Elon Musk | Ilustração: Marcello Tunchel/Revista Oeste
A compra do Twitter por Elon Musk solta o pássaro azul da gaiola ideológica
O que você faria se fosse a pessoa mais rica do mundo? Provavelmente trocaria a roupa social e o escritório por trajes de banho em alguma praia exótica e isolada. O inquieto magnata Elon Musk, dono de mais de US$ 1 trilhão, optou por mexer em um vespeiro: comprar o Twitter.
O que tem o Twitter de tão especial para motivar Musk? O Instagram é a rede social da vaidade. O Facebook, o ímã dos conflitos. O LinkedIn é o ponto de encontro profissional. Nesse panorama, a rede do passarinho azul se destaca por ser o local onde os usuários dão suas opiniões.
Todos os governos, todas as empresas, todos os órgãos internacionais, todos os institutos científicos possuem uma conta no Twitter para divulgar fatos e opiniões. Nessa espécie de assembleia-geral dos cidadãos da Terra, (ou a “praça pública global”, segundo Musk), a liberdade de expressão é vital.
Mas, quando a empresa está aparelhada por militantes, esse pacto se rompe. Seguidores de determinados usuários somem de repente. Contas são suspensas ou canceladas por motivos políticos. Os destaques no canto superior direito favorecem um lado só.
Um dos exemplos mais marcantes dessa parcialidade ocorreu com o ex-presidente norte-americano Donald Trump, proibido até hoje de usar sua conta na rede social. Enquanto isso, um tirano como Nicolás Maduro tem 4 milhões de seguidores sem nenhum problema.
A democracia funcional
É aí que entra Elon Musk. Aos 50 anos de idade, o empresário sul-africano aparentemente já havia realizado sua cota de revoluções globais. Tornou o carro elétrico uma realidade com a Tesla; privatizou (na prática) a corrida espacial com a SpaceX; criou o conceito de reaproveitamento de foguetes; estabeleceu as bases práticas para a colonização de Marte.
Musk foi considerado “de direita” simplesmente por não ter entrado na histeria anti-Trump. Provou que em termos de política era mais exatamente um adepto da liberdade de opinião e de informação. Um dos seus projetos nesse sentido é o Starlink — uma rede de satélites capaz de garantir acesso à internet mesmo em países subjugados por ditadores (ou juízes autoritários). E então surgiu a batalha pelo Twitter.
A ideia de adquirir a big tech começou em uma enquete promovida pelo bilionário em sua página oficial na plataforma. “O Twitter adere rigorosamente ao princípio de que a liberdade de expressão é essencial para uma democracia funcional?” Resultado: 70% dos votos foram “não”, contra 29% “sim”. Dez dias depois, o bilionário comprou pouco mais de 9% das ações da big tech por US$ 3 bilhões, tornando-se o maior acionista da empresa. Com o anúncio, as ações do Twitter valorizaram 23%.
Logo surgiram as reações para evitar que Musk tivesse o controle da rede. Surgiu inclusive a proposta de uma “pílula venenosa”, um mecanismo corporativo para brecar o empresário em suas intenções. E o que ele propunha a princípio não era nada tão radical:
Água benta para vampiro
Duas semanas depois de adquirir sua parcela de ações do Twitter, Musk descobriu que não iria influenciar o suficiente para atingir seus objetivos. “Desde que fiz meu investimento, eu me dei conta de que a companhia não vai nem prosperar nem atender a esse imperativo social em sua forma atual”, escreveu Musk, numa carta endereçada ao presidente do conselho do Twitter, Bret Taylor. Ao falar em “imperativo social”, Musk se referia à liberdade de expressão na internet. “O Twitter precisa ser transformado em uma empresa privada.”
A mudança de ideia de Musk se deu em virtude de uma série de eventos que ocorreram em pouco tempo. Logo nos primeiros dias após a compra das ações, funcionários da big tech disseram “temer” a chegada do bilionário à companhia. A maior preocupação estaria relacionada à “mudança de cultura da empresa” e até que ponto Musk interferiria no “controle de moderação da big tech contra fake news”, informou a agência de notícias Reuters.
Tão logo o magnata se tornou acionista, os funcionários decidiram marcar uma “sabatina” com Musk para saber o que ele pensa sobre a cultura LGBT+, negros e “notícias falsas” na internet. Ou seja, ele passaria pelo interrogatório lacrador mesmo sendo o acionista mais poderoso.
“A reação negativa à possibilidade de compra do Twitter por Elon Musk representa o desespero da elite progressista que já detém hegemonia sobre os demais meios de comunicação”, declarou a Oeste o escritor Flávio Gordon, doutor em antropologia cultural. “Para essa elite, a liberdade de expressão é como água benta para vampiro. Se há algo que ela não pode tolerar de modo algum é uma internet livre e descentralizada, onde o cidadão comum não dependa da mainstream media para se informar e formar sua própria opinião.”
“É isso que significa liberdade de opinião”
No dia 25 de abril, tudo mudou. Musk colocou na mesa US$ 44 bilhões. Como não tinha dinheiro disponível, contou com o apoio de empresas como a Morgan Stanley. O board de acionistas do Twitter abandonou a resistência e apoiou o negócio. Até o fundador, Jack Dorsey, deu sua bênção. “Elon é a solução singular em que confio”, disse Dorsey, com o tom místico que combina com sua longa barba. “Confio em sua missão de estender a luz da consciência.”
Musk também mostrou que estava pensando grande. “Meu forte senso intuitivo é que ter uma plataforma pública que seja confiável e amplamente inclusiva é extremamente importante para o futuro da civilização. Não me importo nem um pouco com a economia.”
Logo o novo proprietário estava fazendo declarações apaziguadoras sobre suas intenções. “Quero tornar o Twitter melhor do que nunca, aprimorando o produto com novos recursos, tornando os algoritmos de código aberto (que permitem saber como foi feita a publicação de um tuíte), para aumentar a confiança, derrotando os bots (robôs) de spam e autenticando todos os humanos.” Sua frase mais reveladora: “Eu espero que até meus maiores críticos permaneçam no Twitter, porque é isso que significa liberdade de opinião”. Disse mais: “A política de uma plataforma de mídia social é boa quando os 10% mais extremistas da esquerda e da direita estão igualmente infelizes”.
Essa conclamação ao equilíbrio não impressionou os chamados “progressistas” da mídia. Uma das reações mais baixas aconteceu no programa Saturday Night Live. Musk havia participado do humorístico um ano antes e não pareceu se importunar com as piadas que o hostilizavam com pouca sutileza durante a performance.
Outros acreditam que Elon Musk tenha simplesmente soltado o passarinho azul da gaiola ideológica
No último dia 23, um dos apresentadores do SNL declarou que a compra do Twitter indicava “quanto caras brancos querem usar a palavra com N”. Em outras palavras, sugeria que Musk estava comprando a plataforma para ter a liberdade de ofender os negros com o termo “nigger”, altamente pejorativo. Foi um comentário grosseiro e sem nenhum sentido. O elenco achou muito engraçado.
“Plataforma infernal”
O jornal Washington Post também deu um show de hipocrisia. Uma reportagem do dia 27 de abril lembrou: “O governo Biden chegou a Washington com uma agenda ambiciosa para domar as big techs, que representam uma concentração muito grande de poder nas mãos de alguns poucos bilionários”; “Os magnatas de uma nova Era Dourada Digital. (…) A pessoa mais rica do mundo comprou uma de suas plataformas de mídia social mais influentes — e as mãos de Washington estão em grande parte atadas”. É uma notícia publicada num jornal que pertence a Jeff Bezos, considerado a terceira pessoa mais rica do mundo.
A hostilidade é quase generalizada na esquerda. O maior temor parece ser o de que Musk permita o retorno de Donald Trump e que isso o ajude a ser de novo o presidente dos EUA. Ou, nas palavras da atriz “progressista” Jameela Jamil (postadas no Twitter): “Temo que essa oferta de liberdade de expressão ajude esta plataforma infernal a atingir sua forma final de ódio, intolerância e misoginia totalmente sem lei.”
O chamado “consórcio” da imprensa brasileira, como não podia deixar de ser, também compareceu com suas manchetes “imparciais”: “Musk compra Twitter e gera dúvida sobre ação contra fake news” foi o destaque do Globo. “Crítico a limites na rede, Musk compra Twitter por US$ 44 bi. Bilionário é um opositor das políticas de moderação de conteúdo”, julgou o Estado de S. Paulo. Foi a maneira engajada e negativa que os dois jornais usaram para dizer que Musk está comprometido com a liberdade de expressão.
Dinheiro pelo ralo?
Mas outros acreditam que Elon Musk tenha simplesmente soltado o passarinho azul da gaiola ideológica. Em pouco tempo, coisas estranhas começaram a acontecer já nos primeiros dias depois da mudança de dono. Usuários identificados mais à direita começaram a ganhar seguidores.
Os congressistas norte-americanos do Partido Republicano Marjorie Taylor Greene e Ted Cruz viram seu número de seguidores crescer num único dia mais de 60 mil. No Brasil, o jornalista (e colunista de Oeste) Rodrigo Constantino divulgou que, de um dia para o outro, seu público aumentou em 50 mil. Na outra ponta, Michelle Obama perdeu quase 20 mil seguidores. Essas mudanças foram reais? Ou apenas uma correção para desfazer manipulações anteriores? As alterações ainda não foram explicadas.
Afinal, qual a verdadeira razão para Elon Musk colocar tanto dinheiro no Twitter? Reportagem do jornal britânico The Times lembrou que a soma dos usuários da rede é de 217 milhões de pessoas por dia. Já o total do complexo Meta (Facebook + Instagram + WhatsApp) chega a 2,8 bilhões de pessoas. “Se o Facebook fossem os Estados Unidos da mídia social, a população do Twitter seria a de Camarões”, comparou o jornal.
E então temos basicamente duas possibilidades. Uma é que Elon Musk, o cara mais rico do mundo, o empresário mais inovador do século, é um idiota. Teria resolvido investir dinheiro numa rede social que não dá lucro só para que ela aceite de volta seu suposto ídolo Donald Trump. Jogou dinheiro pelo ralo porque quer — nas palavras daquela atriz pouco conhecida — criar “uma forma final de ódio, intolerância e misoginia”.
A outra hipótese é que o homem mais rico do planeta é realmente um idealista. Ele estaria usando sua fortuna para lutar pela sobrevivência da humanidade em Marte. E garantindo a liberdade de expressão por aqui mesmo.
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