sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

"Sinais de convergência", por José Paulo Kupfer

O Globo

Erros do governo na economia, sobretudo na área fiscal, abrem espaço para que surjam convergências inesperadas sobre a correção dos rumos



Programas de governo não ganham eleição, nem muito menos são garantia de que o vencedor colocará em prática o que apregoou na campanha. Estelionato eleitoral é o que não falta na história política brasileira. Por isso mesmo, ninguém dá muita bola para os programas, apesar de serem exigidos pela legislação para registro de candidaturas. A combinação de exigência legal com irrelevância prática resulta em textos excessivamente genéricos e largamente ficcionais.

Uma anedota que circulou logo depois do anúncio de uma nova desistência do apresentador Luciano Huck em concorrer à Presidência dá bem o tom do desprestígio dos programas eleitorais de governo entre nós: a saída de Huck da disputa teria levado embora o único candidato com programa (no caso, programa de televisão). A sério, o problema — porque é um problema a pouca importância conferida às plataformas eleitorais — ficou mais uma vez evidente com a completa ausência no noticiário do programa eleitoral mínimo comum, lançado nesta terça-feira, por fundações de partidos do campo da centro-esquerda e esquerda.

Plataformas político-eleitorais, de qualquer maneira, não deixam de ser elementos relevantes na determinação das intenções e objetivos dos candidatos. Há casos em que o conteúdo dos programas foge um pouco das banalidades e obviedades costumeiras. A “Carta aos Brasileiros”, de Lula e do PT, em 2002, assim como a “Ponte para o Futuro”, de Michel Temer e do então PMDB, em 2015, são casos de programas que desempenharam papel menos burocrático nos respectivos processos políticos.

Ainda que sobreviva um ambiente de indefinição e fragmentação de candidaturas, é possível observar sinais de que os postulantes de 2018 poderão, desta vez, serem mais objetivos. O afunilamento da discussão econômica, por exemplo, com clara ênfase na necessidade preliminar a todas as outras de equacionar os desequilíbrios fiscais, pode produzir, diferentemente do que tem sido o normal histórico, alguma forma de convergência entre os candidatos.

Em que pesem divergências agudas, sobretudo sobre o tamanho e o protagonismo do Estado na economia, já é possível localizar sintonias inesperadas entre propostas de ajuste fiscal, num amplo espectro que abarca da direita liberal à esquerda parlamentar. 

Convergem nesse ponto, por exemplo, pontos defendidos pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, referência na formulação de ideias entre os tucanos e outras siglas afinadas, e iniciativas prescritas no documento “Unidade para reconstruir o Brasil”, tentativa de formular um programa mínimo comum das esquerdas, assinado pelos presidentes das fundações ligadas ao PT, PDT, PSOL, PSB e PCdoB, embora ainda não referendado pelas direções partidárias (íntegra em http://bit.ly/2olGa4D).

Enquanto Arminio, em entrevista publicada nesta segunda-feira, no “Valor”, destaca que “o país precisará, no próximo governo, de uma ampla reforma tributária”, com mudanças no Imposto de Renda, objetivando tributar a renda de serviços e os mais ricos (“rico, no Brasil, não paga imposto”, afirmou ele), o documento das fundações ressalta “a urgência de se efetivar a reforma tributária progressiva, que tribute mais os detentores de fortunas, as riquezas e rendas elevadas”. São comuns também as propostas de promover desoneração fiscal gradual da produção e do consumo.

A tendência é a de que esses pontos de convergência ganhem nitidez à medida em que for ficando mais clara a necessidade de refazer as bases da política fiscal promovida pela equipe econômica do governo Temer. O dream team da Fazenda, vê-se agora, com a suspensão — para não dizer abandono — da reforma da Previdência até a eleição do novo presidente, colocou o carro adiante dos bois.

Ao inverter a lógica natural — primeiro fixou um teto de gastos para só depois se ocupar dos próprios gastos —, calculou mal as manhas da política e errou feio. Tão feio que não deixou muitas dúvidas sobre a impossibilidade de cumprir metas e regras ao longo do tempo. Assim, como males que vêm para o bem, tornou evidente a necessidade de refazer a trilha, qualquer que venha a ser o eleito, e deixou menos espaço para divergências quanto ao melhor roteiro corretivo.

José Paulo Kupfer é jornalista