sexta-feira, 29 de abril de 2022

'Democracia, riscos e liberdade', Salim Mattar

 

Foto: Shutterstock

Não podemos aceitar que homens de toga se comportem como os únicos guardiões da democracia e da verdade, julgando, a seu bel-prazer, o que pode ser ou não ser dito


A democracia somente corre riscos quando o país é governado por homens. Uma verdadeira nação, democrática e republicana, deveria ser governada por leis. A democracia corre os mais sérios riscos quando os homens começam a “interpretar” as leis e cercear as liberdades. Interpretações que criam impunidade e privilégios não são legítimas, e, portanto, incompatíveis com o Estado de Direito. Democracias correm riscos principalmente quando o Judiciário extrapola seus limites e desrespeita o Estado de Direito.

Está cansativo presenciar tanta desarmonia e atos pontuais por parte dos Três Poderes, que têm como consequência trazido indignação ao povo e com impactos diretos, devido à insegurança jurídica, na economia do país, no momento com tantos desempregados e desalentados. Os Três Poderes são constituídos de servidores públicos que deveriam servir ao povo, mas, infelizmente, salvo exceções, presenciamos prioridades nas disputas de poder, deixando em segundo plano o combate à pobreza e à extrema pobreza, num momento em que vemos brasileiros comprando ossos para saciar a fome.

Nossas autoridades deveriam perceber que o povo, os verdadeiros senhores da nação, tem presenciado com desgosto essa desarmonia desagregadora entre os Poderes da República. Precisamos de mais civilidade dos líderes e das demais autoridades constituídas, que têm o dever de zelar pelo fiel cumprimento da Constituição. Essas pessoas, ocupando funções como servidores públicos, remunerados e mantidos pelos pagadores de impostos, deveriam ser um admirável exemplo de retidão e comportamento para todos os cidadãos.

Precisa a Suprema Corte entender que o povo brasileiro deseja viver num país democrático e republicano e tem o direito de se manifestar, clara e diretamente, nas redes, na mídia ou nas ruas quando achar que qualquer autoridade ou Poder esteja se excedendo, desrespeitando ou mesmo “interpretando” a Constituição, afrontando o Estado de Direito. Banir plataformas de comunicação, ou redes sociais, o controle da mídia e o cerceamento do direito de expressão não são atitudes coerentes com o ambiente democrático, pois afronta a liberdade. Os cidadãos têm absoluta legitimidade para criticar, independentemente da opinião de autoridades. E não cabe à Justiça ou a qualquer autoridade dizer que crítica tem ou não legitimidade. Deveriam as nossas autoridades aceitar que estão sujeitas às críticas públicas, ser mais humildes e reconhecer que o povo não se amedronta e não se submete a questionáveis interpretações da Constituição emanadas não por anjos, mas por homens, que podem cometer falhas em seu juízo de julgamento. E, mesmo quando for uma decisão inconstitucional, ela deve ser cumprida?

A liberdade de expressão é o pré-requisito de uma sociedade civilizada, democrática e republicana

O povo brasileiro é, por natureza, pacífico e ordeiro. Mas não é submisso! E não se permitirá ser submisso mesmo com pressão de qualquer das instituições. No momento, esse povo está indignado e inconformado com atos provenientes de nossa mais alta Corte e também consciente de que bravatas não colocam em risco a democracia. O povo está apreensivo com a consequência de atos pontuais que conduziram à prisão de cidadãos sem o devido processo legal, colocando em risco o Estado de Direito. Quando instituições perdem credibilidade e respeitabilidade e apelam para a força, colocam a democracia em risco. A postura ativa do povo em prol de pautas sociais, econômicas, políticas ou mesmo ideológicas é garantia de saudável democracia e engajamento cívico, bem como grito de alerta para que as nossas autoridades possam agir melhor corrigindo eventuais desvios, rumos e comportamentos.

As pessoas devem dizer o que pensam e serão expostas ao julgamento público, pois as ideias absurdas naturalmente se exalam. A liberdade de expressão é o pré-requisito de uma sociedade civilizada, democrática e republicana e significa que qualquer cidadão pode, livremente, se manifestar sobre qualquer tema, e o combate se dará com palavras e ideias. Não podemos aceitar que homens de toga se comportem como os únicos guardiões da democracia e da verdade, julgando, a seu bel-prazer, monocraticamente, o que seja certo ou errado, o que pode ser ou não ser dito, o que coloca ou não coloca a democracia em risco e o que é ou não ato antidemocrático. Até porque foram essas mesmas pessoas que retrocederam na legislação, na jurisprudência e no combate à corrupção.

O maior Poder da República é o povo. O povo é soberano, tem de exercer seus direitos, manifestar-se e não pode se calar. As instituições são subordinadas ao povo. Nenhuma instituição é o maior Poder da República. Vemos com frequência nossas autoridades defenderem as instituições. Mas não temos visto essas mesmas autoridades defenderem a liberdade, sendo que ela está acima das instituições. As instituições existem para garantir a liberdade individual.

Liberdade é inegociável e não pode estar sob julgamento.

Isso é democracia!


Salim Mattar é empresário e presidente do Conselho do Instituto Liberal

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Revista Oeste