sexta-feira, 29 de abril de 2022

'O Brasil espera o renascimento da indústria', por Wagner Kotsura

 

Fábrica de tecelagem Carioba abandonada, no Brasil | Foto: Leonardo Salvato/Wikimedia Commons


Setor que liderou o crescimento do país perdeu espaço na economia


Quando anunciou a redução de 25% nas alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), no fim de fevereiro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, soltou uma frase otimista. “É o marco do início da reindustrialização brasileira após quatro décadas de desindustrialização (queda de participação no PIB). Não pode haver recuo nisso, daqui para a frente é redução de impostos.”

Uma das saídas, segundo Guedes, está na reforma tributária, já aprovada na Câmara dos Deputados, mas que se encontra parada no Senado, onde enfrenta obstáculos. O projeto, entre outros pontos, reduz a carga de tributos sobre as empresas.

Com tantas vozes a favor, entre empresários, políticos e economistas que vêm se manifestando nos últimos anos, fica difícil entender como até hoje não decolou essa Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Sua ideia, resumidamente, é rearranjar os atuais e inúmeros tributos em dois novos, um federal e outro para Estados e municípios, seguindo o modelo chamado Imposto sobre Valor Agregado (IVA), mundialmente utilizado com sucesso.

Josué Gomes da Silva, novo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), já disse que as atuais alíquotas de impostos têm contribuído para o processo de desindustrialização do país. E que a Fiesp trabalhará na elaboração de uma proposta que obtenha consenso entre os empresários. “Não adianta ser tecnicamente perfeita se não aprovar nunca. O próprio setor empresarial atrapalha a reforma tributária.”

O relator da PEC, senador Roberto Rocha (PTB), defende as mudanças, prevê a aprovação por uma questão de racionalidade e critica parte do empresariado que, em sua opinião, se acostumou aos benefícios fiscais dentro de um “manicômio tributário” que esmaga a competitividade. Um sistema, acrescenta, que obrigou empresas a fecharem as portas ou mudarem para outro país.

Papel do governo: “Não atrapalhar”

Arrumada a casa no campo tributário, e criado um novo ambiente teoricamente favorável aos negócios, será o momento de o governo esquecer dos tempos em que se especializou em carregar nos braços empresários amigos e assumir um novo papel: “Não atrapalhar”, como diz Alan Ghani, economista-chefe da Sarainvest e professor do Insper.

“O governo poderia criar condições para atrair o capital estrangeiro e privado, para que o empresário invista”, propõe Ghani. “É preciso haver respeito aos contratos, diminuindo todo o processo burocrático, facilitando a abertura de novas empresas.” Além da reforma tributária e da imensa burocracia, ele aponta dois outros problemas a serem enfrentados: altas taxas de juros e falta de investimentos em infraestrutura (nesse caso, admite que estão ocorrendo avanços).

Numa direção semelhante, o economista Ubiratan Jorge Iorio, colunista de Oeste, resume as causas da desindustrialização numa só expressão: Custo Brasil. Para Iorio, isso significa impostos em excesso, sindicalismo, burocracia, protecionismo e políticas industriais que sempre beneficiaram os amigos de quem está lá no poder, principalmente nos governos de Fernando Henrique e nos governos do PT.

André Perfeito, economista-chefe da Necton, considera que cabe ao Estado determinar prioridades, de forma alinhada com a iniciativa privada, mas sem deixar tudo exclusivamente nas mãos do livre mercado. “É produzir linha branca? É produzir automóvel? Trata-se de projeto de desenvolvimento, coisa que não temos de forma clara agora”, afirma. Seguindo esse raciocínio, ele acrescenta que existe a necessidade de incentivo recorrente, ou pelo menos planejamento, definindo a tecnologia e o produto, evitando a espontaneidade, que não funcionaria nem na indústria, nem na agricultura. 

Geração de empregos

Na opinião de Alan Ghani, a indústria é muito importante numa economia porque gera bastante emprego, tem um efeito multiplicador e acaba impulsionando setores de comércio e serviços. “É fundamental o país ter uma indústria forte para gerar renda e emprego.” O Brasil, lembra o economista, tem um potencial em indústrias ligadas a commodities energéticas, como petróleo e minério de ferro, com dois gigantes, como a Petrobras e a Vale. Ghani também destaca a siderurgia, a aviação, com a Embraer, e as indústrias ligadas ao processamento de alimentos.

Mesmo antes da pandemia, quase 29 mil indústrias fecharam e 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados

Ubiratan Jorge Iorio chama a atenção para a necessidade de aproveitar as commodities no processo de reindustrialização. O Brasil, observa Iorio, precisa deixar de ser apenas exportador de matérias-primas, de bens primários, e desenvolver indústria de processamento dessas commodities, “para a gente não ter de vender e depois comprar o produto já beneficiado”.

A trajetória da queda

A indústria de transformação (fábricas de bens de consumo, como eletrodomésticos, eletrônicos, alimentos e bebidas), símbolo do progresso nos tempos do chamado “milagre econômico” brasileiro dos anos 1970 do século passado, foi gradativamente diminuindo de importância relativa dentro da economia, até ser superada no ano passado pelo agronegócio, que avançou em sentido oposto, acumulando êxitos.

Beneficiada por incentivos fiscais e juros subsidiados, a indústria sofreu um abalo com o choque da abertura econômica dos anos 1990, a partir do governo Fernando Collor de Mello. Ficou famosa a definição dele para os automóveis nacionais: carroças. Outro fator que provocou impacto no setor foram as constantes oscilações cambiais.

A indústria brasileira perdeu produtividade, não conseguiu acompanhar as transformações no ambiente global cada vez mais competitivo e se tornou dependente da importação de insumos, em especial de alta tecnologia. Em 1986, a indústria tinha peso de pouco mais de 27% no PIB brasileiro. Em 2020, são apenas 11,3%. Mesmo antes da pandemia (2013 a 2019), quase 29 mil indústrias fecharam e cerca de 1,5 milhão de trabalhadores ficaram desempregados.

Mas a origem do fenômeno é mais antiga. A indústria de transformação começou a perder participação no PIB ainda nos milagrosos anos 1970, quando já recuaram os setores de vestuário, couro e calçados. Nos anos 1980, foi a vez das áreas química e petroquímica. Na sequência, alimentos, bebidas e fumo resistiram um pouco mais, até perderem fôlego a partir de 2005. Alguns casos repercutiram com maior impacto, recentemente, pela força das marcas envolvidas. Saíram do Brasil as montadoras Ford, Mercedes-Benz e Audi, as farmacêuticas Roche e Eli Lilly e o gigante japonês do setor eletroeletrônico Sony.

O fator China

Alguns números ajudam a localizar melhor a situação da indústria brasileira no cenário mundial. Num ranking que considera o crescimento da produção em 113 países, o Brasil foi o 77º em 2019 e, em 2021, caiu para a posição 82. No meio do caminho, em 2020, houve uma queda interna de quase 5%, compensada a seguir na mesma proporção, mas a participação relativa no ranking geral não acompanhou essa recomposição, porque a média mundial esteve bem acima, mais de 9%.

O papel da indústria brasileira torna-se ainda mais preocupante quando confrontado com o desempenho de países da América Latina, nos quais se encontram variáveis econômicas próximas da nossa realidade e que possibilitam uma visão comparativa interessante do ponto de vista regional. Sendo o 82º do ranking mundial em 2021, o Brasil ficou atrás de Peru (10º), Colômbia (11º), Argentina (12º), Uruguai (28º), México (45º) e Chile (77º).

Os economistas ouvidos por Oeste também destacaram, entre as causas da desindustrialização no Brasil, a crescente presença de produtos importados da China, desde pequenas utilidades domésticas até sofisticados equipamentos eletrônicos, passando por calçados e vestuário, tudo com preços atrativos. Um panorama a que os consumidores brasileiros se acostumaram a tal ponto que a inscrição “Made in China” se incorporou à rotina de checagem da mercadoria no momento de retirar da embalagem.

Há, no entanto, um dado a ser considerado em relação ao recuo brasileiro no setor. O avanço chinês não causou nenhum retrocesso expressivo da indústria na estrutura produtiva mundial. Deixando a China de lado na conta, o peso da indústria de transformação no PIB regrediu somente 1% entre 1980 e 2015. No Brasil, porém, houve um impressionante declínio de 42%. 

Se a China já era um problema, o que era ruim ficou pior. Mais recentemente, um ingrediente (literalmente) explosivo colocou um novo obstáculo na caminhada da indústria brasileira. A invasão da Ucrânia pela Rússia desorganizou várias cadeias produtivas globais, desde o fornecimento de petróleo e gás, fertilizantes, até o abastecimento de grãos, especialmente trigo. Como se não bastasse, o mundo ainda se recupera da grave crise econômica causada pela pandemia de coronavírus, que levou à suspensão total ou parcial das atividades produtivas. Há um desafio imenso, acompanhado de incertezas neste momento em que o planeta se pergunta sobre as consequências econômicas e financeiras da guerra no Leste Europeu. Mas também há razões para esperança.

Uma indústria brasileira, sucesso mundial

Um exemplo de empresário brasileiro bem-sucedido não apenas internamente, mas no mercado global, é Harry Schmelzer Jr., presidente da WEG, empresa com origem no Estado de Santa Catarina, uma das maiores produtoras de equipamentos elétricos do mundo, com 48 fábricas em 12 países, incluindo China e EUA.

Mais da metade das vendas da WEG ocorre no exterior. Schmelzer Jr. diz não enfrentar problemas em seus negócios com as constantes polêmicas envolvendo a imagem externa da política brasileira, mas sim com eventuais movimentos trabalhistas, ameaças de greve, a impressão de que o Brasil pode parar. “Esse tipo de ameaça da logística brasileira pode levar os clientes a trocarem de fornecedor”, afirma o empresário. “Já senti em alguns clientes essa preocupação.” 

Schmelzer Jr. concorda com a importância das reformas tributária e administrativa e defende a volta de uma política industrial robusta. Mesmo sem esse suporte institucional, ele lidera um empreendimento grandioso que contém uma lição: a indústria brasileira pode, sim, ser competitiva e encontrar seu lugar no mercado globalizado.

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Revista Oeste