terça-feira, 6 de novembro de 2018

"Envelhecer é uma conquista", por Ana Carla Abrão

O Brasil está envelhecendo. Em 2050, mais de 30% da população terá mais de 65 anos, num processo de envelhecimento acelerado e bem mais acentuado do que o dos nossos pares na América Latina ou no conjunto de países emergentes. Paralelamente, temos um sistema previdenciário injusto. Transferimos bilhões de reais, de forma continua, para as camadas mais ricas da população, que se aposentam cedo, e recebem valores que são, em média, muitas vezes superiores ao da grande maioria da população, que recebe apenas um salário mínimo de aposentadoria.
Se isso já não fosse suficiente para motivar uma reforma da Previdência, haja visto sermos o 3.º país mais desigual do mundo, ainda pressionamos todos os outros gastos com um déficit que, em 2017, consumiu R$ 268,8 bilhões. Outros R$ 192 bilhões serão consumidos até o final deste ano, só no Regime Geral. Na peça orçamentária de 2019, os gastos com Previdência superam em 3 vezes o total de gastos em educação, saúde e segurança juntos. Ou seja, temos um sistema previdenciário que reforça a desigualdade de renda e consome recursos que deveriam ser alocados de forma a garantir melhores condições de vida para toda a população, principalmente a menos favorecida.
Mas há quem não acredite nisso. Um relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência concluiu, de forma surpreendente, que o déficit é uma ficção contábil. Essa também é a opinião de economistas heterodoxos que fazem contas igualmente heterodoxas – e erradas. Outros acreditam que, apesar de ser um problema e mesmo consumindo hoje mais do que o governo gasta nos serviços públicos básicos, a reforma da Previdência não seria uma prioridade e a solução viria com a retomada do crescimento econômico.
Felizmente há, por outro lado, aqueles que estudam o assunto a sério. Alertam para a gravidade do problema, fazem conta e apresentam soluções concretas e estruturais. Esse é o caso da proposta de Reforma da Previdência que Paulo Tafner e Armínio Fraga nos ofereceram na última semana. As premissas basilares do trabalho são claras: equilíbrio e justiça.
A começar pela idade mínima, progressiva e igual para todos ao término do período de transição, a proposta Armínio -Tafner corrige os fatores que levam às injustiças inaceitáveis e aos privilégios injustificáveis do sistema atual. Ao final do período de transição, os 65 anos de idade mínima, aliados a outros aspectos da reforma, devem gerar impacto significativo de redução da desigualdade de renda. A expectativa é que o índice de Gini diminua em cerca de 16%, redução comparável à que tivemos nos últimos 20 anos, período a concentração de renda no Brasil declinou de forma significativa.
O impacto fiscal da proposta também é expressivo e supera em 58% a economia esperada pela reforma original apresentada pelo governo Temer. Reduz a trajetória da despesa previdenciária em 5 pontos porcentuais do PIB; reduz a despesa dos Regimes Próprios dos três entes federativos e faz a transição suave para um regime de capitalização.
Há vários outros aspectos relevantes na proposta. Desde à inclusão de Estados e municípios e do ajuste nos regimes especiais, a proposta institui ainda um benefício universal para os idosos e um tratamento particular para as mulheres que são mães. Ao igualar a idade mínima para homens e mulheres, propõe-se a garantia de um ano adicional de contribuição para as mulheres que têm filhos. Corrige-se assim a atual distorção vinculada a uma idade mínima inferior para mulheres – que desconsidera nossa expectativa de vida maior e reforça o conceito de dupla jornada, mas reconhece-se a importância de tratamento diferenciado para mulheres que são, ao mesmo tempo, trabalhadoras e mães.
Como afirma o texto de apresentação da proposta, “a mudança demográfica reflete mudanças culturais e avanços a comemorar. Todos estão vivendo mais.” Sim, nossa população está envelhecendo graças a conquistas sociais importantes que garantiram o aumento na expectativa de vida, em particular para os brasileiros que atingem 65 anos. Mas esses avanços precisam ser acompanhados de uma reforma que, como essa, garanta que juntamente com a conquista do envelhecimento, venha também a de uma maior justiça social.
*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

O Estado de S.Paulo