Refinaria da Petrobras em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba: um dos desafios do governo é afastar ameaça de intervenção na economia - Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo
Destravar o crescimento da economia em 2021 vai exigir um grande esforço do governo. Não bastasse o ritmo tímido na vacinação contra a Covid-19, o lento caminhar das reformas e o avanço da inflação, um novo componente foi acrescentado na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro: o anúncio na troca do comando da Petrobras e a ameaça de intervenção nos preços da energia.
“Esta interferência pesa muito na economia: ao aumentar o risco na economia brasileira, contribui para aumentar o dólar e a taxa de juro, aumentando a inflação e pressionando negativamente o PIB”, diz Álvaro Bandeira, economista-chefe do banco Modalmais.
Isto ocorre em um cenário de perda de confiança na economia por parte de consumidores e empresários. Os números começaram o ano em queda.
Um dos retratos dessa perda de dinamismo na economia está nas projeções que as instituições financeiras fazem para o crescimento da economia em 2021. As estimativas coletadas pelo Banco Central (BC), no relatório Focus, sinalizavam, no início de fevereiro, para uma expansão de 3,5% do PIB. A última previsão, divulgada no começo desta semana, apontava para 3,29%, segundo a mediana das instituições consultadas.
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo sinalizam que este início de ano está mais fraco, com perspectiva de retração do PIB no primeiro trimestre. “O fim do auxílio emergencial coincidiu com um início de ano marcado por uma piora no quadro da Covid”, aponta José Pena, economista-chefe da Porto Seguro Investimentos. E o aumento da inflação agrava esse cenário, complementa Bandeira.
Confira a seguir quatro desafios para destravar a economia brasileira em 2021:
1) O ritmo da vacinação
Um dos principais fatores que inibe uma expansão com maior vigor da economia brasileira é o ritmo da vacinação, mesmo considerando a alta capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS). Até o dia 22, segundo o site Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido), o Brasil tinha vacinado 3,27% da população, cerca de um quinto da taxa do Chile, por exemplo.
Relatório do Itaú divulgado a clientes no dia 12 aponta que a campanha de vacinação está avançando no Brasil, mas ainda existem riscos relacionados à disponibilidade, logística e, principalmente, à eficácia das vacinas contra novas cepas.
“A chegada de novas doses permite uma redução no número de novas mortes – que voltaram aos níveis máximos de 2020 no mês passado – e uma recuperação tanto do lado da oferta, quanto da demanda. Se for bem sucedido, o processo de vacinação deve abrir uma janela de oportunidade em 2021”, escrevem os analistas do banco.
Enquanto este cenário não muda, persistem incertezas sobre a economia. Thiago Xavier, analista da Tendências, aponta que a combinação de dificuldades com a vacinação, a evolução da Covid-19 e a adoção de novas medidas ajudam a criar um ambiente de desconfiança, impactando negativamente no PIB.
O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, complementa, afirmando a que pandemia é o grande elemento que compõe as expectativas negativas em relação à economia neste início de ano.
“Fica-se mais em casa, há um fluxo menor de pessoas circulando. E com isso a economia sofre mais”, diz. Ele aponta, também, que, como reflexo disso, o mercado de trabalho está se recuperando muito lentamente.
A consultoria projeta queda no PIB nos dois primeiros trimestres do ano, comparativamente aos anteriores. “Quando houver mais vacina disponível, a situação melhora. O SUS tem uma estrutura pronta para a imunização”, diz Vale.
2) A necessidade de avançar nas reformas e privatizações
Um dos alívios a esse cenário poderia vir da manutenção da agenda de reformas e privatizações, apontam analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Um dos impactos positivos, de acordo com Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, seria dar um pouco mais de dinamismo à economia. “Os benefícios não são imediatos, mas a execução delas seria um bom sinal”, aponta Pena.
Segundo a Ágora Investimentos, a aprovação de uma PEC Emergencial ambiciosa por parte do Congresso seria um “risco positivo”, permitindo que a equipe econômica promova cortes de mais de R$ 30 bilhões em gastos obrigatórios e/ou uma redução significativa de benefícios fiscais.
Outro fator positivo, segundo a corretora, seria a aprovação da reforma administrativa e/ou tributária ainda neste ano. Só em relação à reforma administrativa, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (Ipea) estima uma economia de 4,3% do PIB em dez anos, incluindo estados e municípios.
Enquanto isso não for solucionado, a delicada situação fiscal vai funcionar como trava à expansão da economia brasileira. A relação entre dívida pública e PIB está em quase 90%, segundo o Banco Central. É o maior patamar da série histórica, iniciada em dezembro de 2006. “Medidas que ameaçariam o limite de gastos devem ser vistas como riscos à economia”, aponta a Ágora Investimentos.
Manter esta situação implica em deixar o câmbio pressionado. “Aumentam as incertezas e a percepção de risco”, diz Pena.
Os economistas apontam que o espaço para resolver os problemas fiscais está ficando cada vez mais curto. 2022 é ano de eleições e o apetite por ajuste fiscal e medidas impopulares deve cair muito.
Vale, da MB Associados, avalia que a agenda fiscal está mal encaminhada. “As soluções propostas servem de tapa-buraco”, diz. E para complicar a situação, ele lembra que o ministro da Economia, Paulo Guedes, está em uma posição frágil no momento, principalmente após a decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de trocar o comando da Petrobras.
3) Conter o aumento da inflação
Outro desafio que impacta sobre o nível de atividade econômica é o aumento nos preços. O IPCA – a inflação oficial – acumulado em 12 meses passou de 1,88% em maio ao ano passado para 4,56% em janeiro. “Este cenário cria um desestímulo principalmente para o comércio e os serviços”, diz Bandeira, do banco Modalmais.
Uma série de fatores explica a alta. Uma delas é o choque de commodities, registrado nos últimos meses. A China, principal comprador, voltou às compras com vigor. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o PIB do país asiático crescerá 8,1% neste ano, o maior ritmo desde 2011.
Outro fator que impactou negativamente nos preços foi a carência de insumos e matérias-primas nos últimos meses.
O aumento das incertezas e das pressões também vem impactando o dólar, o que acaba se refletindo nos preços. Do início do ano até sexta-feira (26), a moeda norte-americana subiu 6,4% em relação ao real, segundo a cotação média calculada pelo Banco Central. “E isto ocorre em um cenário de alta nos preços das commodities, o que, em tese, favoreceria a valorização da moeda brasileira”, ressalta Vale.
Este cenário de pressão inflacionária deve levar a um aumento na taxa básica de juros. O último relatório Focus sinaliza que a Selic chegará a 4% ao ano no final de 2021. Atualmente está em 2%.
Além de inibir investimentos e deixar menos atrativo o consumo, o juro em alta pode tirar o fôlego de um dos setores que vinha com bastante fôlego, a construção civil. No ano passado, segundo dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil, as vendas de imóveis residenciais cresceram 9,8%. “Com a tendência de alta no juro, muita gente pode acabar antecipando os negócios”, diz Vale.
4) Afastar a ameaça de intervenção do governo na economia
O anúncio da mudança no comando da Petrobras e o medo de interferência do presidente Jair Bolsonaro no comando da estatal, com receio na alteração da política de preços, acentuou a cautela no mercado.
"Ainda que Bolsonaro tenha dito que não irá intervir no preço da Petrobras, o discurso dele torna-se populista quando se vale de uma tentativa de colocar o povo como explorado. Ao afirmar que não vai interferir, e adiciona um ‘mas’, ele está, logicamente, justificando sua interferência, o que implica em uma incoerência", explica Sanchez.
Segundo ele, o discurso do presidente vai além do combustível e se vale de uma lógica intervencionista, que remete a um passado de grandes interferências nos comandos e preços das estatais, com grandes prejuízos para empresa e nação.
Sérgio Vale, da MB Associados, diz que medidas intervencionistas tendem a afetar o investimento e coloca dúvidas sobre a realização de reformas. Também criam desconfiança em relação a possíveis interferências em outros setores. “Perde-se o chão de um ajuste técnico”, diz.
Vale lembra, também, que uma contenção de preços hoje significa uma inflação mais elevada mais adiante. Foi o que ocorreu no governo Dilma Rousseff: a tentativa de segurar preços de combustíveis e de energia elétrica segurou a inflação num momento, mas depois desembocou em forte alta de preços.
Vandré Kramer, Gazeta do Povo