sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

"Um liberal no poder", por Branca Nunes

Os acertos são traduzidos em números. Em 2015, o déficit era de R$ 2,5 bilhões. No fim de 2020, havia quase R$ 14 bilhões em caixa




“Ter foco é essencial para uma empresa ou profissional.” Assim começa a didática exposição de Romeu Zema no vídeo divulgado durante a campanha eleitoral de 2017, que acabaria por elegê-lo governador de Minas Gerais, no segundo turno, com quase 72% dos votos válidos. “Tanto é que não existe farmácia que vende cimento, nem mercearia que vende trator. E você também não vai encontrar engenheiro advogado. Cada um, quando muito, consegue ser bom naquilo em que se especializou.”

Pedagogicamente, o empresário que resolveu aventurar-se na política aplica ao poder público a lógica da iniciativa privada. “Esse mesmo raciocínio vale para o governo”, diz. “Não há como um governo ser eficiente quando ele faz extração de petróleo, refino e distribuição de combustível. Quer operar bancos, produzir energia elétrica, distribuir correspondência e uma série de outras coisas.”

Feito o diagnóstico, Zema prescreve a receita. “Caso o governo focasse apenas em saúde, educação e segurança, que são suas grandes responsabilidades, ele já teria muito que fazer. Ir além, aventurando-se numa série de outras coisas é uma receita certa para o desastre”, afirma. “As empresas estatais, ao contrário do que falam os políticos, não são estratégicas e muito menos dos brasileiros. São deles e servem aos seus interesses. O que aconteceu na Petrobras é um exemplo claro.”

A referência à maior estatal do país fez com que o vídeo voltasse a circular na última semana, depois que Jair Bolsonaro demitiu o presidente da empresa após mais um aumento no preço dos combustíveis provocado por oscilações no mercado internacional de petróleo. Saiu o economista Roberto Castello Branco, entrou o general Joaquim Silva e Luna. A decisão foi bastante criticada por evocar um equívoco frequente:  misturar uma boa dose de interferência estatal com generosas pitadas de populismo.

“Você já parou para pensar que, caso a Petrobras fosse privatizada, o preço da gasolina poderia cair 30%?”, pergunta  Zema no vídeo. “Viu só? Faz os preços caírem e torna os produtos e serviços mais acessíveis a todos. Só é ruim para os políticos, que não terão mais onde colocar seus apadrinhados. Privatizar não é perigoso. Perigoso é continuar como está: com a raposa vigiando o galinheiro.”

Aos 56 anos, natural de Araxá, no Triângulo Mineiro, formado em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas de São Paulo, divorciado e pai de dois filhos, o hoje governador presidiu até 2016 o Grupo Zema, uma das maiores redes de lojas do Brasil. Em 2002, ao assumir parte da empresa, pôs em prática o que ensinou no vídeo que abre a reportagem. Eliminou algumas atividades do conglomerado — como farmácias, depósitos de material de construção, construtora, varejo de autopeças, concessionárias, fábrica de charretes e de cerâmica — e concentrou os negócios quase exclusivamente na venda de eletrodomésticos.

Para driblarem concorrentes de peso, como o Magazine Luiza, as lojas Zema dão prioridade a cidades com menos de 50 mil habitantes. Hoje, são cerca de 800 estabelecimentos distribuídos por dez Estados brasileiros.

Em 2018, Romeu Zema deixou o PR e filiou-se ao Novo, partido pelo qual disputou uma eleição pela primeira vez na vida. Começou a campanha com menos de 3% das intenções de voto. Derrotou adversários que pareciam poderosos, como o tucano Antonio Anastasia e o petista Fernando Pimentel, ambos ex-governadores. Parte da votação deve ser atribuída à onda Jair Bolsonaro.

Desde a posse, em 1º de janeiro de 2019, Zema reduziu o número de secretarias de 21 para 12 e extinguiu cerca de 4 mil cargos comissionados. A totalidade dos postos de confiança, incluindo o secretariado, foi preenchida por meio de processo seletivo realizado por uma empresa terceirizada.



“Fiz cortes de toda natureza”, contou, numa entrevista à revista IstoÉ publicada em fevereiro de 2020. No prédio onde fica localizado seu gabinete, por exemplo, havia nove elevadores, quatro deles de uso privativo do governador. Hoje, são três ao todo. A economia na energia elétrica atingiu R$ 1,2 milhão por ano. Enquanto Fernando Pimentel tinha 32 funcionárias para lhe servir no Palácio do Governo, Zema mora em sua casa e não gasta dinheiro público com empregadas domésticas. O ex-governador também contava com sete aeronaves à disposição. O atual vendeu parte delas e incorporou as outras às forças de segurança do Estado.

Esses acertos são traduzidos em números. Em 2015, o déficit era de R$ 2,5 bilhões. No fim de 2020, havia quase R$ 14 bilhões em caixa. Embora as receitas tenham aumentado nos últimos anos, as despesas do Executivo se mantiveram estáveis. Também não houve crescimento nos gastos com servidores na ativa.

Pandemia

O único hospital de campanha de Belo Horizonte, construído para tentar suprir possíveis demandas provocadas pela pandemia de coronavírus, custou R$ 5,3 milhões e foi desmontado em setembro de 2020 sem jamais ter sido usado. A iniciativa privada bancou 4,2 milhões — cerca de 80% do valor. “Em comparação com outras unidades, é um valor baixo”, observou Zema, numa entrevista a Oeste em maio passado. “Ajudou o fato de termos colocado os cadetes da Polícia Militar para construí-lo e fazer tudo sob orientação de técnicos.” Dos 768 leitos, 740 eram de enfermaria e 28 de estabilização. Ao contrário do que aconteceu na maioria dos Estados, os novos leitos de UTI foram criados em instalações permanentes.

De março de 2020 até hoje, o número de Unidades de Tratamento Intensivo foi ampliado de 2.072 para 4.095. Os leitos de enfermaria saltaram de 11 mil para mais de 20 mil. Atualmente, 70% das UTIs estão ocupadas, mas só 30% delas abrigam pacientes com covid-19.

O liberalismo nas escolas

Outra mudança foi a introdução de autores liberais no currículo das instituições de ensino estaduais. Desde agosto de 2020, os alunos do ensino médio são apresentados ao pensamento de Ayn Rand, autora de A Revolta de Atlas, e de Frédéric Bastiat, de O Que Se Vê e O Que Não Se Vê. Em contato com autores que dificilmente são mencionados em escolas brasileiras, jovens habituados a ouvir em sala de aula que o capitalismo é “do mal”, e o socialismo, “do bem” enfim começaram a descobrir que existem outras correntes de pensamento além da esquerda.

A Secretaria de Educação de Minas acredita que “o pluralismo de ideias é essencial para formar cidadãos com visão ampla e crítica” e que “o conhecimento se constitui também a partir da troca de experiências”. A adoção de autores liberais, portanto, se destina a “proporcionar o debate e a dialética em todas as áreas do conhecimento, ampliando, com isso, a pluralidade de saberes, sujeitos e concepções na prática pedagógica”.

Em 2019, Zema planejava a privatização da Codemig, da Copasa e da Cemig. Os entraves burocráticos o impediram de realizar alguma grande desestatização. Durante a campanha, ele prometeu usar sua experiência de empreendedor em favor de Minas Gerais. Seus atos confirmam que a promessa vem sendo cumprida. O governo nunca é o ideal. Mas suas ações, coerentes com as ideias, mostram ainda existir vida inteligente na leva mais recente de políticos.

Revista Oeste