quinta-feira, 4 de junho de 2020

Partidos renovam a marca, mas não alteram ideologia

Legendas trocam de nome, mas as mudanças param por aí; consultor em marketing político analisa que modificar somente a nomenclatura não traz “grandes ganhos”
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Agremiações políticas no Brasil: mudanças, mas nem tantas | Foto: FREEPIK
O que PPS, PSDC, PTN e PRB têm em comum? Trata-se de partidos que não aparecerão nas urnas eletrônicas nas próximas eleições. Isso não significa, contudo, que foram extintos. Eles fazem parte da leva de legendas brasileiras que resolveram renovar sua marca perante o público — e, consequentemente, ante o eleitor em potencial. Assim como outras quatro agremiações, decidiram simplesmente mudar de nome.
Contudo, são mudanças que podem não ter muito efeito prático em termos do chamado branding (gestão de marca). Isso porque, no ambiente corporativo, o processo de renovação vai muito além de trocar o nome e definir um novo logotipo. “Os influenciadores da marca” também precisam ser substituídos, ressalta o professor e consultor em marketing político Marcelo Vitorino em entrevista a Oeste. Entretanto, essa prática não tem ocorrido no cenário político brasileiro. Para Vitorino, os “grandes embaixadores” dos partidos que mudaram recentemente de nome “são os mesmos”.

Novos nomes, antigos dirigentes

A análise de Vitorino é validada por dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Fundador do Partido Popular Socialista (PPS), Roberto Freire, ex-deputado federal por Pernambuco e São Paulo, segue no comando da agremiação que desde março do ano passado atende pelo nome de Cidadania. Algo similar ocorre com ao menos outras três legendas. O PSDC se tornou Democracia Cristã, mas segue com a liderança de José Maria Eymael como presidente nacional. Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus e atual primeiro-vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcos Pereira segue à frente do Republicanos, outrora chamado PRB. Em 2016, o PTN virou Podemos, mas segue até hoje sob gestão da família Abreu.
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Roberto Freire: ex-presidente nacional do PPS e o atual presidente nacional do Cidadania
Foto: JOSÉ CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

Sem partido no nome

Vitorino pondera ainda que, no processo de renovação de marca de legendas, o termo “partido” é excluído do nome oficial. O especialista afirma, aliás, que isso não é uma invenção da política brasileira. Macri, lembra, fez isso na Argentina: “Há alguns anos, ele criou o Cambiemos [coalizão partidária que levou o próprio Mauricio Macri à Presidência da Argentina]”. O consultor pontua, contudo, que por aqui não há resultado prático a comemorar com esse tipo de mudança. “A pessoa não vai olhá-lo com bons olhos só porque não tem mais o nome ‘partido’. Fazer essa simples mudança é subestimar a inteligência do eleitor”, complementa.

Cadê o partido que estava aqui?

Oeste lista os partidos que no decorrer dos últimos quatro anos mudaram de nome:
  • PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) — Voltou a se chamar MDB;
  • PTdoB (Partido Trabalhista do Brasil) — Agora é conhecido como Avante;
  • PTN (Partido Trabalhista Nacional) — É o Podemos/PODE;
  • PPS (Partido Popular Socialista) — Passou a atender por Cidadania;
  • PSDC (Partido Social Democrata Cristão) — Virou o Democracia Cristã/DC;
  • PRB (Partido Republicano Brasileiro) — Mudou o nome para Republicanos;
  • PEN (Partido Ecológico Nacional) — Pode, agora, ser chamado de Patriota;
  • PP (Partido Progressista) — A sigla segue a mesma, mas, de acordo com o TSE, o nome passou a ser somente Progressistas.

Entrevista com Marcelo Vitorino

Oeste, o professor e consultor em marketing político analisa as mudanças em relação aos partidos políticos do Brasil que resolveram alterar seu nome. Ele lembra, por exemplo, que tal movimento começou em 2007, quando o então PFL se transformou em Democratas. Em outro ponto, o entrevistado fala de esquerda & direita e, por fim, avisa: é preciso investir em formação política, construir militância, não apenas alterar a nomenclatura e abrir mão da palavra “partido”. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.
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Depois de décadas como PMDB, o partido voltou a se chamar MDB | Foto: DIVULGAÇÃO

“A população hoje demonstra rejeição ao partidarismo”
Como o senhor vê a questão de que, nos últimos anos, oito partidos mudaram de nome?
A mudança de nome dos partidos tem a ver com o entendimento de que a população hoje demonstra rejeição ao partidarismo. Mas, é claro, não é todo mundo que tem essa rejeição. Uma parcela da população integra, de fato, partidos. 
O PFL, por exemplo. Deixou [em março de 2007] de ser PFL para virar o Democratas. E aí começou a tirar também a identidade do ex-PFL com nomes já reconhecidos, como Antônio Carlos Magalhães. O MDB também fez a mudança, tirando o “P”. É normal que essas mudanças ocorram.
“Trocam o nome, mas os grandes embaixadores [dirigentes e candidatos] são os mesmos”
No mundo do marketing, fala-se em renovação de marca e branding para impulsionar alguma empresa. Na política, esse trabalho tem dado resultados positivos aos partidos que alteraram seu nome?
Quando uma marca faz uma renovação, ela troca sua identidade visual, mas não faz apenas isso. Ela também troca os influenciadores, seus embaixadores. Nos partidos políticos, essa parte não tem, vamos dizer assim, grandes ganhos e alterações. As legendas apenas trocam o nome, mas os grandes embaixadores [dirigentes e candidatos] são os mesmos.
“A gente tem uma demanda represada no Brasil por um político conservador”
Na prática, alguns partidos tiraram a nomenclatura que os identificava com viés mais à esquerda. Foi o caso, por exemplo, do Partido Popular Socialista (PPS) e do Partido Trabalhista Nacional (PTN). O senhor acredita que, ao menos nessas legendas, as mudanças têm a ver com a perda de força da esquerda no país?
No caso dos partidos mais alinhados à esquerda que acabaram trocando trocando o nome, como o PPS e o Partido Trabalhista Nacional, claro… tem sim a ver com isso. [No geral], contudo, não considero correto afirmar que [o cenário político nacional] ficou mais à direita do que à esquerda. Até porque direita e esquerda são conceitos bastante ultrapassados. A gente tem uma demanda represada no Brasil por um político conservador e, nesse sentido, a eleição do atual presidente mostra que esse público não era pequeno.
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Marcelo Vitorino é professor e consultor em marketing político | Foto: DIVULGAÇÃO
Mas isso [a eleição de Jair Bolsonaro] não quer dizer que a esquerda caiu em desuso. Isso porque ainda há muito público para um social-democrata. No Brasil, não há tanta [migração] para liberal- democrata, mas para o social e para o conservador. A gente pode dizer que está quase ali meio a meio. Então, você pode mudar de nome para perder esse olhar do social. [Para mim, entretanto,] é um erro. É pensar pequeno, pois todo pêndulo que vai para um lado… pode voltar para o outro lado. E com mais força. Assim, seria melhor se o partido [fora a questão do nome] tivesse bem definida sua ideologia.
Por outro lado, o que tem perdido força no nome oficial é o termo “partido”. Acredita que, em termos de marketing, tirar essa palavra da marca faz com que a legenda seja por mais tempo lembrada na mente do público (e potencial eleitor)?
Notei esse padrão de tirar a palavra “partido” do nome. Isso não é novidade daqui do Brasil. O Macri fez isso na Argentina. Há alguns anos, ele criou o Cambiemos [coalizão partidária que levou o próprio Mauricio Macri à Presidência da Argentina]. Você também tem movimentos de renovação na Europa que excluem a palavra “partido” na tentativa de encontrar um público. A questão é que, em vez de o partido focar o fortalecimento de uma ideologia pela qual ele é reconhecido, prefere-se tirar o próprio brilho de suas cores em busca de pegar pessoas desavisadas.
Vamos dizer assim: é o partido atrás de um eleitor que nunca foi partidário. Não faz muito sentido. A pessoa não vai olhá-lo com bons olhos só porque não tem mais o nome “partido”. Fazer essa simples mudança é subestimar a inteligência do eleitor.
“Sem investimento em fundação, o partido perde a formação político-partidária”
De que adianta os partidos mudarem seu nome se não há, aparentemente, investimento na parte de estudos e formação política?
A gente tem um problema sério, que é a falta de formação política por conta dos partidos. Antigamente, tínhamos as fundações partidárias, que eram responsáveis por fazer essa formação política ocorrer. Se não me engano, a reforma de 2017 tirou a obrigatoriedade do investimento de 20% do fundo partidário, valor que era destinado às fundações. Hoje, no entanto, se uma fundação partidária não gasta esses 20% que eram destinados a ela, o dinheiro é devolvido [ao caixa do partido]. No fim das contas, isso acabou sucateando e diminuindo a relevância das fundações partidárias.
[Essa mudança em relação às fundações] gerou uma percepção equivocada de parte da classe política. Pega-se o dinheiro que era para fazer a formação política e, como não há militância, investe-se muito mais numa campanha eleitoral. Entretanto, seria mais fácil — e menos custoso — ter uma militância orgânica ideológica. Aí, o voto vem. Sem investimento em fundação, o partido perde a formação político-partidária. Consequentemente, a legenda vai ter de investir em publicidade e na contratação de cabos eleitorais. E tudo isso não faz muito sentido. É uma conta besta, pois é muito melhor investir na construção do militante.

, Revista Oeste