segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Miami revitaliza rio decadente e atrai investimento imobiliário

Folha de São Paulo

Em seu percurso tortuoso pelo centro da cidade, o rio Miami foi caracterizado por anos pela imundície, pelos pequenos estaleiros, pelas lojas de artigos para pesca e pelas marinas baratas com atracadouros apodrecidos.
Quando embarcações decrépitas afundavam, costumavam ser deixadas onde estavam, com portes de cascos visíveis nas águas oleosas.
Na década de 1980, quando o tráfico de drogas na cidade era intenso, traficantes contrabandeavam em lanchas e guardavam o produto em armazéns à beira do rio.
Mas agora o rio está ecoando o desenvolvimento imobiliário fervilhante do bairro de Brickell, da região costeira de Miami e das ilhas de barreira que protegem Miami Beach. Há fortunas investidas em condomínios extravagantes, restaurantes de primeira classe e outras construções nas cercanias.
O rio Miami vive um período quente, disse Alicia Lamadrid, corretora cuja imobiliária está encarregada das vendas das unidades de um condomínio de 66 andares em construção perto da foz do rio. Quando o terreno foi colocado à venda, causou guerra de ofertas, e uma incorporadora argentina adquiriu o lote por US$ 125 milhões, recorde para o sul da Flórida.
As unidades mais caras do condomínio -- a primeira incursão da fabricante de carros de luxo Aston Martin no mercado de imóveis -- custarão US$ 50 milhões.
Outros projetos semelhante estão em construção, entre os quais um estádio de futebol de 25 mil lugares ao norte do rio.

TERRA DE NINGUÉM

Horacio Aguirre, presidente da Comissão do Rio Miami, disse que a reputação do rio como terra de ninguém dificultava a atração de empresários do setor imobiliário porque Miami Beach e outras áreas de praia tinham atrativos mais convincentes.
As autoridades da Flórida criaram a comissão em 1998 para melhorar a condição do rio. Em 2004, operários iniciaram uma operação de dragagem que durou quatro anos, aprofundou o rio em um metro e custou US$ 89 milhões, custo dividido entre as autoridades federais, estaduais e municipais. Quando o trabalho foi feito, os incorporadores imobiliários que começavam a encontrar escassez de terrenos no sul da Flórida decidiram reconsiderar o rio Miami.

RECESSÃO 

Muitas das construções ficaram paradas durante a recessão. Agora não existem mais obstáculos, e há diversos projetos planejados, em construção ou já concluídos.
Logo além da margem sul do rio, o Brickell City Center -- imenso complexo de US$ 1 bilhão que inclui um shopping center, escritórios, apartamentos de luxo e um hotel -- foi inaugurado em novembro de 2016 e inspirou projetos nas imediações.
Do outro lado do rio, Shahab Karmely, empresário imobiliário de Nova York, viu um grande terreno baldio, no passado um estaleiro, quando estava estudando a área, em 2013. O resultado será o One River Point, um condomínio com duas torres e 60 andares, que serão encimadas por villas celestes de 1.250 metros quadrados no topo de cada uma, ao preço de US$ 30 milhões.
Karmely, sócio diretor da KAR Properties, disse ter visto desenvolvimento semelhante ao longo dos rios de Londres, Frankfurt e outras cidades e que se arrependeu de não ter investido. Não aproveitei a oportunidade, afirmou, em um passeio de lancha pelo rio Miami.
Mas disse ao meu sócio que esse era um território inexplorado e que não há como errar, apostando em um rio. Estava dilapidado, mas o potencial era imenso.
Paul George, professor de história no Miami Dade College e autor de Along the Miami River, que fala da história do rio desde que os indígenas da tribo Tequesta receberam soldados espanhóis com uma festa na margem em 1568, se surpreende com o desenvolvimento.
Essa foi uma área que passou mais de 50 anos completamente estagnada, disse George. Nada acontecia aqui, por décadas, mas agora as pessoas começaram a se interessar pelo rio.

IGUARIAS

É o charme do rio, que é único, disse Roman Jones, que ganhou fama como empresário da vida noturna em Miami Beach e abriu o Kiki on the River, um restaurante elegante, com um toque grego, em abril.
Diante do restaurante, em North River Drive, um par de Lamborghinis e uma Ferrari aguardavam seus proprietários, uma tarde dessas um panorama que seria impensável na área poucos anos atrás. Do lado de dentro, os pratos de que os fregueses desfrutavam incluíam iguarias como o Seafood Towers, que combina caranguejos do Alasca, lagostas do Maine, camarões gigantes, ostras e moluscos neozelandeses, ao preço de US$ 229 (R$ 737).
No Kiki on the River e no Seaspice, restaurante igualmente elegante logo ao lado, os donos de iates podem atracar seus barcos diante das mesas ao ar livre e desembarcar para drinques e refeições, em mesas protegidas por grandes guarda-sóis coloridos.
Do outro lado da rua, diante do Kiki, o dono de uma oficina e loja de suprimentos para barcos, e bar à beira-rio, disse que era o último sobrevivente de uma categoria desaparecida. Sou a última loja de artigos para pesca que resta no rio Miami, disse Pedro Gándara, 60, em espanhol, contando que sua loja ficava no terreno hoje ocupado pelo Kiki, antes de ele ser forçado a trocar o espaço por instalações muito menores.
Logo, esta loja deixará de existir. É o último lugar no rio para pessoas humildes como eu, disse Gándara, mecânico de barcos que veio de Cuba para Miami em 1987.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
THE NEW YORK TIMES