sexta-feira, 22 de abril de 2022

'Autoritarismo ou liberdade', por Ubiratan Jorge Iorio

 

Foto: Shutterstock



É um erro subestimar esse combate, pois o que está em jogo é um conjunto de prerrogativas muito caras ao Ocidente


Está em curso uma verdadeira guerra, talvez a mais perigosa de todos os tempos, mas que parece ainda não ter sido devidamente identificada por muita gente, porque está sendo travada veladamente. Trata-se do duelo — ou, como está na moda dizer, da “polarização” — entre os globalistas, defensores de um governo mundial centralizado, em que os conceitos de nação, liberdade e propriedade são relativizados sob o pretexto, sempre sedutor, da promoção do bem da humanidade, e os soberanistas, contrários a essa visão, que sustentam a importância da preservação da autonomia de cada nação e dos direitos naturais.

É um erro subestimar essa refrega, pois o que está em jogo é um conjunto de prerrogativas muito caras ao Ocidente, especialmente à vida, à liberdade, à propriedade e à autonomia dos indivíduos perante o Estado. Desnudar esse grande conflito, portanto, é uma atitude de legítima defesa contra a monumental investida de uma turma que se acha dona do mundo, está convencida de que pode guiar as nossas vidas e já vem tentando fazer isso.

Globalização e globalismo são fenômenos distintos, mas que costumam ser confundidos. Enquanto a primeira é um processo salutar, cuja essência é a integração econômica entre os países, o segundo encerra um âmago essencialmente político e um autoritarismo inaceitável, que tem o objetivo de controlar as relações entre indivíduos e empresas, mediante manejos e comandos centralizados em pouquíssimas mãos.

A substância do globalismo é a centralização mundial das decisões em praticamente todas as questões: climáticas, culturais, comportamentais, religiosas, econômicas, sociais e políticas, tais como a pandemia e suas vacinas experimentais, a histeria do desmatamento e das mudanças climáticas, as distorções sobre certos direitos de minorias, a tentativa de caracterizar o aborto como questão de saúde pública, as hipocrisias progressistas do racismo estrutural, do feminismo, da misoginia, da homofobia e da transfobia e a grande fantasia da eliminação das “desigualdades”, inclusive as naturais.

Para os globalistas, a maneira correta de lidar com esses e outros problemas é entregar suas soluções a uma burocracia supranacional, bancada por bilionários supostamente humanistas, com poderes para impor legislações sobre costumes e políticas econômicas uniformes sobre os 8 bilhões de indivíduos que vivem no planeta. Em síntese, é a velha e carcomida utopia com uma pintura de segunda mão — a Nova Ordem Mundial (NOM).

Para compreender a quimera globalista, precisamos olhar para alguns pontos. Primeiro, para o Fórum Econômico Mundial, formado por um pequeno grupo com forte influência política e enorme capacidade financeira, que acredita poder mandar e desmandar no mundo mediante a implantação unilateral da Agenda 2030; segundo, para as organizações internacionais que manipulam, como ONU, OMS, OCDE, OIT, FMI, Otan, Unicef e tantas outras, que cada vez mais se parecem com enormes ONGs progressistas; terceiro, para milhares de organizações privadas, incluindo universidades, institutos e o meio artístico; quarto, para os partidos de esquerda espalhados pelos continentes; quinto, para vários governos de peso, como o dos Estados Unidos de Biden, o da União Europeia, o do Canadá e o da Austrália; por fim, para a imprensa de todo o planeta, comprada a peso de ouro, com poucas exceções. É um conjunto bastante amplo e organizado — embora seus líderes o neguem, impedindo sua transparência — que lhes permite brincar de donos do mundo e meter seus narizes em nossas vidas e na política interna de quase todas as nações.

Autoritarismo do bem

Pretendem esses “autoritários do bem”, com discursos politicamente corretos e exalando o perfume sedutor das boas intenções, provocar o Grande Reset e assim instituir a NOM, uma espécie de governo terrestre. Um troço híbrido, um cacareco disforme que combine o tipo falsificado de capitalismo que lhes convém com o controle político absoluto, mediante o domínio das grandes redes do ciberespaço, cuja tecnologia lhes facilita controlar os indivíduos mais acuradamente do que faziam os regimes totalitários do passado.

É uma grande ingenuidade acreditar que se trata de uma teoria conspiratória e que o comunismo acabou no início dos 90, porque ele apenas deu lugar ao neocomunismo ou neototalitarismo. O aviso importante é que essa joça ditatorial é um perigo para todos nós, pela concentração inédita de poder e dinheiro em mãos de uma elite silenciosa, que já controla indiretamente os rumos de quase todas as nações.

Você ficará feliz sabendo que vamos incutir a ideologia de gênero na cabeça dos seus filhos

neocomunismo é apenas a repetição da mesma fraude, sempre propagando o ódio dialético entre categorias: o grande inimigo da humanidade deixou de ser o malvado patrão capitalista, agora é o eurodescendente, o homem e a mulher heterossexuais, os que comem carne, o conservador que vai à missa, o negro e o homossexual de direita, a classe média com duas televisões em casa, quem venceu por mérito e esforço, o insensível que reage a assaltos e outros fantasmas que superlotam a cabeça dos doutrinadores, aceitos bovinamente por milhões de doutrinados incapazes de pensar.

Você será feliz

As previsões para 2030 do Fórum Econômico Mundial são assustadoras: “Você não será dono de nada, e você será feliz; o que você quiser, alugará e será entregue por drone”. Que pretensão descomunal e que autoritarismo monstruoso é querer impor ao mundo inteiro o seu conceito particular de felicidade. Mas não ficam apenas nisso os que se julgam donos de todos: “Nós seremos os proprietários de tudo (até mesmo de seus corpos e dos corpos dos seus filhos)”. E mais: “Você comerá muito menos carne”.

A arrogância desses psicopatas é inacreditável. Você será feliz porque nós estamos dizendo isso — e ponto final, aceite e não discuta. Você e seus filhos, mesmo antes de nascerem, serão nossos; você não precisará mais adorar o Deus de Israel e dos cristãos, mas a “mãe terra”; você só vai poder se expressar no nosso dialeto politicamente correto; você ficará feliz sabendo que vamos incutir a ideologia de gênero na cabeça dos seus filhos; você odiará os brancos, heterossexuais — e também os negros e homossexuais que não concordarem com os nossos padrões; e você só vai se alimentar de capim, porque apenas nós vamos comer carne; mas, fique tranquilo, tudo isso é pelo bem do planeta.

A pandemia mostrou o poder dessa gente e o perigo que representa. Alguns analistas ingênuos afirmam que a peste veio a calhar, como um maná caído do alto; outros — mais desconfiados — a tratam diretamente como um meio fabricado em laboratórios, visando a fins totalitários. O que se viu ao longo da pandemia? Pode-se negar a transferência de dinheiro, de trabalhadores e pequenos e médios empresários para os novos donos do planeta? E também a cooptação e a instrumentalização da esquerda mundial por essa gente que detém as maiores fortunas do mundo? E a pantomima de políticos, aqui e alhures, soltando suas frangas totalitárias, prendendo pessoas em casa, na praça e até na praia, fechando lojas e fábricas, impondo focinheiras, picadas e passaportes com truculência, mas em nome da “ciência”, com a cumplicidade de Cortes supostamente constitucionais?

Valores ocidentais

A utopia globalista é um meio para alcançar os objetivos totalitários de dois grupos: o primeiro é o de bilionários interessados, por simples ganância de mais riqueza e poder, em determinar como devemos nos comportar, o que podemos e o que não podemos comer, falar e fazer; o segundo é o movimento neocomunista internacional, que se locupleta em dose dupla, ideologicamente e materialmente. O globalismo, portanto, é uma ideologia que faz uso de uma equipagem burocrática monumental, de âmbito global, centralizador e nada transparente, para controlar, impor, gerir e conduzir os destinos do planeta para atender a um projeto de poder.

E os que chamamos genericamente de soberanistas, quem são? Trata-se de um conjunto heterogêneo, formado por defensores da liberdade econômica, por conservadores, pelos que se preocupam com a deterioração dos valores, usos e costumes do Ocidente imposta pelos globalistas, por governos que se recusam a ceder às imposições e, também, embora com motivações diferentes, por Putin, que, por sinal, está mais preocupado em defender o seu território do que em lutar por liberdade e valores ocidentais. Quanto à China, pode-se dizer que faz jogo duplo e que está de olho em tudo, tendo em vista que seu objetivo é também implantar uma nova ordem, desde que seja chinesa — ou melhor, a do Partido Comunista.

De modo geral, os soberanistas enfatizam a importância das instituições nacionais e do Estado nação. Não se trata de apego extemporâneo ao velho nacionalismo ingênuo e xenófobo, aquele “sarampo da humanidade” ao qual se referiu Einstein há mais de cem anos, mas simplesmente de opor-se e resistir a um novo e perverso conceito de sociedade, formada por indivíduos quase que perfeitamente homogêneos, por bonequinhos manipulados para serem servos obedientes de um Estado planetário e para se afastarem dos princípios, dos valores e das instituições que se desenvolveram secularmente, como ordens espontâneas e de maneira natural.

Clube dos bilionários

Ser soberanista, nessas circunstâncias, é insistir na primazia da vontade própria e do direito de viver conforme cada indivíduo julgar mais apropriado, obviamente respeitando as leis que resguardam os direitos de terceiros, mas com liberdade para decidir o que é melhor para si e sua família e escolher o que deseja comprar, vender, emprestar, ler, assistir, pensar, comer, trajar e beber, mandando às favas o que os GatesZuckerbergsSorosLehmannsScholzTrudeaus e Macrons da vida, assim como as ONUSOMS e Otans querem ditatorialmente lhe impor.

É preciso ter em mente que tanto a pandemia como a questão delicada da Ucrânia são manifestações desse avanço dos globalistas. Tendo o patético Biden e a União Europeia à frente e o clube dos bilionários na retaguarda e sentindo que o fim da pandemia iria impedir que o seu projeto totalitário se concretizasse, os modernos engenheiros sociais partiram para outra frente, ameaçando fazer a Otan cercar a caverna do urso.

Então a fera — Putin, um soberanista arraigado — respondeu com bombardeios, algo que era perfeitamente previsível e, portanto, provavelmente desejado pelos globalistas; estes, além de municiarem e armarem o também patético presidente ucraniano que lhes serve de capacho, passaram a impor sucessivas sanções contra a Rússia, que não produziram o efeito desejado. Às vidas ceifadas pela pandemia, atribuídas aos “negacionistas de extrema direita” (entre eles o presidente do Brasil), somam-se agora as de ucranianos inocentes, lançadas na conta de Putin, quando o maior inimigo da humanidade — a verdadeira causa — é o projeto totalitário dos globalistas.

O governo brasileiro, pelo seu empenho indiscutível em defender a liberdade, a economia de mercado, os princípios morais genuinamente ocidentais e a soberania do país, vem sendo uma enorme pedra no sapato dos globalistas. Não parece exagerado dizer que o nosso país, desde que a administração dos Estados Unidos passou às mãos de pessoas extremamente incompetentes e mal-intencionadas, atualmente, depois da Rússia e da China (embora por motivos diferentes), tem sido o maior obstáculo ao projeto da NOM. Isso explica a histeria mundial, tanto por parte dos gregos entrincheirados nas big techs, nos organismos internacionais e nos governos de esquerda, como da parte dos troianos tupiniquins alojados no cavalo “progressista” — com e sem mandatos legislativos ou togas —, em influir nas eleições brasileiras deste ano.

Não podemos aceitar que nos roubem a liberdade, e é isso que está em jogo, no Brasil e no mundo. A História nos ensina exaustivamente que, uma vez perdida, para recuperá-la depois é sempre muito difícil.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, professor e escritor. Instagram: @ubiratanjorgeiorio


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