Ainda são muitos os que têm uma atitude perante a vida que pode ser traduzida assim: "Alguém tem que fazer alguma coisa!"
"Alguém"? Mas, por que não "eu"? Por que não "nós"? Por que não "todos"?
Que uma criança abra o berreiro quando não tem suas necessidades satisfeitas é de todo plausível: ela ainda não tem autonomia para bastar-se a si mesma.
Agora, que adultos só reclamem e não tenham iniciativa, sem se perguntar "O que posso eu fazer para ajudar a que as coisas mudem", ficando naquelas de "já sou do bem", é, no mínimo, debilidade moral.
Há pelo menos cinco anos, circula apócrifo o texto abaixo transcrito.
Mas nunca foi tão oportuno como nestes dias em que, além doutras agressões a valores da democracia, há brasileiros sendo presos por suas manifestações políticas, ao passo que uns quantos aplaudem o arbítrio.
"Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados", diz Edmund Burke. E é o lema desta coluna.
O texto:
No primeiro dia de aula, o professor de "Introdução ao Direito" entrou na sala e a primeira coisa que fez foi perguntar o nome a um aluno que estava sentado na primeira fila:
- Qual é o seu nome?
- Chamo-me Nélson, senhor.
- Saia de minha aula e não volte nunca mais! - gritou o desagradável professor.
Nélson pareceu desconcertado. Quando voltou a si, levantou-se rapidamente, recolheu suas coisas e saiu da sala. Todos estavam apreensivos e indignados. Mas ninguém falou nada.
- Agora sim! Vamos começar - disse o professor. E perguntou:
- Para que servem as leis?
Seguiam assustados ainda os alunos, porém pouco a pouco começaram a responder à pergunta:
- Para que haja uma ordem em nossa sociedade - disse o primeiro.
- Não! - retrucou o professor.
- Para cumpri-las.
- Não!
- Para que as pessoas erradas paguem por seus atos.
- Não!
Será que ninguém sabe responder a esta pergunta?!
- Para que haja justiça - falou timidamente uma garota.
- Até que enfim! É isso, para que haja justiça. E agora, para que serve a justiça?
Todos começaram a ficar incomodados com aquela atitude tão hostil. No entanto, continuavam respondendo:
- Para salvaguardar os direitos humanos...
- Bem, que mais? - perguntava o professor.
- Para diferenciar o certo do errado, para premiar a quem faz o bem...
- Ok, não está mal, porém respondam a esta pergunta:
Agi com justiça ao expulsar Nélson da sala de aula?
Todos ficaram calados. Ninguém respondia.
Parecia faltar coragem de enfrentar àquele simulacro de autoridade.
- Quero uma resposta decidida e unânime!
- Não! - responderam todos a uma só voz.
- Poderia dizer-se que cometi uma injustiça?
- Sim!
- E por que ninguém fez nada a respeito? Para que é que queremos leis e regras se não dispomos da vontade necessária para praticá-las? Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais!
Agora, vou buscar o Nélson - disse. - Afinal, ele é o professor, eu sou aluno de outro período.
Renato Sant'Ana
Advogado e psicólogo. E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br
Jornal da Cidade