segunda-feira, 31 de outubro de 2022

'A resistência', por Cristyan Costa

O ladrão e ex-condenado Loola - Foto: Montagem Revista Oeste/Agência Brasil/Shutterstock



Bancada liberal-conservadora eleita por Bolsonaro no Congresso pode ser um freio para os desmandos do PT


Depois da derrota do presidente Jair Bolsonaro, ainda resta esperança para os brasileiros que acreditam num país melhor. Neste ano, pela primeira vez na história, o Congresso Nacional terá uma bancada conservadora-liberal que parece bastante sólida. Nos próximos quatro anos, Lula será obrigado a lidar com algo que não havia em seus dois primeiros mandatos: uma oposição real.

Ainda que o petista consiga cooptar integrantes do centrão, o Parlamento tem novos membros que dificilmente dobrarão a espinha. Entre eles estarão nomes como os senadores eleitos Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Sergio Moro (União Brasil-PR) e Tereza Cristina (PP-MS) e os deputados federais Deltan Dallagnol (União Brasil-PR), Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel van Hatten (Novo-RS), que, logo depois do primeiro turno das eleições, declararam oposição ferrenha a Lula.

O cientista político Antônio Testa prevê dificuldades para Lula nos primeiros meses do governo. “Bolsonaro conseguiu uma bancada hegemônica conservadora forte”, constatou. Segundo o especialista, Lula será visto com certa desconfiança no início, sobretudo pelos parlamentares mais fiéis ao governo, que podem articular-se para atrapalhar o PT.

Pronunciamento de Lula, pós-vitória | Foto: Reprodução


Propostas de Lula

Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu desfazer uma série de conquistas obtidas pelos brasileiros, desde o governo Michel Temer. A primeira delas será acabar com o teto de gastos, que, segundo o petista, representa “os interesses do setor financeiro”. O PT sustenta que o dispositivo “congelou” gastos. Portanto, para viabilizar os “programas sociais”, será necessário dispensar o mecanismo. O teto impede que o Estado gaste mais do que arrecada.

Outra proposta de Lula é “atualizar” a reforma trabalhista. O ex-presidente mudou o discurso, depois de meses ameaçando revogá-la. “A gente não quer voltar ao que era no passado, porque a legislação trabalhista era de 1943”, disse Lula. “O movimento sindical quer se adequar. A gente quer se atualizar. O pessoal que trabalha com aplicativo. Tem que ter uma regulação, jornada de trabalho, descanso semanal remunerado. Algum direito, porque inventaram que eles são empreendedores, mas eles não são.”

Na campanha, o petista atacou Lira publicamente, ao referir-se ao presidente da Câmara como “submisso” e representante do “pior Congresso Nacional da história”

Outra medida que pode voltar com mais força é a regulamentação da imprensa, que começou a se desenhar em 2010, no segundo mandato de Lula. O texto, contudo, foi sepultado pela sucessora do petista, Dilma Rousseff, após várias manifestações em prol da liberdade de expressão. Antes de a campanha começar efetivamente, o ex-presidente ressaltou a necessidade de regular o setor, visto que “poucas famílias” detêm o controle da mídia. Portanto, é importante que os veículos sejam “democratizados”.

Essas são apenas algumas das investidas que estão por vir. Isso porque, até o momento, não se sabe o que o petista vai propor para “fazer o Brasil ser feliz de novo”. O partido não divulgou o restante do seu plano de governo, tampouco os nomes dos futuros ministros, que permaneceram sob sigilo ao longo da disputa pelo Palácio do Planalto, nos dois turnos.

Trincheira contra retrocessos

A maioria das bandeiras de Lula precisam do aval dos congressistas. Mesmo com os milhões de votos do petista no primeiro turno, sua tropa de choque no Parlamento não será suficiente para garantir-lhe a governabilidade e cumprir todas as promessas a partir de 2023. A cobiça do PT pela Presidência foi tamanha que a campanha não direcionou tantos esforços para crescer no Congresso, o que deixou a legenda relativamente vulnerável nessa área.

Desgastadas por escândalos de corrupção e ameaças de retrocessos de cunho socialista, as siglas de esquerda precisaram unir-se em uma “federação partidária”, — inovação criada neste ano para conseguir ultrapassar a cláusula de barreira. Na prática, aceitaram concorrer em conjunto com o compromisso de que permanecerão unidas até 2026. PT, PCdoB e PV elegeram 80 deputados. PCdoB e PV, sozinhos, com seis eleitos, não superariam a cláusula.

O Partido Liberal (PL), do presidente Bolsonaro, é o que tem a maior capacidade de montar uma trincheira contra as ofensivas da esquerda até 2026. No primeiro turno, a sigla elegeu 99 deputados, a maior bancada da Câmara — performance só registrada no passado pelo extinto PFL, na década de 1990. No Senado, terá 13 cadeiras, também a maior bancada. Tudo isso sem a famigerada “federação” que deu sobrevida aos partidos de viés socialista.

Na Câmara, juntam-se ao PL outras legendas conservadoras, como o PP (47 deputados e 7 senadores) e o Republicanos (41 e 3). Se somadas as cadeiras de partidos que hoje formam o chamado “centrão”, como o União Brasil, o PSD, siglas nanicas e parte do MDB e do PSDB, desenha-se uma massa capaz de aprovar emendas à Constituição — que exigem quórum qualificado (três quintos dos deputados, o equivalente a 308 votos) —, abrir CPIs, comandar as principais comissões temáticas, como Comissão de Constituição e Justiça, e impedir retrocessos.

Os números ainda credenciam a bancada liberal-conservadora a comandar o Congresso Nacional no ano que vem. Os congressistas eleitos na esteira do bolsonarismo dão sinais de que o presidente da Câmara e ainda aliado do Planalto, Arthur Lira (PP-AL), continuará dando as cartas na Casa, dificultando a possibilidade de a esquerda controlá-la e evitar qualquer possibilidade de impeachment contra Lula. Na campanha, o petista atacou Lira publicamente, ao referir-se ao presidente da Câmara como “submisso” e representante do “pior Congresso Nacional da história”.

A mesma vantagem de Lira não se aplica ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com a força de Bolsonaro, a cadeira de Pacheco está ameaçada, a partir de fevereiro de 2023, quando a Casa se reúne para definir seu novo comandante. As senadoras eleitas Damares Alves (Republicanos-DF) e Tereza Cristina (PL-MS), aliadas de primeira ordem do presidente, já manifestaram interesse em dirigir a Casa, o que pode facilitar a abertura de impeachment contra ministros do STF, freando o ativismo judicial do Supremo e obrigando-o a agir dentro das quatro linhas da Constituição.

O cientista político Marcelo Suano afirma que a tendência é Lula negociar com partidos mais fisiológicos, como os do centrão, que sempre participaram de todos os governos pós-democratização. “Há um contingente disponível para negociar”, disse o especialista, ao referir-se a parlamentares que não são fieis a um candidato. “Não desconsideraria que esse contingente negocie com Lula.”

Se mantiver a espinha ereta, os parlamentares que se elegeram à custa de Bolsonaro podem honrar o legado do presidente, mantendo os avanços obtidos por ele durante o primeiro mandato. Na economia, além dos resultados positivos, o presidente vai deixar como herança a reforma da Previdência, a Lei da Liberdade Econômica e a redução dos preços dos combustíveis. No Congresso Nacional, Bolsonaro, apesar de deixar a Presidência, conseguiu consolidar-se como a maior força política do país.

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Cristyan Costa, Revista Oeste