A Civilização sempre serviu, serve e, apesar das Gretas da vida,
servirá para garantir que o homem das cavernas tenha saído delas
para nunca mais voltar.| Foto: Reprodução/ Youtube
Fiquei sabendo que nossa adorável Greta Thunberg, a menina que pretende salvar o planeta só com o olhar de indignação infanto-juvenil (o que deve ser uma referência a Harry Potter que me escapa), virou tema de documentário. Ou melhor, uma peça de propaganda chamada "Meu Nome é Greta". À qual não assisti, porque o meu limite são adolescentes de visão estreita e sabedoria questionável que se acreditam salvadoras da Humanidade.
Mas eu assistiria, e com um prazer que não tem nada a ver com schadenfreude, juro que não, a Greta Thunberg no reality show “Largados e Pelados”. Não sei se vocês já tiveram a alegria de assistir àquilo. Os produtores colocam duas pessoas completamente nuas a fim de que elas sobrevivam a ambientes inóspitos, sem qualquer conforto da civilização. O desafio dura três semanas. Nem todos os que se oferecem para a empreitada chegam até o fim. E, na saúde física e mental dos que chegam, o efeito devastador da vida pura, pristina, imaculada, perfeita como Gaia deseja, é evidente.
Já fui um entusiasta de “Largados e Pelados”. O que significa dizer que já passei mais horas do que o aceitável assistindo a um reality que, depois de uma pesquisa rápida na Internet, a gente descobre que não é tão reality assim. O que me atraía no programa eram os personagens: a maioria adultos com um quê de Greta Thunberg, que adoram a natureza e acreditam que ela é nossa amiguinha e que precisamos respeitar os animaizinhos para sermos todos felizes cantando Imagine.
Greta Thunberg em “Largados e Pelados” seria uma lição imensa para ela e para o mundo. E, antes que eu comece a descrever como imagino a situação, vale dizer que, apesar do “pelados” no nome, o programa não tem nada de erótico. Longe disso. Os produtores têm o cuidado, inclusive, de esconder as "partes" do homem e da mulher. O corpo, ali, é o de menos. Aliás, se há algo de educativo no reality é que ele mostra que toda essa preocupação excessiva com a vida sexual é um luxo (mais um!) da nossa época de abundância, conforto e facilidades.
Temporada 23, episódio 17
Já de cara, assim que chegasse à locação erma e inóspita onde deve passar 21 dias para ganhar... nada, Greta Thunberg aprenderia que comida até dá em árvore, mas é pouca e, dependendo da época e do lugar, impossível de ser encontrada. A menina sueca de olhar furioso aprenderia ainda que a natureza não tem um amplo cardápio vegano à disposição de quem tem restrições éticas ao consumo de animais. E que carne de rato pode ser gostosa, sim.
Ao tirar a roupa a fim de participar do desafio, ela notaria o quanto a temperatura externa nos é inadequada, tanto no frio quanto no calor, mas mais no frio. Ao enfrentar uma noite chuvosa na floresta tropical, por exemplo, Greta Thunberg entenderia por que os seres humanos que ela considera “do mal”, essa gente que está “destruindo o futuro das crianças”, precisam de aquecimento, de isolamento térmico, de roupas baratas feitas com tecidos sintéticos.
E aí talvez (sou otimista) ela já começasse a desconfiar que a natureza não é tão boazinha assim. Que a Civilização, a despeito do que dizem os professores dela, sempre serviu, serve e, apesar das Gretas da vida, servirá a um propósito: garantir que o homem das cavernas tenha saído delas para nunca mais voltar.
Ao programa, porém. Nos primeiros dias uma Greta Thunberg à beira da desidratação aprenderia quanta tecnologia há num simples copo d’água. Um simples copo d’água. A começar pelo copo em si, de vidro, um material estéril e resistente, mas cuja fabricação requer muito mais do que gritinhos de “como ousam?!”. Isso sem falar no líquido que, sem o devido tratamento em escala industrial, é feio, fedido e tem consequências nefastas para o intestino humano acostumado ao leitinho com pera – ou o que quer que sirvam aos mimados suecos.
À medida que o tempo fosse passando, bem devagar, por sinal, Greta Thunberg teria uma aula intensiva de Entomologia dos Infernos Tropicais, descobriria que o plástico tem muitas outras utilidades que não na alimentação das tartarugas e, no meio da noite fria, ao relento, ela talvez rezasse para que um grileiro ou agricultor malvadão próximo botasse fogo no mato para ela se esquentar um tiquinho.
Deu para ver que não simpatizo muito com a brincadeirinha de militante de Greta Thunberg. Mas, neste delírio, torço por ela. Em imaginação, portanto, eu a vejo chegando ao fim dos 21 dias protocolares. Mais magra, toda desgrenhada, com marcas de butuca pelo corpo. Ela chega ao ponto de encontro marcado num mapa cenográfico – uma estradinha. De repente, por sobre o som dos malditos mosquitos que não a deixavam dormir, ela ouve o barulho do motor a combustão de uma Rural 1975. Ela chora, de alegria, ao ver a nuvem preta saindo do cano de escape para ganhar e pretejar os céus. Uma vez no automóvel, e já se aproximando da civilização (cena indisponível para os espectadores), ela tira a cabeça para fora a fim de sentir o doce cheiro de chumbo no ar de uma cidade próxima.
E, uma vez no hotel, ela se deleita com a possibilidade de passar uma noite sobre um colchão feito de tecido sintético, à base de petróleo e incontáveis outros poluentes necessários, depois de tomar um banho quentinho, propiciado por uma enorme caldeira a carvão, e se fartando de todos os melhores frutos do agronegócio. Para só então usar seu iPhone Carbon Footprint Free X-Plus e tuitar “HOW DARE YOU!”
Paulo Polzonoff Jr., Gazeta do Povo