Diversos municípios no país, dentre os quais São Paulo, estão concedendo reajuste dos subsídios de seus agentes públicos, em fim de gestão.
Só no município de São Paulo foram 46% por cento de aumento.
Lembre-se que a União Federal ofereceu contrapartida a ajuda financeira destinada a diversos órgãos da federação.
Algumas proibições foram determinadas.
As proibições, até 31 de dezembro de 2021, incluem a concessão de aumentos salariais “a qualquer título” – como consta da recente Lei Complementar 173, que rege a ajuda dada na pandemia.
Dita o artigo 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal, com a redação dada pela Lei Complementar 173/2020:
Art. 21. É nulo de pleno direito: (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
I – o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:
a) às exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar e o disposto no inciso XIII do caput do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição Federal; e (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
b) ao limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
II – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20; (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
II – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
IV – a aprovação, a edição ou a sanção, por Chefe do Poder Executivo, por Presidente e demais membros da Mesa ou órgão decisório equivalente do Poder Legislativo, por Presidente de Tribunal do Poder Judiciário e pelo Chefe do Ministério Público, da União e dos Estados, de norma legal contendo plano de alteração, reajuste e reestruturação de carreiras do setor público, ou a edição de ato, por esses agentes, para nomeação de aprovados em concurso público, quando: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
a) resultar em aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo; ou (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
b) resultar em aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder Executivo. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
§ 1º As restrições de que tratam os incisos II, III e IV: (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
I – devem ser aplicadas inclusive durante o período de recondução ou reeleição para o cargo de titular do Poder ou órgão autônomo; e (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
II – aplicam-se somente aos titulares ocupantes de cargo eletivo dos Poderes referidos no art. 20. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
§ 2º Para fins do disposto neste artigo, serão considerados atos de nomeação ou de provimento de cargo público aqueles referidos no § 1º do art. 169 da Constituição Federal ou aqueles que, de qualquer modo, acarretem a criação ou o aumento de despesa obrigatória. (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
O ato, pois, é nulo de pleno direito por se contrapor a lei reforçada que expõe princípio constitucional estabelecido.
Originariamente, o artigo 21 compunha-se pelo caput, disciplinando os casos em que o aumento da despesa de pessoal seria considerado nulo de pleno direito e não atendesse aos cuidados empregados às despesas de caráter continuado, como também aos comandos do inciso XIII do artigo 37 e do §1º do artigo 169, ambos da Constituição Federal. Acrescente-se que se exige que o limite de despesas de pessoal não supere os limites de comprometimento da folha de inativos — dispositivo ainda não definido.
As alterações desse artigo 21 vão bem mais longe no estabelecimento dos freios impostos à observância aos limites de gastos de pessoal previstos inicialmente.
O inciso II agora incluído iguala-se ao proscrito parágrafo único, ou seja, considera, também, nula de pleno direito a expedição de ato que aumente despesa de pessoal nos últimos 180 dias “anteriores ao final de mandato de titular do respectivo poder ou órgão referido no artigo 20” da LRF.
O inciso III diz que é nulo de pleno direito aquele ato “de que resulte aumento de despesa de pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de poder ou órgão referido no artigo 20”.
O inciso IV segue na mesma linha, para considerar, também, nulo de pleno direito a edição ou a sanção de lei que altera, reajusta ou estrutura carreiras, incluindo nomeação de aprovados em concurso público. Assim constata-se que a vedação alcança os titulares de poderes e órgãos.
Desde já a Lei de Responsabilidade Fiscal oferece, outrossim, impeditivo.
Observe-se o tipo normativo abaixo:
ORDENAR A ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NOS DOIS ÚLTIMOS QUADRIMESTRES DO ÚLTIMO ANO DE MANDATO OU DE LEGISLATURA CUJA DESPESA NÃO POSSA SER PAGA NO MESMO EXERCÍCIO FINANCEIRO OU CASO SEJA PAGA NO EXERCÍCIO SEGUINTE, QUE NÃO TENHA CONTRAPARTIDA SUFICIENTE DE DISPONIBLIDADE DE CAIXA(ARTIGO 359 – C DO CP)
É crime próprio, formal, instantâneo e de perigo abstrato.
No crime em análise quer-se evitar que o administrador transmita despesa sua ao futuro ocupante do cargo. Logo, a primeira pare do tipo penal tem por finalidade abranger a assunção de dívida, que não será paga no mesmo exercício, sendo complementada pela segunda parte, voltada a garantir que a dívida, caso reste para o exercício seguinte, ao menos tenha previsão de caixa suficiente para satisfazê-la. Enfim, o artigo 359 – B do Código Penal tem por fim moralizar a passagem do funcionário, a fim de que gaste aquilo que pode e está autorizado em lei.
O entendimento é de que deve ser considerado todo o estoque de dívida existente em 30 de abril, independente do exercício em que foi gerada. Desse montante, identifica-se o valor vencido e a vencer até 31 de dezembro, para fins de projeção da disponibilidade de caixa naquela data, levando em consideração que, pela exigência legal da observância da ordem cronológica de vencimento, estes valores deverão ter prioridade de pagamento em relação aos novos compromissos a serem assumidos.
Pode-se elidir a culpabilidade, comprovando-se a presença de inexigibilidade de conduta diversa.
O Anteprojeto do Código Penal prevê esse tipo penal no artigo 341, com pena de prisão de um a quatro anos.
Se não bastasse essas normas de aumento de vencimentos não possuem estimativa de impacto para os cofres da cidade. É nova ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Observe-se, outrossim, outro tipo penal:
ORDENAR DESPESA NÃO AUTORIZADA POR LEI (ARTIGO 359 – D DO CÓDIGO PENAL)
O tipo penal é ordenar, mandar, não autorizada previamente em lei ou não autorizada em lei ou em desacordo com a autorização legal.
O sujeito ativo é o agente público que tem competência para ordenar a despesa.
Para efeito de despesa não autorizada diz a Lei de Responsabilidade Fiscal:
Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o disposto nos arts. 16 e 17.
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subseqüentes;
II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 1º Para os fins desta Lei Complementar, considera-se:
I – adequada com a lei orçamentária anual, a despesa objeto de dotação específica e suficiente, ou que esteja abrangida por crédito genérico, de forma que somadas todas as despesas da mesma espécie, realizadas e a realizar, previstas no programa de trabalho, não sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exercício;
II – compatível com o plano plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, a despesa que se conforme com as diretrizes, objetivos, prioridades e metas previstos nesses instrumentos e não infrinja qualquer de suas disposições.
§ 2º A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas.
§ 3º Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante, nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orçamentárias.
§ 4º As normas do caput constituem condição prévia para:
I – empenho e licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;
II – desapropriação de imóveis urbanos a que se refere o § 3º do art. 182 da Constituição.
Trata-se de crime próprio, instantâneo e de perigo abstrato.
O Anteprojeto do Código Penal prevê o tipo penal no artigo 342, com pena de prisão de um a quatro anos.
Sem dúvida, esse desrespeito à lei fiscal trará graves consequências com aumento de vencimentos para os demais agentes públicos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal é uma lei reforçada.
Observo o ensinamento de J.J.Gomes Canotilho(J. J. Gomes. Alei do orçamento na teoria da lei. In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. J. J. Teixeira Ribeiro. Coimbra: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, número especial, 1979, v. II, p. 554), quando se lê:
“Nesse aspecto, as relações estabelecidas entre o texto constitucional e as legislações financeiras amoldam-se com precisão ao chamado fenômeno da Leis Reforçadas, desvendado na doutrina constitucional portuguesa por Carlos Blanco de Morais que, ao se referir à existência de uma relação de ordenação legal pressuposta, implícita ou explicitamente na Constituição, aduz que: “As leis reforçadas pontificam num momento em que os ordenamentos unitários complexos são confrontados com uma irrupção poliédrica de actos legislativos, diferenciados entre si, na forma, na hierarquia, na força e na função, e cujas colisões recíprocas não são isentas de problematicidade quanto à correspondente solução jurídica, à luz dos princípios dogmáticos clássicos da estruturação normativa” (MORAIS, Carlos Blanco de. As leis reforçadas: as leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos.Coimbra Editora, 1998, p. 21). Ainda em âmbito doutrinário, a propósito, a tese das Leis Reforçadas logrou franco desenvolvimento na obra de J. J. Gomes Canotilho ao explorar justamente a função parametrizadora que as leis de Direito Financeiro exerciam sobre a legislação ordinária do orçamento. Como destacado pelo autor, a contrariedade da atuação do legislador ordinário na edição da lei orçamentaria em relação às leis-quadro que extraem a sua validade da Constituição Federal suscita a inconstitucionalidade indireta da norma. Nesse aspecto, destacam-se as considerações do autor: Se considerarmos a possibilidade de a lei do orçamento poder conter inovações materiais, parece que o problema não será já só o de uma simples aplicação do princípio da legalidade, mas o da relação entre dois actos legislativos e quiordenamentos sob o ponto de vista formal e orgânico. A contrariedade ou desconformidade da lei do orçamento em relação às leis reforçadas, como é a lei de enquadramento do direito financeiro, colocar-nos-ia perante um fenômeno de leis ilegais ou, numa diversa perspectiva, de inconstitucionalidade indireta.”
Apesar de a Constituição não impor expressamente o equilíbrio orçamentário, o art. 167, especialmente o inciso III, a chamada “regra de ouro”, proíbe “a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”. No plano infraconstitucional, as diretrizes dos arts. 113 e 114 do ADCT têm elementos em comum com o conceito de gestão fiscal preconizado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. (CORREIA NETO, Celso de Barros, in Comentários à Constituição do Brasil. J. J. Gomes Canotilho e outros. 2ªed. São Paulo: Editora Saraiva, 2018, p. 2379 e 2380.) Para o autor, o art. 113 do ADCT regula o processo legislativo e tem como destinatário o autor da proposição legislativa.
Trata-se de princípio constitucional estabelecido a ser respeitado pelas outras unidades federativas.
Na palavra de Machado Horta(A autonomia do Estado-Membro no direito constitucional brasileiro, Belo Horizonte, 1964, pág. 225|), os princípios constitucionais estabelecidos são os que limitam a autonomia organizatória dos Estados; aquelas regras que revelam, previamente, a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento da autonomia estabelecida cuja identificação reclama pesquisa no texto constitucional.
Será caso, pois, de ajuizamentos de diversas ações diretas de inconstitucionalidade perante os vários Tribunais de Justiça nos Estados.
*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado
O Estado de São Paulo