A mera existência da empresa e das outras estatais comprova que o Brasil Velho está cada vez mais forte
De duas uma: ou o presidente da Petrobras, que acaba de ser posto no olho da rua, era bom ou era ruim.
Se era bom, por que foi demitido? Se era ruim, o que estava fazendo lá até agora?
Todos os que têm posições definitivas sobre esse assunto, e que amaldiçoam qualquer ponto de vista diferente do seu, ficam convidados a oferecer alguma alternativa; estarão perdendo o seu tempo, pois não existe alternativa.
Esse último desastre, mais um na longa folha corrida da maior empresa estatal brasileira, é apenas a comprovação mais recente de que nosso símbolo augusto da pátria e ente sagrado da “soberania nacional”, além de outras bobagens da mesma família, está organizado de forma a viver perpetuamente numa situação de jogo dos sete erros.
Tudo ali só pode dar errado, mais cedo ou mais tarde, porque a natureza da Petrobras torna impossível que alguma coisa dê certo.
A empresa, ao lado de todas as suas irmãs estatais, é um dos alicerces mais delirantes do Brasil Velho — e esse é um Brasil que está condenado a fracassar.
É o Brasil do “Estado”, que não muda nunca e prejudica a todos, salvo as minorias: impede a liberdade econômica, bloqueia a real criação e distribuição de riqueza e mantém a população brasileira no seu estado permanente de servidão aos que são donos da máquina do Estado.
O salseiro da vez, como uma criança de 10 anos de idade seria capaz de entender, aconteceu porque o preço da gasolina, e sobretudo do óleo diesel, vem subindo, os caminhoneiros estão agitados e ninguém no governo sabe ao certo o que fazer a respeito — ou, se alguém sabe, não está dizendo a ninguém.
Diminuir os impostos de 45% que o cidadão paga a cada litro que compra na bomba?
Nem pensar.
Governos têm horror a mexer naqueles impostos dos quais as pessoas não podem fugir, como gasolina, luz e telefone — a não ser, é claro, se a mexida for para cima.
De outro jeito, como é que se vai pagar a lagosta dos ministros do Supremo, a aposentadoria dos almirantes de esquadra e o auxílio-creche dos procuradores de Justiça?
Então: se a coisa fica ruim, e quem está nos galhos de cima precisa dar a impressão de que está fazendo “alguma coisa”, a saída é jogar a culpa na Petrobras e demitir o presidente da empresa — sem tocar nem de leve, é claro, no monopólio funesto que ela tem no universo dos combustíveis.
No caso, e como sempre acontece, arrumaram em cinco minutos uma variada lista de crimes cometidos pelo presidente da vez.
De uma hora para outra, descobriram que o homem ganhava R$ 50 mil por semana; foi o próprio presidente da República, escandalizado, quem revelou essa aberração ao público pagante.
Por que raios, então, o governo ficou dois anos inteiros pagando esses salários de paxá — só agora começaram a achar caro?
O demitido, segundo se soube na mesma ocasião, estava havia onze meses sem comparecer ao local de trabalho, escondido da covid.
De novo: por que não foi mandado embora antes?
Não é possível um sujeito ficar trancado em casa fazendo home office e levarem onze meses para saber disso.
Revelou-se, também, que há uma “caixa-preta” na Petrobras, e que a empresa está forrada de desocupados que ganharam o emprego durante o reinado de Lula-Dilma.
É mesmo?
Não digam — quem poderia imaginar uma coisa dessas, não é?
O governo, afinal, está aí há mais de dois anos; por que deixaram as coisas assim durante esse tempo todo?
O presidente da República disse que só soube do desastre há “algumas semanas”.
Se não soube antes é porque não quis saber — como é que um cidadão ocupa a presidência da maior empresa estatal do Brasil sem que o responsável por sua nomeação saiba quanto ele ganha, ou se vai todo dia ao serviço?
Se esse é o grau de informação que o presidente Jair Bolsonaro tem sobre o próprio governo, a troca na Petrobras não vai adiantar nada; é possível, pelo ritmo dessa balada, que daqui a dois anos o público seja presenteado com a informação de que tudo continua errado.
A propósito: o general que foi para o lugar do presidente demitido vai ganhar menos do que ele estava ganhando?
O problema, na verdade, não é o presidente da Petrobras — o problema é a Petrobras.
É possível que no passado tenha havido razões válidas para criar a empresa; é uma questão para os historiadores.
O certo é que há muito tempo ela não deveria mais existir na sua forma atual de monopólio controlado pelo governo.
“O perigo não é privatizar a Petrobras”, diz o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, um dos raríssimos políticos brasileiros de primeira linha que não vive de quatro diante da empresa.
“O perigo é a Petrobras continuar sendo estatal.”
De fato, muito pouca coisa que se diz em favor da companhia faz algum sentido lógico.
A empresa não pertence “ao povo brasileiro”, como se diz há quase 70 anos; o povo brasileiro não passa nem pela catraca de entrada do saguão.
Ela é propriedade exclusiva dos seus altos diretores, tanto mais exclusiva quanto mais altos eles são — e, ao mesmo tempo, dos funcionários e da politicalha que contamina a Petrobras desde o dia da sua fundação.
Dinheiro, então, podem esquecer.
O cidadão brasileiro de carne e osso jamais viu um único centavo dos lucros da Petrobras desde 1953 até hoje — salvo, naturalmente, aqueles que puseram a mão no próprio bolso para comprar ações da companhia.
Todo o dinheiro ganho pela Petrobras (R$ 7 bilhões em 2020, um dos piores da sua história) vai direto para o Tesouro Nacional, onde desaparece como se tivesse entrado no Triângulo das Bermudas — se o Estado vive dizendo que não tem dinheiro para comprar nem um pano de prato, para que servem, então, os tais “lucros”?
Pior: com o seu monopólio de fato sobre o setor, os donos da Petrobras impedem a descoberta de mais petróleo dentro do Brasil, travam a criação de empregos, limitam a arrecadação de impostos e, no fim das contas, agem ativamente contra o progresso, a multiplicação de oportunidades e uma maior igualdade social.
O governo que faça o serviço direito: ponha a gasolina a R$ 1 o litro logo de uma vez
É mentira — a sua mentira mais velha e mais repetida — que a Petrobras seja “estratégica” para o Brasil e que sua existência atenda ao “interesse nacional”; o país não precisa da Petrobras, ou de qualquer outra empresa estatal com atuação no mercado, para rigorosamente nada.
Tudo o que elas fazem pode ser feito perfeitamente pelo capital privado — e sem ônus algum para o público.
A Petrobras é estratégica, isso sim, para militantes de esquerda, generais do Exército e ministros do Supremo; é extremamente estratégica, com certeza, para os diretorzões que metem no bolso R$ 50 mil por semana, pagos integralmente pela população deste país.
Como dito no início, a empresa dá errado em tudo, mas dá certíssimo para os que mandam nela.
No Brasil já houve, embora pouca gente ainda se lembre, monopólio de empresas estatais sobre a telefonia.
Telefone?
Era algo absolutamente estratégico para os interesses do Brasil; não podia ficar entregue a essa gente que só pensa em lucro.
O único resultado prático é que ninguém tinha telefone.
Hoje, depois da privatização, só de smartphones há mais de 230 milhões de aparelhos ativos; somem-se a isso 180 milhões de computadores pessoais.
A Petrobras é responsável pelo mesmo tipo de atraso — seu monopólio explícito, que proíbe as empresas privadas de explorar qualquer área promissora, é um atraso de vida em estado puro.
Qual empresa, nacional ou estrangeira, vai querer procurar petróleo em lugares onde não há petróleo?
A Petrobras não tem dinheiro para fazer tudo sozinha nas áreas de exploração que oferecem melhores perspectivas de sucesso.
E, sem capital privado para investir, como o país poderia desenvolver novos campos e aumentar a produção nacional?
O monopólio estatal, além disso, falsifica os custos e os preços ao consumidor dos combustíveis. Isso também é considerado “estratégico”, pois os amigos da Petrobras, inocentes ou não, acham que o litro de gasolina é importante demais para ficar “por conta do mercado” — como ocorre com todas as demais mercadorias, da saca de cimento ao quilo de arroz.
(Por alguma razão não divulgada, a religião estatista parece considerar que comida não é estratégico.)
O governo do momento quer ter na mão a caneta que controla o preço do tanque de combustível?
Quer salvar o povo? Então que faça o serviço direito: ponha a gasolina a R$ 1 o litro logo de uma vez e deixe que a Petrobras se exploda.
Para isso, basta comprar as ações que estão com o público e arrumar um “fundo emergencial” para manter viva a empresa e os R$ 50 mil por semana dos gatos gordos, não é mesmo?
Quem diz Petrobras diz empresa estatal: todas as demais, sem nenhuma exceção, são igualmente inúteis e 100% nocivas à saúde do cidadão.
O tão celebrado Banco do Brasil, por exemplo: num momento em que os bancos de todo o sistema solar, por uma questão essencial de sobrevivência, estão fechando agências e migrando para a prestação eletrônica dos seus serviços, o presidente da empresa pensou que o BB, também ele, deveria fazer alguma coisa.
Pobre homem: o presidente da República já roncou o seu desagrado, tipo Petrobras, e se ele não quiser ir pelo mesmo caminho do colega já pode ir mudando de ideia.
Esperar o que, num país em que o governo, por meio do seu ministro de Transportes, se recusa a fechar a estatal do “Trem-Bala”?
O ministro diz que a empresa é “estratégica” — um caso único no mundo, possivelmente, em que uma coisa que não existe, nem vai existir nunca, é considerada estratégica.
Eis aí o Brasil Velho, cada vez mais velho — e cada vez mais forte.
Revista Oeste