O avanço da guerra cultural em todas as áreas da vida é — para usar um termo caro aos 'empoderados' — exaustivo
Jardinagem é racista? Essa é a questão sobre a guerra cultural britânica que o Twitter ponderava no mês passado, depois que o apresentador e etnobotânico do programa da BBC Countryfile, James Wong, disse que “a cultura de jardinagem do Reino Unido tem racismo embutido em seu DNA”.
Citando as próprias experiências em horticultura, Wong disse que os pedidos de “flores silvestres” que estão “mais de acordo” com determinada área são “baseados em ideias frequentemente inconscientes do que e quem pertencem ao Reino Unido”.
“Esse é o tipo de merda exaustiva que você tem de passar todos os dias se trabalha na horticultura do Reino Unido”, ele continuou. “A menos, é claro, que você internalize essas ideias não questionadas (muitas vezes inconscientes) que são baseadas em grande parte em um alicerce de xenofobia e racismo.”
Essa palavra, exaustivo, surge muito no discurso empoderado. Mas também é uma boa descrição de como a grande maioria de nós se sente quando debates como esse surgem do nada a cada dois dias.
Curiosamente, esta não é a primeira vez que Countryfile foi arrastado para a guerra cultural. Em junho do ano passado, um quadro do programa explorou se o interior da Grã-Bretanha era um “ambiente branco” — uma grande surpresa.
Nesse ponto, parece que nenhuma área da vida está a salvo do incessante questionamento “o BRANCO é racista?”. Nos últimos anos, tudo, desde arroz para micro-ondas até brancos que usam trancinhas, gerou dias de discussões absurdas. É como se alguém, em algum lugar, estivesse apenas escolhendo tópicos de uma cartola.
Evidentemente, trata-se de temas que ocupam mentes da classe média alta europeia e norte-americana. Mas certamente logo mais aparecerão no Brasil, na pauta de discussões de escolas do ensino médio da zona oeste paulistana e da zona sul carioca, bem como em cursos de ciências humanas em universidades “de prestígio”.
Enquanto certas áreas da vida estão cada vez mais sendo consideradas atrasadas, manchadas por um determinado mal histórico ou alegado preconceito contemporâneo, outras aparentemente são reivindicadas e transformadas em forças progressistas.
Há poucas semanas, o jornal The New York Times publicou um destaque sobre homens que costuram. Esses costuradores — “o termo cada vez mais popular de gênero neutro”, informa-nos o principal jornal da América — estão “ansiosos para quebrar os estereótipos de gênero”.
O esporte profissional — uma área da vida que muitos antes consideravam impenetrável ao murmúrio identitário — também foi mergulhado em debates impetuosos sobre joelhos e coisas do gênero nos últimos anos, mais recentemente no Reino Unido, com o agora infame incidente de Millwall (quando a torcida do time citado vaiou o time por ajoelhar em campo antes da partida, lembrando a morte do americano George Floyd, meses atrás).
Essa politização de absolutamente tudo é ruim para a política e para a cultura.
O que é apresentado como desafiador é apenas rígido e conformista
Muito do que passa por política antirracista hoje em dia são apenas argumentos fúteis sobre linguagem, interpretação cultural e ofensa. A ideia de que a descolonização da horticultura melhorará materialmente a vida das pessoas de minorias étnicas é, para avaliar educadamente, maluca — mas é nisso que muitas pessoas influentes acreditam.
Enquanto isso, à medida que essas disputas afligem cada vez mais áreas da vida cultural e política, o público vê negado qualquer alívio do tipo de intimidação identitária que há muito desempenha um papel desproporcional em nossa política.
É claro que política, cultura e esporte nunca foram hermeticamente isolados um do outro. A arte sempre lidou com ideias políticas e os eventos esportivos muitas vezes foram palco de declarações políticas e controvérsias.
A diferença hoje é que versões das mesmas ideias de sinalização de virtude estão apenas sendo repetidas, ad nauseam, em toda parte. E o que muitas vezes é apresentado como contemporâneo e desafiador, muitas vezes é apenas rígido e conformista.
Além do mais, a mensagem subliminar de tudo isso é que as pessoas são preconceituosas e ignorantes e devem ser “educadas” em todas as oportunidades possíveis — seja durante um anúncio de lâmina de barbear ou num baile de formatura.
A questão não é que a arte e a cultura estão sendo politizadas, mas usadas para transmitir o que as elites identitárias consideram ser a mensagem correta, da maneira correta, sangrentamente o tempo todo, praticamente sem espaço para dissidência.
A discussão por causa da atitude dos fãs do Millwall é um exemplo disso. O fato de os torcedores vaiarem jogadores que se ajoelharam, mas na partida seguinte aplaudirem os mesmos atletas exibindo uma faixa antirracista, sugere que o público se ofendeu com o Black Lives Matter (o movimento sinônimo de se ajoelhar), em vez de ter exibido um suposto racismo no primeiro episódio.
Ainda assim, por não terem mostrado fidelidade ao novo movimento que estabelece normas para quem quer ter animais de estimação, as mesmas pessoas podem vir a ser consideradas um bando de racistas apenas por reflexo.
Essa, para se adaptar à formulação de Wong, é a merda pela qual você tem que passar se liga a TV, se acomoda para assistir ao jogo ou dá uma olhada nas redes sociais hoje em dia. É exaustivo. E as pessoas normais se cansaram.
Tom Slater é editor-adjunto da revista Spiked. Siga-o no Twitter: @Tom_Slater_
Revista Oeste