domingo, 1 de abril de 2018

Em nova fase como investidor, BNDES já admite vender participações em empresas como Vale e Petrobras


Eliane Lustosa, diretora do BNDES - Nilani Goettems / Agência O Globo

Danielle Nogueira, O Globo


Investimentos até pouco tempo considerados “estratégicos” para o BNDES estão perdendo relevância na nova política de mercado de capitais do banco de fomento. Sem alarde, a BNDESPar — braço de participações pelo qual o banco se torna sócio de empresas — vem vendendo ações de várias companhias, entre elas Petrobras e Vale, e já colocou na mira de seus desinvestimentos papéis da Eletrobras. As fatias dessas três companhias detidas pelo banco, até então usadas como instrumento para assegurar a ingerência do Estado nelas, passaram a ser tratadas apenas como parte da carteira do BNDES com boa perspectiva de lucro em caso de venda. Juntas, essas participações somavam R$ 39,5 bilhões ou 57% do total do portfólio da BNDESPar no fim de 2017.

Além de vender papéis dessas companhias, das quais ainda continua a ser acionista relevante, o BNDES reduziu as suas participações em grandes empresas como Braskem, Lojas Americanas e Oi nos últimos anos. Tem vendido mais do que comprado títulos, aumentando a participação da subsidiária no lucro do banco. Só no ano passado, foram R$ 6,6 bilhões em ações vendidas na Bolsa, quase cinco vezes mais do que em 2016.

O lance mais recente dessa mudança de postura do BNDES foi a venda de ações da gigante de celulose Fibria, da qual era um dos controladores, para a Suzano, da qual é sócio minoritário. O negócio fechado acima do valor de mercado da Fibria, anunciado no último 15 de março, renderá ao banco R$ 8,5 bilhões. Eliane Lustosa, diretora do BNDES que representou o banco nas negociações, diz que a operação é um exemplo do novo papel que vem sendo traçado para a subsidiária de participações há cerca de um ano e maio. O objetivo agora é apurar lucros com investimentos já maduros e reciclar a carteira para passar a apoiar o que chama de “campeões invisíveis”: pequenas empresas de base tecnológica cujo crescimento pode ser potencializado pelo banco de fomento.

— Algumas participações do banco eram consideradas “estratégicas”, que não deveriam ser objeto de avaliação de perspectiva de venda. Agora essa avaliação constante faz parte da BNDESPar. Não há participação que seja “imexível”. O fluxo é: investe, acompanha e desinveste — afirma Eliane Lustosa, que até a semana passada comandava a área de mercado de capitais do banco e agora assume a diretoria de planejamento e estratégia.

Segundo Eliane, empresas como Vale, Petrobras e Eletrobras já são maduras, não precisam mais serem fortalecidas pelo banco, e atuam em setores que não são prioritários para a instituição. A diretora enfatiza, porém, que a forma e o momento de o BNDES sair das empresas deve ser avaliado com cautela. Primeiro, porque são participações relevantes, que podem mexer com o preço dos papeis se vendidas de uma só vez. Em segundo lugar, porque o desinvestimento tem que dar lucro para o banco. Para isso, a BNDESPar poderá, a partir deste ano, contratar bancos para auxiliá-la nesse processo, além de contar com um comitê formal interno de avaliação. Até agora, não havia critérios claros na política de mercado de capitais do banco para a seleção de um consultor financeiro, como é comum acontecer no setor privado.

ÁREAS FORAM UNIFICADAS

Há até pouco tempo, uma área na BNDESPar cuidava só das empresas líquidas — aquelas cujas ações podem ser compradas e vendidas com facilidade e nas quais estavam os investimentos considerados estratégicos — e outra ficava com capital empreendedor.

Agora, as duas foram unificadas e os técnicos avaliam constantemente a possibilidade de saída das companhias. Ao mesmo tempo, planejam formas de intensificar o apoio aos negócios com potencial ainda não desenvolvido. A ideia é priorizar iniciativas que o banco já tem nessa área, como os fundos Criatec, que investem em negócios inovadores.

As mudanças ocorrem, em parte, como resposta à maior vigilância dos órgãos de controle, como o TCU, que passaram a cobrar do BNDES justificativas de investimentos feitos no passado para formar “campeões nacionais”, como ficou conhecida a política de fomento a multinacionais brasileiras nos governos Lula e Dilma. O caso mais controverso é o da JBS.

As mudanças ocorrem, em parte, como resposta à maior vigilância dos órgãos de controle, como o TCU, que passaram a cobrar do BNDES justificativas de investimentos feitos no passado para formar “campeões nacionais”, como ficou conhecida a política de fomento a multinacionais brasileiras nos governos Lula e Dilma. O caso mais controverso é o da JBS.

Daqui para frente, com a nova política de mercado de capitais do BNDES, a tendência é que os investimentos da BNDESpar minguem em volume e cresçam em número de operações, com foco nas áreas de infraestrutura, micro e pequenas empresas e inovação. 

Se a nova estratégia for seguida à risca, analistas avaliam que o tamanho da carteira da BNDESPar possa cair drasticamente, para algo em torno de R$ 5 bilhões nos próximos anos. Em 2017, alcançou R$ 68 bilhões. Ainda fazem parte desse portfólio participações em gigantes como Embraer, Marfrig, JBS e Klabin.

— Grandes empresas têm acesso ao mercado de capitais. Não precisam do BNDES. Recursos públicos devem ser alocados em outros projetos, especialmente pequenas empresas, com mais dificuldade de crédito. Essa mudança por que vem passando a BNDESPar também vem acontecendo com os fundos de pensão, que igualmente passaram a ser mais questionados pelos órgãos de controle, dado o histórico de interferências políticas — diz Sergio Lazzarini, professor do Insper e autor do livro “Capitalismo de laços”.

Ernani Torres Filho, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-superintendente do BNDES, diz que investimentos em empresas como Vale e Petrobras nunca tiveram caráter estratégico para o banco e, sim, para o governo. Ele concorda com a política de desinvestimento da BNDESPar, mas levanta a questão sobre onde será aplicada a montanha de recursos que poderá ser obtida com a venda das ações.

— O banco sempre foi um instrumento de governo para interferir nas empresas consideradas estratégicas. Sou favorável à saída dos investimentos quando estes estiverem maduros e à pulverização, mas vender por vender não quer dizer nada. Pegar esse dinheiro e devolver para o Tesouro é matar o BNDES.

Na avaliação de Claudio Frishtak, da consultoria Inter.B, é justamente o que o BNDES deveria fazer. Para ele, os grandes aportes feitos a partir de injeções do Tesouro Nacional no banco foram parte de uma “uma política indefensável” na gestão de Luciano Coutinho, nos governos Lula e Dilma. A União emprestou mais de R$ 400 bilhões ao BNDES para reforçar a oferta de crédito para as empresas após a crise financeira mundial de 2008. 

Desde 2015, o banco vem antecipando a devolução desse dinheiro ao Tesouro. Este ano a previsão é que sejam devolvidos R$ 130 bilhões ao Tesouro.

Os especialistas são unânimes na defesa do uso da BNDESpar no fomento à inovação. 

Nesta área, o principal instrumento do banco são os fundos Criatec, voltados para apoio a start-ups. Lançado em 2007, o programa está na terceira edição. Segundo Ronaldo Coelho, sócio da Traixis, que é cogestora do Criatec 2 ao lado na Bozano Investimentos, os fundos têm duração de dez anos. Nas três edições foram disponibilizados R$ 488 milhões — do BNDES e de outros parceiros — para investimentos em projetos de inovação. Até agora, 70 empresas receberam recursos, mas tanto o Criatec 2 como o Criatec 3 ainda não finalizaram a seleção de projetos.

Entre os candidatos contemplados estão a carioca Confiance, fabricante de equipamentos para cirurgias pouco invasivas, e a paulista Vindi, que faz gestão de pagamentos. São esses os campeões invisíveis que o banco quer fomentar. . Das 15 empresas do Bovespa Mais, segmento de listagem da Bolsa voltado para pequenas empresas que querem acessar o mercado de capitais de forma gradual, 11 foram incentivadas pelo BNDES.

Além do Criatec, está em curso no BNDES a formatação de três fundos — um de energia sustentável, um de venture debt e um de coinvestimento "anjo" — que visam ao apoio a micro e pequenas empresas ligadas à inovação e meio ambiente. Juntos, eles somam R$ 390 milhões. Perguntada por que o banco não direciona mais investimentos para esse tipo de iniciativa, Eliane Lustosa disse que há risco de aprovar projetos caros ou que não são bem estruturados, caso o BNDES inunde o segmento com dinheiro. O que importa, diz, é que a BNDESPar está assumindo um novo perfil.

— O volume do cheque na entrada, agora, será bem menor — afirma Eliane.