STF, disputa interna por causa do Congresso pode ter efeitos para a Lava Jato
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que barrou a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado abriu uma crise dentro da Corte que pode acabar tendo como consequência novas derrotas da Lava Jato em 2021. O julgamento da reeleição no Congresso afastou ainda mais as alas "garantista" e "lavajatista" do STF, acirrando uma disputa interna que se desenrola há anos.
Desde 2015, quando os casos da Lava Jato começaram a chegar ao STF, o tribunal só julgou cinco processos envolvendo políticos. A Corte tem pela frente, além de outras ações penais para julgar, a análise de recursos contra condenações em primeira instância da Lava Jato (como o caso do ex-presidente Lula) e de temas que interessam à operação.
Após sofrer derrotas em série na gestão do ministro Dias Toffoli no comando do STF, a Lava Jato pareceu ganhar um respiro com a posse do novo presidente do tribunal, Luiz Fux. Uma das primeiras medidas que Fux conseguiu implementar foi uma mudança regimental para levar de volta ao plenário o julgamento de políticos, que vinha acontecendo na Segunda Turma e trazendo derrotas sucessivas à operação.
Mesmo assim, a Lava Jato em Curitiba evitou comemorar a mudança. Apesar de parecer positiva em um primeiro momento, a decisão, na avaliação de integrantes do grupo, engessa a ação penal e permite pedidos de vistas intermináveis, sem prazo para retorno do julgamento.
No final de novembro, Fux afirmou que o Supremo não permitirá a "desconstrução da força-tarefa Lava Jato".
"O Supremo Tribunal Federal não permitirá que haja a desconstrução da operação Lava Jato. Todas as ações penais e todos os inquéritos, o primeiro ato praticado por mim, não quero nenhum louvor, estou apenas dando esse esclarecimento, todas as ações penais e todos os inquéritos passarão pela responsabilidade do plenário, porque o STF tem o dever de restaurar a imagem do país a um patamar de dignidade da cidadania, de ética e de moralidade do próprio país", afirmou Fux.
Fux é aliado da Lava Jato e o suporte dele à operação ficou explícito em todos os julgamentos de que participou. Integrante da chamada ala lavajatista no Supremo, Fux ressaltou a assessores que gostaria de ver um fortalecimento da operação nos próximos anos. Entretanto, os rumos da Lava Jato no STF não dependem exclusivamente do próximo presidente da Suprema Corte.
Crise no STF pode afetar Lava Jato
Apesar de ter o presidente do STF como aliado, a crise causada pelo julgamento sobre reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado pode impactar a Lava Jato. A avaliação da ala garantista da Corte – formada por Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques – é de Fux os deixou expostos à opinião pública quando votou contra a reeleição para o comando do Congresso, definindo o julgamento.
A ala garantista tinha convicção de que venceria o caso. Mas acabou não obtendo a vitória no julgamento e ainda foi amplamente criticada por ter votado pela constitucionalidade de uma reeleição que é expressamente proibida pela Constituição.
Com a derrota, a partir de agora, a ala garantista não descarta tentar impor derrotas a Fux para minar o poder do presidente do STF dentro do tribunal. Um integrante da ala garantista foi além e disse, resignado: “Não vejo futuro para a gestão Fux a partir de agora. Já que ele consultou a internet [opinião pública] para votar, que conte com a internet para resolver os problemas do STF”.
Um primeiro sinal de que os garantistas já trabalham para enfraquecer Fux foi a decisão de alguns ministros de não entrarem no recesso judiciário que começou no dia 20. Normalmente, durante as férias do STF, todos os casos urgentes são julgados individualmente pelo presidente do Supremo, que fica como "plantonista" da Corte. Sem entrarem em recesso, esses ministros evitam que casos dos quais eles são responsáveis possam ter alguma decisão liminar de Fux.
Outras táticas estão sendo estudadas para travar a gestão Fux. Uma delas é a interposição de pedidos de vista em julgamentos considerados importantes para o presidente do STF – como os relacionados à possibilidade de prisão em segunda instância, que Fux quer pautar em 2021 e que interessa à Lava Jato. Dessa forma, o plenário do STF manteria uma pauta sem maiores destaques, o que diminuiria o poder de fogo de Fux.
Temas de interesse da Lava Jato no STF
Um dos temas que pode ser alvo de análise no Supremo é o juiz de garantias, medida que foi barrada pelo próprio Fux e que tem, entre seus críticos, vários integrantes e ex-integrantes da Lava Jato. O presidente da Corte não é um entusiasta da ideia e acredita que, em plenário, ela possa ser derrubada. Criado pelo Congresso, o juiz de garantias dividiria com outro magistrado os processos decorrentes de investigações criminais. Um deles conduziria a investigação; o outro seria responsável pelo julgamento em si.
Outros temas de interesse da Lava Jato é a rediscussão sobre a extensão do foro privilegiado, que deve ser julgada em 2021. O processo em questão trata sobre o caso da rachadinha envolvendo o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ). Fux também sinalizou que pode recolocar em julgamento outro assunto que interessa ao combate à corrupção e ao crime comum: a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância – que foi barrada pelo STF em 2019.
Entre os julgamentos diretamente relacionados à Lava Jato, o plenário do STF também vai julgar um habeas corpus de Lula que busca anular condenação no caso do tríplex do Guarujá (SP). O caso foi remetido ao plenário em novembro pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo. E precisa ser pautado por Fux.
A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pede que o juízo da 13.ª Vara Federal de Curitiba seja considerado incompetente para julgar o caso do tríplex. No HC, impetrado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou pedido no mesmo sentido, a defesa também pede a nulidade de todos os atos decisórios praticados nos autos da ação penal em que Lula foi condenado a 8 anos, 10 meses e 20 dias de reclusão e 50 dias-multa pela prática dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.
Segunda Turma e os desafios da Lava Jato
Na Segunda Turma do STF, colegiado responsável por julgar recursos da Lava Jato no Supremo, a operação também pode enfrentar dificuldades. Com a aposentadoria em 2020 de Celso de Mello e a chegada de Nunes Marques para a composição da turma, a correlação de forças mudou.
Celso de Mello geralmente figurava como fiel da balança nos julgamentos relacionados à operação, ora votando a favor e ora votando contra as teses da Lava Jato. Enquanto isso, Edson Fachin (relator) e Cármen Lúcia tendem a defender a operação e Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski são críticos ferrenhos das forças-tarefas.
Nunes Marques se alinha mais com Mendes e Lewandowski. Na primeira sessão na turma, ele votou junto com os dois ministros garantistas para impor uma derrota à Lava Jato do Rio de Janeiro, com a revogação da prisão e retirada do caso do promotor aposentado Flávio Bonazza de Assis da Justiça Federal do Rio de Janeiro. Ele é acusado de receber propina de empresas de transporte do Rio.
A Segunda Turma tem pendente um julgamento sobre a suposta parcialidade do ex-juiz federal Sergio Moro para julgar Lula. Os advogados do ex-presidente querem que o colegiado reconheça que Moro foi parcial e agiu politicamente ao condenar o petista. Se esse for o entendimento da turma, o caso do tríplex pode ser anulado e a anulação pode se estender também aos outros processos de Lula na Lava Jato que foram conduzidos por Moro.
Cármen Lúcia e Fachin já votaram contra o recurso. Gilmar Mendes pediu vista e cabe a ele devolver o processo a julgamento. A tendência é que ele e Lewandowski votem a favor do pedido de Lula. A dúvida fica a cargo do voto de Nunes Marques, que vai definir o placar.
Se todos os processos contra Lula forem anulados, isso incluirá as condenações do petista na segunda instância da Lava Jato. Consequentemente, o ex-presidente deixa de ser ficha-suja e poderá concorrer ao Planalto na eleição de 2022.
Kelli Kadanus, Gazeta do Povo