Os números da PNAD-C do trimestre encerrado em julho, divulgados hoje, conversam com o resultado do PIB do segundo trimestre divulgado ontem: a lenta retomada segue seu curso, e o cenário deve continuar melhorando de forma muito gradativa se novos choques poderosos não a descarrilarem a economia brasileira novamente.
Os principais candidatos a isso são o cenário externo, que se tornou bem mais adverso nas últimas semanas, e o ímpeto incontrolável do presidente Jair Bolsonaro de alimentar as tensões sociais, políticas e internacionais subjacentes ao momento atual do País. Até agora, a ameaça do cenário externo tem parecido a mais perigosa, em termos das reações do mercado.
Na PNAD-C, a população ocupada (PO) continuou a crescer num bom ritmo, bem acima do PIB, tendo aumentado em 2,2 milhões de pessoas, ou 2,4%, em relação ao mesmo trimestre de 2018. Foi ligeiramente abaixo, entretanto, do que o aumento na mesma base de comparação do trimestre anterior, abril, maio e junho: 2,5 milhões de pessoas, ou alta de 2,6%.
De qualquer forma, a PO cresce a um ritmo bem superior ao do PIB, que está rodando a uma taxa anual de cerca de 1%. E isso remete ao aspecto menos animador da PNAD-C de maio, junho e julho: continua a tendência do crescimento do emprego se dar principalmente na economia informal, que tem piores postos de trabalho.
Daniel Duque, mestrando em ciências econômica na UFRJ e voltado ao mercado de trabalho, comentou em seu perfil no Twitter que, embora haja as boas notícias da alta expressiva da PO e da queda em bom ritmo do desemprego (de 0,5 ponto porcentual entre o trimestre de maio-junho-julho e o mesmo período de 2018 – 11,8% contra 12,3%), “a composição dos ocupados continua piorando (…) e agora ainda mais”.
Ele nota que os ocupados formais cresceram apenas 0,26%, enquanto o trabalho informal continua “explodindo”. O que bate na renda média, que pela terceira divulgação mensal consecutiva ficou abaixo de zero. Duque acrescenta que isso deriva do efeito composição, isto é, “o aumento do percentual de ocupados com renda menor que a média”.
Roberto Padovani, economista-chefe da corretora Votorantim, observa que a combinação de retomada muito lenta da economia com a ociosidade ainda num nível bastante elevado desestimula novas contratações formais. A produção tende a crescer por aumento de produtividade nessa etapa. Ele acrescenta que os índices de confiança dos empresários “não estão ladeira abaixo, mas também não estão melhorando”.
Em outras palavras, o ambiente de cautela permanece na economia. O fato de os empregos estarem crescendo bem mais pelo canal informal também não ajuda o consumo que, como mostraram os dados do PIB ontem, continua crescendo, em trajetória até consistente, mas de forma nada explosiva.
Padovani vê um certo alongamento de horizontes nos agentes econômicos após as bem-sucedidas votações da reforma da Previdência na Câmara. Desde 2015, viveu-se numa postura muito imediatista, em que eventos de desfecho em prazos muito curtos, como eleições acirradas, impeachment, aprovação ou não da Previdência, sorviam toda a atenção dos atores da economia.
Agora, sem precipícios a atravessar no curtíssimo prazo, ele considera que a retomada supergradual da economia brasileira tem condições de se encorpar, desde que a política econômica continue no rumo certo, e mesmo diante de um cenário internacional mais adverso.
Fernando Dantas, O Estado de São Paulo