terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Não vou rivalizar com Bolsonaro e farei mais política, diz Eduardo Paes, reafirmando que vai manter uma relação cordial com o presidente da República. "Acertamos um café"

 O prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), quer ter uma atuação político-partidária maior do que teve em outros momentos da carreira.

Defende que a sigla apoie um “quadro da política” para a Presidência em 2022. Ao mesmo tempo, elogia o animador de auditório Luciano Huck, que tem conversado com o DEM, mas indica resistência ao ex-juiz Sergio Moro.

Apresenta-se também como um defensor da ampliação de negros e mulheres na sigla, bem como em seu próprio secretariado —até o momento, anunciou três brancos.

“Não vou rivalizar com o Bolsonaro”, promete

Eduardo Paes - Bruno Poletti - 10.jun.2015/Folhapress


“Eu já falei com Bolsonaro hoje. Foi muito gentil comigo e tenho certeza que vamos ter muito diálogo”, informou.

A defesa do diálogo só some ao comentar as ameaças do atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), que afirmou na TV que ele seria preso durante o mandato em razão das investigações da Operação Lava Jato. “Se fosse na rua, eu e ele, levava um murro na cara.”

Trechos da entrevista

O sr. disse que o resultado da eleição era um sinal contra o radicalismo no Brasil. Quem está radicalizando no país? Não vou ficar dando nomes e adjetivando. A partir de 2013, vivemos um cenário de muito ódio, de pouco diálogo que fez mal ao país. Essa coisa do novato, do sujeito que vem de outra atividade e de repente vira governante, não dá certo. Não conhece a realidade das pessoas, nunca pediu voto. Tem um certo grau de arrogância.

O Witzel talvez seja o que mais represente isso. De certa maneira, o próprio perfil da Dilma, de ter dificuldade de dialogar com diversos atores. Tinha uma vida política mas nunca tinha disputado eleição.

O sr. o vê Bolsonaro como radical? Eu já falei com ele hoje. Foi muito gentil comigo e tenho certeza que vamos ter muito diálogo.

Como foi a conversa? Foi boa, rápida. Obviamente fiz uma brincadeira. Falei: "Não consegui te livrar do Witzel, mas te livrei do Crivella". Ele disse: “Passa aqui, toma um café comigo”. Vou lá com o maior prazer.

Que papel o DEM vai ter em 2022, e qual será o seu? Vou fazer mais política do que fiz nos meus outros mandatos. Temos duas figuras do DEM que são o presidente [da Câmara] Rodrigo Maia e o presidente [do DEM] ACM Neto. Mas vou palpitar, opinar e ajudar. Quero atuar mais aqui, no Rio. Se o [governador interino] Cláudio Castro for bem, talvez apoiar [a reeleição]. O Rio precisa sair desse lamaçal em que se enfiou.

Bolsonaro pode rivalizar com o sr. Não vai rivalizar. Sou prefeito da cidade dele. Ele vai querer ajudar a cidade dele.

Que cara o DEM deve ter para 2022? Há articulação com Huck, Moro, do outro lado Ciro [Gomes]… Tem que ter um caminho próprio com quadros da política, com capacidade de se articular e dialogar.

Um nome da política exclui Huck e Moro? O Huck é um cara de muito diálogo. Faz da vida dele relações públicas, que é um pouco a coisa da política. Essa coisa de ajudar as pessoas permite a ele conhecer um pouco a realidade do país. O Moro é juiz. Uma vez juiz, sempre juiz.

Uma aproximação com o PDT está distante? O PDT perdeu duas oportunidades aqui no Rio para sinalizar uma aliança. Em 2018 lançaram a candidatura do Pedro Fernandes, e agora a da Martha [Rocha]. O PDT, pelo histórico de relação que tínhamos, poderia ter caminhado junto pela viabilidade da campanha. Um partido que quer apoio de outro partido dá sinais concretos. Até simpatizo com o Ciro, me dou bem com ele. Mas não vejo sinais de um partido que queira aliança.

O sr. por muito tempo teve aliança com partidos de esquerda, como o PT. Como viu esse mau resultado deleHouve uma vitória do centro político, de equilíbrio e diálogo, com destaque para as duas maiores cidades do país. A esquerda ficou por muito tempo no poder. Mas continuo tendo ótimo diálogo com o PT e o PC do B. Nessas duas últimas eleições, se abriu uma porta de diálogo com o PSOL. São oposição, mas tem uma linha de diálogo.

Após duas derrotas, o sr. vê essa vitória como um recomeço? Não é um recomeço. Eu não saí da política. Só tive que me sustentar.

Recomeço porque o sr. chegou a ter o nome cogitado para a Presidência no passado e hoje… Política é assim. Só quem não conhece esse negócio que se deprime ou se anima demais. A política é feita de altos e baixos. É uma roda gigante. Tem que ser resiliente.

O sr. vai assumir o mandato numa situação jurídica mais delicada, réu [por corrupção] em duas ações penais. Por que acha que a operação policial na véspera da campanha não o afetou politicamente? Não sei se não afetou. Talvez eu ganhasse no primeiro turno. Todos que estamos na vida pública temos que responder pelos nossos atos. Mas as pessoas começaram a perceber que algumas dessas operações tinham um certo viés político. Por que vai fazer uma busca e apreensão na minha casa por um fato que supostamente ocorreu em 2012? Não faz muito sentido.

Não estou contestando o trabalho que o Ministério Público e a Justiça têm que desenvolver. Mas não podemos perder a credibilidade do sistema judicial. As pessoas começaram a perceber isso, e é muito ruim.

Estou nomeando um secretário de Saúde [Daniel Soranz] que tem uma ação de improbidade porque é impossível um cara passar mais que três dias num cargo do Executivo e não ter uma ação de improbidade.

Uma ação penal tem uma gravidade maior. Sem dúvida. Já fui réu em ação penal. Fui absolvido em duas. Uma por incentivo a boca de urna, e o cara [promotor] queria fazer transação penal, que eu marcasse ponto em Queimados [cidade da Baixada Fluminense] a cada 15 dias. É claro que é desconfortável.

O sr. ressalta o fato de os delatores dizerem que o sr. não pediu propina. Mas eles também dizem que o sr. recebeu caixa dois. Por que eles [supostamente] falam a verdade num caso e mentem no outro? Eu não fiz caixa dois nas minhas campanhas. E a minha sensação com esses caras é que nem eles sabem que campanhas eles ajudaram. Parece que o controle era meio frágil.

No fim da campanha o Crivella disse que o sr. será preso. A gente não estava na rua. Se fosse na rua, eu e ele, levava um murro na cara. Falou no debate. Entendi como desespero.

O sr. diz que quer fazer um governo antirracista. Como será? É ter negros no primeiro escalão. O preconceito está muito enraizado e o antirracismo chama a nossa atenção para aquilo que a gente nem percebe. Se olhar os meus primeiros governos, não tive negros no meu primeiro escalão. Não fui antirracista. Agora tenho que ser afirmativo nessa questão.

O DEM também precisa ampliar esse espaço? Acho que sim, temos que aumentar a participação de negros e mulheres. Até por essa minha convivência com partidos de esquerda nos últimos anos eu aprendi muito isso.

RAIO-X

  • Eduardo Paes (DEM), 51
  • Prefeito eleito do Rio de Janeiro
  • Administrou a cidade por dois mandatos, entre 2009 e 2016
  • Foi secretário estadual de Turismo, Esporte e Lazer (2007 e 2008), deputado federal (1999 a 2007) e vereador (1997 a 1998)

Italo Nogueira, Folha de São Paulo