sexta-feira, 22 de abril de 2022

'A nova ordem mundial de Biden', por Frank Furedi

 

Joe Biden | Foto: Gints Ivuskans/Shutterstock


A imaginação globalista é espontaneamente atraída para uma perspectiva que menospreza a cultura nacional e seus valores tradicionais


Justo quando se achava que a ideologia globalizada tinha sido fatalmente exposta como irrelevante, torna-se evidente que, para alguns, o ressurgimento do conflito geopolítico funciona como uma oportunidade para criar uma Nova Ordem Mundial.

Em um discurso recente, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, descreveu sua ambição de estabelecer uma Nova Ordem Mundial baseada em valores woke. Ele disse a um grupo de líderes corporativos norte-americanos que o mundo está mudando e que “vai haver uma Nova Ordem Mundial, precisamos estar na liderança e, enquanto fazemos isso, precisamos unir o restante do mundo democrático”.

Para Biden, a guerra na Ucrânia gera uma oportunidade para unir o Ocidente em torno de uma nova versão da Guerra Fria contra o Império do Mal 2.0. Apesar de não ter explicitado o que quer dizer com Nova Ordem Mundial, é evidente que ela guarda uma forte semelhança com a visão da Great Reset (ou Grande Reinicialização), propagandeada pelos líderes do Fórum Econômico Mundial. A Great Reset divulga uma ideologia do Novo Normal que tem como objetivo subordinar a soberania nacional e os interesses nacionais aos ditames de instituições globais supostamente neutras e generosas comandadas por especialistas e tecnocratas. Essa é uma ideologia que promove uma síntese de engenharia social com os valores do soft power norte-americano.

O Novo Normal costuma ser comunicado por meio da linguagem do ambientalismo. De acordo com seu dogma, a pandemia da covid-19 foi um sinal de alerta e enfatizou o perigo das viagens internacionais. Os ativistas verdes afirmam que a antiga forma normal de nos alimentar e organizar a vida econômica é, pelo menos indiretamente, responsável pelo surgimento da pandemia. Sua visão de um Novo Normal implica a aspiração e a atividade humanas estarem subordinadas ao dogma ideológico de uma sociedade carbono zero.

Na esfera da economia, defensores do Novo Normal argumentam que o capitalismo em si precisará ser reestruturado. Um blog do Banco Mundial prevê que corporações internacionais vão assumir uma “responsabilidade maior” em relação ao meio ambiente e vão colocar um “foco maior na sustentabilidade e nas iniciativas verdes”. A conquista da descarbonização foi desenvolvida como a ambição maior da cultura do Novo Normal. Essa é uma perspectiva defendida pela oligarquia globalista associada ao Fórum Econômico Mundial.

Os últimos 18 meses, lançaram uma tendência sem precedentes de medicalização da política

A ideia da Great Reset associada a essa instituição tenta gerar uma reviravolta positiva ao Novo Normal. Ela afirma que a utilização de uma nova tecnologia, sob a orientação generosa dos tecnocratas especializados, vai criar um mundo mais justo. No que diz respeito a esses especialistas, nos próximos anos o Novo Normal será muito mais tecnológico do que hoje.

Na esfera política, o Novo Normal levaria à subordinação da tomada de decisão democrática ao imperativo da governança tecnocrática. Esse sentimento se expressa de forma mais estridente por meio da demanda de agentes de saúde pública por mais voz na administração da sociedade. Os últimos 18 meses, lançaram uma tendência sem precedentes de medicalização da política. Para alguns defensores, o Novo Normal significa mais do mesmo.

Defensores de uma Nova Ordem Mundial se sentem política e culturalmente alienados de suas próprias instituições nacionais. Isso pode torná-los inconsistentes na busca por seus próprios interesses nacionais, até mesmo incertos em relação a eles. As elites consideram mais fácil fazer as coisas por redes internacionais, porque já estão cada vez mais afastadas da vida e das perspectivas dos cidadãos comuns em seus países.

Um dos primeiros comentadores a chamar atenção para a tendência à desnacionalização das elites foi o filósofo político norte-americano Christopher Lasch. Ele escreveu em 1995:

“Aqueles que cobiçam fazer parte da nova aristocracia de cérebros tendem a se reunir no litoral, virando as costas para o interior e cultivando laços com o mercado internacional na movimentação rápida do dinheiro, no glamour, na moda e na cultura popular. É uma questão de eles se considerarem norte-americanos ou não. O patriotismo certamente não ocupa uma posição muito alta na sua hierarquia de virtudes”.

Lasch notou que, em contraste com a falta de entusiasmo pelo patriotismo, elas abraçam o multiculturalismo e a diversidade.

A imaginação globalista é espontaneamente atraída para uma perspectiva que menospreza a cultura nacional e seus valores tradicionais. É por isso que os membros da elite globalista e sua instituição desempenham um papel tão central na Guerra Cultural. Ao mesmo tempo, por meio das guerras culturais, o descolamento das elites em relação à vida de uma nação foi intensificado. Nessa perspectiva, as elites se sentem mais próximas de seus amigos transnacionais do que de seus concidadãos “que não pensam como nós”.

Em décadas recentes, a distância psíquica entre a visão da elite e as sensibilidades nacionais aumentou. Atraídas pelo multiculturalismo e pela sacralização da diversidade, ela se envolveu na promoção da política identitária. Esse sentimento é despertado pela doutrina da Grande Reinicialização promovida pelo Fórum Econômico Mundial. A Great Reset vislumbra um mundo pandêmico em que a política identitária LGBTQ+ substitui o antigo normal. E afirma que “a inclusão LGBT+ é o segredo para o sucesso pós-pandêmico das cidades”. Também sugere bizarramente que “existe uma forte correlação positiva entre a inclusão LGBT+ e a resiliência econômica”. É evidente que hastear a bandeira do arco-íris se tornou fundamental para a identidade do Homem de Davos.

Do ponto de vista desse Homem de Davos, os governos de nações como o Brasil, a Hungria e a Polônia são o que eles chamam de “o lado errado da história”. Governos que levam o princípio da soberania nacional a sério e se recusam a subordinar sua economia e sua sociedade aos ditames de especialistas internacionais se tornam párias na Nova Ordem Mundial de Biden.

Por sorte, as realidades geopolíticas atuais destacam a importância do Estado nação. A pandemia mostrou que, no fim das contas, as pessoas precisam de seus governos nacionais, e não com instituições como a Organização Mundial da Saúde. Com a deflagração da guerra na Ucrânia, o fracasso das organizações internacionais ficou muito claro. Nessas circunstâncias, as chances são enormes de que a realidade de um mundo de nações frustre a ascensão da Nova Ordem Mundial de Biden.


Revista Oeste