda de Bolsonaro, na Câmara e no Senado, é mais conservadora, mas não necessariamente mais reformista e mais liberal. Como o poder de persuasão do presidente é muito grande nos primeiros momentos de uma nova Presidência, acredito que ele terá sucesso na passagem dessas reformas no Congresso. Até porque, se ele não fizer isso rapidamente, não vai fazer nunca mais.
A lua de mel vai ser curta então?
Bolsonaro precisa aproveitar a janela de oportunidade da imensa popularidade dele. O carisma é fugaz. Max Weber (sociólogo alemão) dizia que a democracia de massas modernas exige uma liderança carismático-plebiscitária. O líder no Executivo deve usar sua legitimidade e o apoio da opinião pública para pressionar o Congresso. Há duas forças inerciais contra isso: de um lado a classe política, do outro a burocracia. Se elas não tiverem uma liderança, a tendência dessas duas forças é trabalhar apenas pela própria sobrevivência. Então, Bolsonaro vai precisar ser esse líder carismático-plebiscitário que Max Weber dizia ser importante. E esse encanto dura pouco.
Quanto tempo?
Um ano, no máximo. As dificuldades já são enormes por causa das crises econômica, moral e política. Como as expectativas também são muito altas — e a expectativa muito alta tende a ser a véspera da desilusão —, o presidente e seu governo precisam agir muito rapidamente.
O senhor foi punido pela Universidade de Brasília (UnB) por frases supostamente racistas em salas de aula. Não teme que o Escola sem Partido gere uma caças às bruxas macarthista dentro das universidades?
Eu e outros colegas sofremos o diabo com o macarthismo da esquerda. A universidade pública brasileira é dominada pelo marxismo e por seus subprodutos mais recentes, como a ideologia de gênero e a ideologia racialista. Para quem é liberal como eu, isso é uma aberração. Por causa disso, fui covardemente atacado na academia brasileira. De minha parte, não existe ânimo revanchista. Eu só gostaria de ver revertido esse processo de desmoralização da universidade brasileira, levado a efeito pelos ideólogos do lulopetismo.
Como é que se faz um processo desse sem gerar novas perseguições?
Uma coisa muito alvissareira será a transferência das universidades federais para o Ministério da Ciência e Tecnologia. Acredito que serão introduzidos controles mais exigentes no que diz respeito à produtividade e à qualidade do trabalho acadêmico. Isso vai ajudar muito.
por Guilherme Evelin