sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

"A EBC e sua milionária ‘TV traço’", por Silvio Navarro

Sem audiência e com grade de produção televisiva e radiofônica inexpressiva, estatal de comunicação custa mais de R$ 0,5 bilhão por ano




Um telespectador curioso que zapeava os canais da televisão aberta do país na tarde de 6 de fevereiro, um sábado ensolarado no interior de São Paulo, deparou-se com uma cena inédita ao tropeçar na TV Brasil, estatal que integra a Empresa Brasil de Comunicação (EBC): a transmissão da decisão da Série D do Campeonato Brasileiro, entre o Mirassol, time da região de São José de Rio Preto, no interior do Estado, e o Floresta, do Ceará.

É isso mesmo. A cobertura das 42 partidas da quarta divisão da liga de futebol foi um dos destaques da programação ao longo dos últimos meses, com a devida paralisação das atividades no começo da pandemia, junto de uma centena de desenhos infantis e filmes de Amácio Mazzaropi, outra estrela da grade — alguns dos últimos clássicos exibidos recentemente foram Chico Fumaça e O Noivo da Girafa —, e do Vigilante Rodoviário e seu pastor-alemão Lobo — série da década de 1960 filmada na rodovia Anhanguera.

A TV Brasil foi criada em dezembro de 2007, quando acabou batizada de TV Lula. Na época, a EBC ficou com o sinal da antiga TVE e a estrutura da Radiobrás — ou seja, com os bens públicos da União. Sob o guarda-chuva da EBC, também estão a Agência Brasil de notícias on-line e as rádios Nacional (AM e FM) em Brasília, Rio de Janeiro, Amazônia e Alto Solimões.

Trata-se de uma operação que custa R$ 560 milhões por ano aos cofres da União, orçamento que já foi de R$ 1,1 bilhão nos anos Lula e Dilma Rousseff — quando exibia com pompa produções feitas em Luanda (Angola), por exemplo. Atualmente, a empresa possui um quadro com 1.877 funcionários, com salário médio de R$ 11.012 — o maior valor é de R$ 48.582.

 

Longe do fim

Com alto custo para o erário, escritórios e antenas espalhados pelos principais Estados e uma estrutura superior à de emissoras e jornais privados, a EBC tem números pífios de audiência. Na TV, a média (com esforço) é de 0,2 ponto no painel do Kantar Ibope Media, que calcula os índices em 15 áreas do território — são consideradas para aferição as macrorregiões, como Grande Rio de Janeiro, Grande Belo Horizonte e o cinturão metropolitano de São Paulo. Cada ponto cheio no Ibope corresponde a 260 mil casas, o equivalente a até 700 mil pessoas assistindo simultaneamente ao mesmo canal de TV.

No rádio, a jurássica Voz do Brasil, que obriga as emissoras privadas a reproduzir diariamente notícias dos Três Poderes, é motivo para desligar o aparelho imediatamente ou trocar de estação, conforme a avaliação de dez de dez carros ou residências. Mas ela também está nesse preço.

Como a estrutura estatal foi amplamente usada pelos governos petistas como máquina publicitária, o presidente Jair Bolsonaro prometeu extingui-la durante sua vitoriosa campanha eleitoral em 2018, mas aparentemente desistiu da ideia. A empresa nem sequer foi incluída até agora no chamado PND (Plano Nacional de Desestatização) e os estudos sobre sua viabilidade econômica nos moldes atuais são embrionários.

Há ainda reflexos para o patrimônio da União — hoje, a EBC detém cerca de R$ 400 milhões (vide gráfico acima). O histórico edifício A Noite, por exemplo, abandonado há oito anos na Praça Mauá, no centro do Rio, que abrigava a Rádio Nacional, também não chegou a ser leiloado conforme previsto no ano passado — a estimativa de arrecadação inicial era de R$ 90 milhões.

Edifício “A Noite”

A mudança de rota sobre o futuro da estatal, aliás, começou logo nos primeiros meses de governo, quando o então ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz, substituiu a palavra extinção por reestruturação. Desde então, prevalece no núcleo de comunicação do governo a tese de que a empresa deva passar por uma desidratação gradual de funcionários, inclusive por meio de um Plano de Demissão Voluntária (PDV), mas não mais extinta ou privatizada — há ainda implicações trabalhistas com concursados. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, é um entusiasta da tese de enxugá-la porque, afirma, ninguém compraria uma empresa deficitária de R$ 500 milhões por ano.

Uma rápida pesquisa no site da EBC informa que sua “missão” é “criar e difundir conteúdos que contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica das pessoas”, e como “visão, ser uma empresa de comunicação relevante para a sociedade”. Mas esse “conteúdo relevante” é bastante questionável, sobretudo se lembrarmos que quem arca com cada tostão dessa conta são os brasileiros pagadores de impostos.

Revista Oeste