Emmanuel Macron e o agronegócio brasileiro | Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock
Presidente francês reeleito já insinuou que a Amazônia pertence ao mundo e que a soja nacional é fruto da destruição das florestas
Quem já sobrevoou o Estado de Mato Grosso é testemunha: entre as lavouras de soja, milho e algodão que alimentam o Brasil e o mundo, impressiona a quantidade de vegetação nativa em terras agricultáveis — aliás, um terço dos biomas preservados (Floresta Amazônica, cerrado e Pantanal) fica em propriedades particulares.
A produtividade também espanta: as plantações correspondem a apenas 10% do território mato-grossense, mas a área já é suficiente para fazer do Estado o maior produtor e exportador de grãos do país.
Quase a totalidade das nascentes é intocada e uma mata ciliar exuberante margeia os cursos d’água.
Predomina no campo a utilização de energia limpa, com destaque para a biomassa, produzida na própria região.
Em termos de sustentabilidade, o agronegócio de Mato Grosso é nosso ‘case’ de sucesso e reflete as melhores práticas de um país que mantém 66% da sua natureza preservada, com 83% da sua matriz elétrica originada de fontes renováveis (a média mundial é de parcos 27%): por aqui, a energia é 65,2% hidráulica, 9,1% de biomassa, 8,8% eólica, 1,7% solar.
Recentemente, um estudo conduzido pela Esalq-USP concluiu que o plantio da soja seguido pelo milho de segunda safra — técnica mais comum nas lavouras mato-grossenses — tira da atmosfera 1,67 tonelada de gás carbônico por hectare plantado.
Em outras palavras, a principal modalidade de agricultura no Estado purifica o ar que respiramos e ajuda no controle da temperatura ao sequestrar um dos gases responsáveis pelo efeito estufa.
Esses são os fatos; tratemos, então, das narrativas…
Os governos FHC e Lula registraram ritmo de desmatamento muito maior nos seus dois primeiros anos do que no biênio 2019/2020
O presidente (recém-reeleito) da França, Emmanuel Macron, abusa do expediente da desinformação para criticar a realidade ambiental brasileira.
Em agosto de 2019, usou uma foto dos anos 1970 para ilustrar seu twit lacrador sobre as queimadas na Amazônia — uma “crise internacional” no “pulmão do mundo”, que deveria ser endereçada emergencialmente pelo G7 e pelos ambientalistas de rede social via hashtag #ActForTheAmazon (“Aja pela Amazônia”).
A floresta passa bem — pra efeito de comparação, os governos FHC e Lula registraram ritmo de desmatamento muito maior nos seus dois primeiros anos do que no biênio 2019/2020 —, mas o líder francês voltou à carga em janeiro de 2021:
“Quando importamos a soja produzida a um ritmo rápido a partir da floresta destruída no Brasil, nós não somos coerentes. Nós precisamos da soja brasileira para viver? Então nós vamos produzir soja europeia ou equivalente”.
Macron mente.
Até mesmo o portal G1, aliado de primeira hora de qualquer autoridade nacional ou internacional que critique o governo brasileiro, se viu obrigado a constatar a fragilidade da acusação: “O presidente francês não apresentou dados que corroborem suas declarações”.
Desde 2008, a “Moratória da Soja” — pacto ambiental celebrado entre entidades de agricultores, ONGs e o governo — assegura que o grão produzido no bioma amazônico é livre de desmatamento.
O Ministério da Agricultura rebateu a fake news de Macron:
“O Brasil tem uma das legislações ambientais mais rigorosas do mundo […], é o maior produtor e exportador de soja, abastecendo mais de 50 países com grãos, farelo e óleo. Detém domínio tecnológico para dobrar a atual produção com sustentabilidade, seja em áreas já utilizadas, seja recuperando pastagens degradadas, não necessitando de novas áreas. Toda a produção nacional tem controle de origem”.
Sem nenhum compromisso com a verdade, o discurso falacioso de Macron serve para dissimular sua real agenda: o protecionismo agrícola.
Restrições aos produtos brasileiros sob o falso pretexto de proteção ambiental poupariam os agricultores franceses de concorrerem com a “soja produzida a um ritmo rápido” e outros itens do competitivo agronegócio brasileiro.
A hipocrisia salta aos olhos: a França nem sequer cumpriu sua meta (autoimposta e medíocre) de produzir 23% da sua energia a partir de fontes renováveis até 2020 — ficou em 19% naquele ano.
A matriz energética do país é baseada em combustíveis fósseis poluentes e usinas nucleares, cujos reatores produzem 70% da eletricidade consumida.
Apenas 30% do território francês é coberto por vegetação (grande parte de reflorestamento) e gramíneas são reconhecidas como Áreas de Preservação Permanente (APPs) — a propósito, a Europa enfrenta risco de extinção de mais da metade de suas árvores endêmicas e tem 60% da sua área dedicada à agropecuária.
O contraste é flagrante: de um lado, temos a França, com baixíssima cobertura vegetal e consumo de energia suja; e de outro, o Brasil, conservando seus biomas e investindo em sustentabilidade na sua produção agrícola.
Se a questão fosse realmente sobre preservação ambiental… mas não é, e o jogo sujo contra o agro brasileiro continua — no que depender de Macron, por mais cinco anos pelo menos.
C’est triste.
Caio Coppolla é comentarista político e apresentador do Boletim Coppolla, na Jovem Pan
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