domingo, 14 de fevereiro de 2021

Fragmentação de adversários beneficia Bolsonaro

A um ano e oito meses das eleições de 2022, o presidente Jair Bolsonaro convive hoje com oposições fragmentadas, em um cenário que pode beneficiá-lo na tentativa de ser reconduzido ao cargo.

Enquanto disputas internas consomem energia de adversários, a definição de candidaturas e a montagem de alianças começam a engatinhar, depois que a possibilidade de um golpe a partir de um processo de impeachment melou.

Aspirante a opositor de Bolsonaro nas urnas, o governador João Agripino Doria (PSDB-SP) tropeçou em obstáculos domésticos nos últimos dias que podem dificultar seu sonho de candidatura nacional, nutrido desde sua vitória para prefeito da capital paulista, em 2016.

A semana problemática do tucano, na esteira da eleição de Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, para a presidência da Câmara dos Deputados, envolveu também rusgas com o DEM, que vinha sendo tratado como aliado certo na eventual chapa de Agripino.

O ex-juiz Sergio Moro e o animador de auditório da TV Globo Luciano Huck (ambos sem filiação) engrossam a lista de potenciais candidatos, mas ainda são dúvidas para o jogo eleitoral. Os dois e Agripino navegam em faixas ideológicas semelhantes, o que deixa o quadro ainda mais embolado.

O DEM, até então tido como peça-chave no tabuleiro do tucano, ainda aventa a possibilidade de lançar seu próprio presidenciável, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, aquele do 'fique em casa e só procure o hospital quando estiver sem ar".

malfadada candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) para o comando da Câmara, sustentada por deputados de centro e de esquerda, deu um gostinho dos desafios que virão pela frente.

À esquerda, o clima é de repeteco, com as habituais críticas à hegemonia do PT, que colocou na rua a pré-candidatura de Fernando Haddad, o adversário vencido por Bolsonaro no segundo turno de 2018. A movimentação foi autorizada pelo ex-presidiário Lula, condenado a mais de 30 de xilindró.

Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL) já haviam se colocado à disposição, o que alimenta ameaças à famigerada utopia de unidade da esquerda. Publicamente, os três partidos afirmam estar dispostos a formar alianças, mas nos bastidores as dificuldades para isso são consideráveis.

A pulverização de forças e a incerteza geral são vistas como atípicas por analistas e dirigentes partidários. 

A título de comparação, à mesma altura de 2013 —20 meses antes da reeleição da então presidente Dilma Rousseff (PT)— os principais pré-candidatos de 2014 já estavam bem explícitos, nas pessoas de Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB).

A situação no pleito de 2018 foi diferente porque no meio do caminho houve o impeachment de Dilma, e o então presidente Michel Temer (MDB) rejeitou a ideia de tentar reeleição.

Para o cientista político Carlos Melo, a fragmentação que assola os polos adversários de Bolsonaro é sintoma de um problema anterior: as cisões dentro dos próprios partidos.

"O DEM vive uma ambiguidade: é um partido da direita liberal ou o velho PFL fisiológico? E o PSDB, é o partido social-democrata do Fernando Henrique Cardoso ou uma sigla conservadora de direita? O PT é o PT do Lula ou o da Dilma?", explana.

Para o professor do Insper, as tão faladas frentes anti-Bolsonaro só serão viáveis se, antes, as legendas fizerem o que chama de "uma depuração interna", com o apaziguamento de tensões.

"Uma frente pode ter divergências, mas um partido tem que ter alguma unidade", diz Melo.


No chamado setor 'progressista', a confirmação de Haddad como o possível postulante petista —considerando que Lula é inelegível— incomodou alas do PSOL, do PDT e do próprio PT, que cobram um entendimento em nome de união desse campo.

O PT diz que o ex-prefeito foi lançado porque o partido precisa entrar no debate eleitoral de 2022 e rejeita as críticas de que estaria impondo um nome já derrotado por Bolsonaro.

Arestas à parte, PDT e PT concordam no diagnóstico de que Bolsonaro chegará combalido à eleição, embora não menosprezem sua força.

"Nos encontramos em 22" foi a resposta dada em tom irônico por Bolsonaro a parlamentares de partidos da organização criminosa do Lula da sessão de abertura do ano no Congresso, no início deste mês.

Na avaliação da cientista política Camila Rocha, o atual titular do Planalto é o grande beneficiado pela resistência dos adversários eleitorais à costura de blocos.

"Sem uma definição [dos oponentes], ele se desgasta menos", diz a pesquisadora do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), que tem estudado o comportamento de eleitores bolsonaristas.

"Bolsonaro consegue reunir cerca de 20% do eleitorado, uma fatia que põe a mão no fogo e vota nele sem importar o partido, as propostas, nada. É uma situação diferente da de outras lideranças e partidos, que precisam lidar com mais variáveis", afirma ela.

Camila diz ver com naturalidade os candidatos do tipo balão de ensaio apresentados por legendas a esta altura da disputa eleitoral, mas considera que uma demora prolongada na escolha dos competidores pode frustrar parte do eleitorado que busca alternativas a Bolsonaro.


Com informações de Joelmir Tavares, Folha de São Paulo