Novo secretário de Desestatização do governo afirma que agenda de privatizações será, finalmente, destravada e faz um raio X inédito dos imóveis 'esquecidos' da União
O ano de 2020 terminou com a sensação de que a prometida agenda de privatizações de empresas estatais estacionadas no tempo e onerosas à União fracassou. A saída de Salim Mattar da Secretaria Especial de Desestatização do Ministério da Economia caiu como uma ducha fria para o mercado. Agora, quem assume o posto é o engenheiro Diogo Mac Cord de Faria, mestre em administração pública pela Universidade Harvard, avaliado por líderes no Congresso Nacional como um dos mais promissores nomes da área econômica do governo Jair Bolsonaro.
Mac Cord conversou com a Revista Oeste na última quarta-feira, 10. Acompanhe os principais trechos da entrevista.
Houve decepção com o ritmo lento de privatizações desde o início do governo. O que o senhor conseguirá fazer que Salim Mattar não conseguiu?
Ficou para as pessoas a sensação de que pouco andamos, mas é preciso explicar passo a passo como isso funciona, até porque os estudos de privatização são longos e o processo entre a tomada de decisão e a publicação do edital leva de dois anos a dois anos e meio no Brasil. Primeiramente, é feita a avaliação de quais empresas podem entrar no Plano Nacional de Desestatização (PND); isso é aprovado por um conselho de ministros, depois passa pelo crivo do BNDES, que é o gestor do PND e o responsável pela abertura da licitação para contratar consultorias e auditores. São eles que tiram os esqueletos do armário. Por que isso é importante? Porque já tivemos casos de venda de empresas em que, depois de cinco anos, os investidores descobriram os esqueletos, dívidas não contabilizadas.
O senhor tem um exemplo desses “esqueletos no armário”?
A Eletropaulo. Foi necessário o pagamento de R$1 bilhão para a Eletrobras por uma dívida anterior à privatização.
Depois das auditorias, qual é o desfecho do processo?
Depois dessa etapa, ainda há o processo de valoração da empresa, que tem de passar pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para homologação — e eles não apenas carimbam, mas fazem recomendações que devem ser consideradas. Temos ainda de abrir aos investidores um data room [sala com documentos sobre transações e a saúde financeira da empresa] com todas as informações confidenciais, com tempo razoável de cem dias para que as próprias equipes interessadas na compra façam mais perguntas até apresentar o lance. Isso sem falar na judicialização, algo comum para a turma da esquerda, que recorre à Justiça para travar o processo. Ou seja, demora — e é natural que demore. No setor privado, a coisa anda com mais celeridade porque não tem, por exemplo, o TCU. Essa é a má notícia. O Salim Mattar fez um trabalho excepcional, ele colocou as empresas no PND e iniciou os estudos de desestatização. Agora é hora de colher. Neste ano, teremos editais importantes na praça e tudo vai correr mais fácil.
Quantas empresas estão no PND, aptas para desestatização?
Temos 11 empresas no PND, mas avaliamos 20. Temos outros processos correndo paralelamente, como os Correios, que não estão no PND, mas cujo estudo do marco postal já andou porque precisávamos apresentá-lo ao Congresso antes de sugerir a privatização. Precisávamos regulamentar a universalização do marco postal com antecedência. Outro caso é a união da EPL [empresa do “trem-bala”] com a Valec [empresa pública de ferrovias], que não estão no PND, mas estão em avaliação de fusão para ganhar eficiência; assim, eliminam-se o conselho fiscal, o conselho de administração, a sede administrativa e muitos funcionários.
Qual é o modelo ideal para a privatização dos Correios, levando-se em conta as particularidades regionais do país e o crescimento vertiginoso do e-commerce?
Os Correios hoje têm mais de dois terços do faturamento concentrado no Sul e Sudeste. Há um subsídio cruzado grande. Existem alternativas para a modelagem. Por exemplo: o conceito de agência social, no qual a população consegue acessar os serviços do Estado. O governo mantém inúmeras agências sociais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, os Correios e as lotéricas; então, talvez, não seja preciso tudo isso: podemos juntá-los e reduzir o custo e o ganho de eficiência. No limite, nem precisamos de agência física, podemos ter um desenho de parceria com o comércio local ou com a prefeitura para unificar o serviço. Outro detalhe importante: os Correios são monopolistas e, inclusive, judicializaram alguns casos, como os das empresas de energia elétrica, que são obrigadas a encaminhar a conta de luz para as casas somente por meio deles. Se vendermos a empresa inteira, encerraremos esse monopólio.
Mas não é fácil enfrentar a barreira do funcionalismo público, muitas vezes até verticalizado na administração estatal desde Brasília…
A grande diferença do funcionário público para o funcionário privado é simples: o privado tem salário aderente ao que gera de valor para a empresa. Se ele achar que está sendo subvalorizado, diz ao empregador que ganha pouco e aí haverá uma decisão. Se, de fato, está sendo desvalorizado, ganhará um aumento. Se o patrão achar o contrário, boa sorte para o empregado, que terá de procurar outro emprego. Na esfera pública, o cidadão passa num concurso e ganha aumento real ano a ano sem testagem de valor. Há milhares de pessoas no setor público ganhando muito sem serem avaliadas porque não podem ser demitidas. Basta ver que 98% dos funcionários na administração pública são avaliados com nota máxima. Pasme! Que avaliação é essa? Uma vez concursado, ganha-se o direito adquirido de título de nobreza, como condes e barões que vão levar os salários para o resto da vida.
Isso sem contar os fundos de previdência dessas estatais.
A reforma da Previdência atingiu a administração direta, mas os planos de pensão das empresas públicas não foram atingidos. Falo de planos de previdência cheios de escândalos de corrupção, utilizados politicamente, como Postalis (Correios), Previ (Banco do Brasil), Fundação Real Grandeza (Furnas), todos eles. Ano após ano, pagamos os déficits desses fundos. Trata-se de um buraco de R$ 49 bilhões nos fundos de previdência das empresas públicas. Nesses fundos de pensão, a gente paga metade da conta, mas o carteiro paga a outra metade. Mesmo no plano de benefício definido, ele acha que ia ganhar 5, mas passou a ganhar 4 por causa das falcatruas e nem sabe. Ele ganha menos e a gente paga ainda mais. O carteiro foi roubado pelos oportunistas. Já no setor privado, ele receberia uma aposentadoria ou plano de previdência privada com gestão profissional e, no limite, poderia até fazer a portabilidade com liberdade para onde quisesse.
Uma mística difícil de reverter é a de que a privatização desemprega. O senhor concorda?
Sobre emprego, veja o que aconteceu com todas as empresas privatizadas até hoje: Embraer, Vale ou Companhia Siderúrgica Nacional [CSN]. Agora elas empregam muito mais. A Vale tinha 15 mil funcionários e agora tem 70 mil. A Cedae [Companhia Estadual de Águas e Esgotos] do Rio de Janeiro tem 5 mil funcionários. Pós-privatização, estimamos que receberá R$ 30 bilhões de investimentos, com geração de 60 mil empregos só na construção civil. É uma empresa que não investe nada hoje em dia. Com o novo marco do saneamento, se todos os governadores decidirem privatizar os serviços até 2033, serão promovidos 700 mil empregos na construção civil.
No guarda-chuva de sua pasta também estão imóveis da União abandonados ou subutilizados. O senhor tem um diagnóstico?
São duas subsecretarias: uma cuida das estatais e a outra do patrimônio imobiliário. Temos hoje em torno de R$ 1,3 trilhão em imóveis no Brasil. E isso ainda é subavaliado. No Distrito Federal, fizemos um ‘projeto-piloto’ [teste] de regularização fundiária que, contabilmente, renderia R$ 70 milhões em glebas, mas estamos levantando R$ 700 milhões. Vou ao Rio de Janeiro conversar com o prefeito Eduardo Paes (DEM) e já estive em São Paulo. O fato é que nunca ninguém fez nada com essas áreas federais, que acabaram invadidas. Muitas delas foram tomadas por comunidades com 100 mil pessoas que não vão sair mais dali. A regularização fundiária pode dar título de posse a essas pessoas, que decidirão se querem vender os terrenos, reformar as casas mediante crédito bancário — enfim, cada um decidirá o que quer fazer com direito de livre escolha. Veja quanto se destravará. Favela vale o quê? Nada. Mas, se dermos a propriedade ao cidadão, movimentaremos o setor imobiliário e a regularização social dará um choque na construção civil. Precisamos ser sócios de um país próspero e não donos de um país pobre. Porque somos donos de um terreno com valor travado. Todos ganham com desenvolvimento econômico.
Mas o que acontece em áreas mais nobres?
Quem pode pagar, quem não é de baixa renda e está em áreas caras, quem ergueu prédios em regiões ricas, esses terão de pagar. Nunca houve interesse em vender nada por causa da corrupção; as vendas eram feitas com a ajuda de cartórios, com matrículas frias, é a grilagem na caradura. No dia 1º de outubro do ano passado, regulamentamos um programa de proposta de aquisição de imóveis (PAI). O que isso significa? O cidadão pode entrar no site https://imoveis.economia.gov.br, baixar a lista com todos os imóveis disponíveis e fazer uma proposta. Não precisa mais esperar que a gente os coloque à venda. O interessado contrata o seu laudo e devolve com o valor sugerido. Publicamos um edital e acontece o famoso ‘alguém dá mais’? Se sim, o valor do laudo de avaliação volta para quem o pagou. Nesses quatro meses, foram 400 propostas de aquisição, num total de R$ 1,5 bilhão. Nunca essa base de dados de imóveis disponíveis foi tornada pública. Por quê? Porque até então eram vendidos por fora.
A proposta de criar um fundo para resolver essa questão dos imóveis é mesmo factível?
Para não ir na linha do varejo, temos um projeto com glebas gigantescas e ninguém tem um cheque de R$ 1 bilhão à mão. A ideia é integralizar tudo num fundo e vender cotas.
Por fim, o senhor acha mesmo que terá respaldo no Congresso para tocar toda essa agenda?
Existe a crença de que políticos não gostam de privatizações. Mas, por exemplo, até os governadores que achavam ruim a concessão de serviços para resolver o saneamento agora estão batendo à porta do BNDES. Alagoas é o melhor exemplo: um Estado com péssimo saneamento básico, com línguas de esgoto desaguando num mar caribenho. Com a concessão do serviço da região metropolitana de Maceió, vão acabar com o problema de saúde pública, dar um choque de turismo e gerar empregos. São R$ 2 bilhões de investimentos que chegaram aos cofres do governo. Um golaço. Agora todo mundo quer.
Revista Oeste