sábado, 27 de fevereiro de 2021

"Urbanos, rurais e os demais", por Marcelo Tognozzi

Articulista aponta que há hoje 2 Brasis

Aquele que faz política pelas redes sociais

E o outro, fora das regiões metropolitanas

É essencial entender o país fora dessa bolha

Edilson Rodrigues/Agência Senado - 7.abr.2015


Numa época em que a cidade entendia o campo a partir do clássico “Coronelismo, enxada e voto”, do escritor Victor Nunes Leal, um moleque pobre de Viçosa, no interior de Alagoas, entrou para o PC do B em 1977. Seu pai era vaqueiro da fazenda do senador Teotônio Vilela. Aldo Rebelo mergulhou de cabeça na política. Passou pela Ação Popular antes de militar num partido que na época era clandestino. Três anos depois, em 1980, o comunista de Viçosa virou presidente da UNE. No início dos anos 1980, a política uniu o dono da fazenda e o filho do vaqueiro na luta pela redemocratização do Brasil. Teotônio morreu em 1983 e 5 anos depois o filho do vaqueiro fazia sua estreia nas urnas se elegendo vereador por São Paulo.

Aldo tem uma visão do país extremamente realista, distante dos delírios e da tempestade de bobagens que a todos assola cotidianamente pelas redes sociais. Em 2017, durante a comemoração do aniversário de um alagoano ilustre, um amigo perguntou por que ele deixara o PC do B. “Eu não aguentava mais. Queria discutir o Brasil, a questão da infraestrutura, da saúde, da garantia de escola para todos, e eles queriam uma outra pauta, que a meu ver não é prioritária. Decidi seguir meu caminho”, explicou.

Na última Quarta-Feira de Cinzas, na dolorosa abstinência forçada do Carnaval, meu amigo baiano (imagine a agonia de um baiano sem Carnaval!) Edson Barbosa publicou neste Poder360 um artigo sobre o pensamento de Aldo, esquentando o debate sério e qualificado sobre que país queremos construir. Em resumo, propõe pacificar o Brasil como caminho para destravar a economia e investir nas pessoas, naquilo que define como 5º Movimento.

Existem hoje 2 Brasis. Aquele que faz política pelas redes sociais, pregando uma pauta recheada de problemas absolutamente regionais e essencialmente ideológica, como as milícias do Rio ou as máfias de São Paulo. E um outro fora das regiões metropolitanas, onde esta narrativa não tem aderência. Neste outro Brasil estão nada menos que 2/3 dos votos. Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa, da Ciência e Tecnologia e ex-presidente da Câmara dos Deputados conhece esta realidade de cor e salteado.

Os candidatos que viraram o jogo e ganharam a eleição nos últimos 20 anos, foram aqueles focados em conversar, entender e conhecer o interior. Lula fez suas caravanas na campanha de 2002 e conquistou estes votos. Bolsonaro peregrinou pelo interior muito antes de ser percebido e admitido como possibilidade viável pela grande mídia e a Faria Lima. Quando acordaram, o capitão estava no segundo turno.

Vamos falar sério: ele não foi eleito por causa da facada ou do bate-boca nas redes sociais. Ganhou porque convenceu aquele Brasil que não sai no Jornal Nacional ou na novela, focado em produzir, criar seus filhos e melhorar de vida. A escola integral virou realidade faz tempo em muitas cidades deste Brasilzão, no Oeste da Bahia, Goiás ou Mato Grosso. O cidadão formado na zona rural acaba sendo bem diferente em pensamento e atitude daquele das periferias das metrópoles.

Transformar questões regionais do Rio ou de São Paulo em temas nacionais não seduz o eleitor de Sorriso, Lucas do Rio Verde, Gurupi, Porto Nacional, Rolim de Moura, São Gabriel, Cascavel, Pato Branco, Três Lagoas, Dourados, Rondonópolis, Balsas, Uruçuí ou Luís Eduardo Magalhães. Acreditar na possibilidade de convencer o eleitor brasileiro médio que a Amazônia é o futuro, só tem sentido se mudarmos o presente das pessoas fazendo um baita investimento em educação. Num país onde 47% do eleitorado se declara desempregado ou sem renda fixa, é um luxo falar em futuro da Amazônia para quem não sabe se vai conseguir almoçar.

É essencial entendermos o país a partir de um ponto de vista distinto, fora da bolha das regiões metropolitanas. Sem mudar o tom, a forma e o discurso, não será possível compreender e interagir com este Brasil emergente, dono dos votos decisivos na hora de escolher quem será o próximo a sentar na cadeira de presidente. A elite metropolitana vive um processo de decadência cultural e política, enquanto a do campo é emergente, cada vez mais influente, rica e bem educada.

Aldo fez sua carreira no PC do B e largou o partido insatisfeito com a pauta limitada e desfocada da realidade, filiou-se ao PSB e hoje está no Solidariedade. Veio da zona rural de Alagoas, família humilde, num tempo em que a rota de ascensão social dos meninos pobres passava pela política ou pelo Exército. Sua percepção do mundo traz esta a marca cultural de um estado tradicionalmente violento e uma sociedade hierarquizada pela força e pelo dinheiro.

Ainda não apareceram muitos políticos ou partidos com propostas claras e objetivas, focados em debater os rumos do país. O PSDB acaba de lançar suas propostas para o Brasil pós-pandemia, pregando mudanças profundas e estruturais na organização do Estado. Toda contribuição é importante num momento em que a pandemia virou o mundo de pernas para o ar e temos de repensar o país, nosso estilo de vida e valores. Ou será que vamos continuar lavando roupa suja e batendo boca nas redes sociais num eterno looping de bobagens que não resolvem a vida de ninguém?

Correção – No artigo da semana passada me referi a um vídeo do ministro Alexandre de Moraes com críticas ao Supremo que circula pela internet. O vídeo, conforme pude comprovar, é fake. O ministro aparece lendo o trecho de um processo durante audiência do STF. Esta parte foi editada para dar a impressão de que Moraes criticava o tribunal.


Poder360