segunda-feira, 2 de setembro de 2019

'Os mais afetados por uma recessão são os mais ricos', diz professor de Chicago

O professor Steven Neil Kaplan, chefe do centro de empreendedorismo da Universidade de Chicago, é um defensor ferrenho do livre mercado. Ele não tem receio de fazer afirmações polêmicas, como dizer que os ricos são que os mais perdem durante uma recessão.
“O mercado de ações colapsa e as pessoas perdem seus empregos. Se as ações caírem 30%, o patrimônio dos mais ricos cai 30%, enquanto os mais pobres recebem o apoio da rede de proteção do Estado. Os mais afetados, portanto, são os ricos”, afirmou.
Kaplan, que esteve no Brasil a convite do banco Rothschild para uma conversa com lideranças do mercado de capitais, também afirma que os CEOs das grandes empresas, que recebem US$ 15 milhões por ano, não ganham mais do que deveriam.
Steven Neil Kaplan, professor de Harvard e economista, em entrevista para a Folha
Steven Neil Kaplan, professor de Harvard e economista
Ze Carlos Barretta - 23.ago.2019/Folhapress
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“É óbvio que não estou dizendo que ganham pouco. Todavia, se fizermos uma comparação com outras profissões bem remuneradas, não é tão diferente assim. Um bom CEO é muito valioso para uma empresa”.
Ele também brinca que tem uma regra que compartilha com seus estudantes que querem ser empreendedores de sucesso: “o dinheiro é mais importante do que a sua mãe”. 
“Você pode ser bem sucedido sem sua mãe, mas uma empresa não sobrevive sem caixa”, explica.
Por que criar uma startup se tornou o sonho da maioria dos estudantes das universidades americanas?Existem várias razões. A primeira delas é que ocorreram muitas mudanças tecnológicas que criaram oportunidades e o custo se tornou baixo. Você precisa basicamente de um pequeno espaço e da internet.
O segundo ponto é que os alunos acham mais empolgante trabalhar numa startup do que numa grande multinacional. Existem diversos exemplos de pessoas que fizeram fortuna no Google, Facebook, Uber etc. 
Por fim, se você se engajar numa startup e não der certo, é só partir para a próxima.
Em alguns países, falhar é como uma marca negra. Não é assim nos Estados Unidos. 
Por exemplo: meu filho é engenheiro de software e acabou de se graduar. Ele fez um estágio de verão no Facebook, mas achou muito grande e burocrático e preferiu ir para uma startup.
E, além de tudo, há muito dinheiro indo para as startups.
 
Mas não é fácil criar uma empresa vencedora. Quais são as características de um empreendedor de sucesso? O mais importante é ter um modelo de negócios que faça sentido. Se não houver demanda do consumidor pelo seu produto, esqueça. A partir daí, o que faz um bom empreendedor —e isso é verdade também para CEOs— é a capacidade de tomar decisões, a persistência, a rapidez, a habilidade para atrair bons profissionais e a capacidade de delegar funções.
Fico pensando em meus alunos que se tornaram empreendedores de sucesso. Eles tiveram uma boa ideia e foram capazes de executá-la. Agora, se a ideia for ruim, nem mesmo a melhor execução será capaz de ajudar.
E quais são os principais erros que um empreendedor comete? Em primeiro lugar, óbvio, escolhem o negócio errado. Se não fizer sentido, você vai bater a cabeça na parede. Em seguida, tenho uma frase que sempre repito para os meus alunos: o dinheiro é mais importante que a sua mãe.
O que isso significa? Calcule quanto capital você vai precisar e esteja seguro de que não vão faltar recursos. Já vi empresas que estavam indo bem, mas não levantaram capital e foi tudo por água abaixo.
 
Só não entendi a analogia com a mãe (risos)... Você pode ser bem sucedido sem sua mãe, mas uma empresa não sobrevive sem caixa. Minha mulher sempre fala que não posso dizer isso porque não é politicamente correto, mas funciona. Meus alunos não esquecem (risos).
Outro equívoco importante que os empreendedores cometem —e talvez esse seja o pior de todos— é não entender o consumidor. Na nossa escola, orientamos os  estudantes a ir a campo para conhecer quem é o seu cliente e do que ele realmente precisa.
 
O senhor disse que tem bastante dinheiro indo para startups, mas poucas empresas têm acesso ao fundos de capital de risco [venture capital] e ainda menos companhias conseguem abrir o capital. Por quê? Para abrir um negócio, muitos empreendedores nos Estados Unidos têm acesso ao chamado “investidor anjo”, que é um dinheiro até barato de conseguir. É só quando chega o momento de elevar a escala que precisam acessar fundos de capital de risco.
Hoje não temos tanto dinheiro disponível quanto nos anos 90, na época da bolha da internet, mas a quantidade é razoável. As empresas conseguem de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões para os estágios iniciais e a situação só fica mais complicada nas últimas rodadas, quando precisam de US$ 100 milhões.
 
Os banqueiros costumam acertar quais startups serão bem sucedidas? É muito difícil acertar a empresa, escolher o time certo e fazer frente à competição de outras startups. Mesmo depois de uma análise cuidadosa dos números do negócio, metade dos investimentos dos fundos de capital de risco nos EUA perdem dinheiro.
A questão é que as apostas que dão certo mais que compensam as perdas. Logo o desempenho dos fundos de capital de risco tem sido melhor do que o mercado de ações. Esses fundos aprenderam com o estouro da bolha da internet e sua performance tem sido, em média, muito boa desde 2008.
Mesmo a crise global, detonada pela quebra do Lehman Brothers, não os afetou tanto assim. Alguns dos grandes vencedores atuais, como Uber ou Airbnb, foram financiados nessa época.
 
Na sua avaliação, uma startup pode surgir em um país como o Brasil, que tem infraestrutura ruim, muita burocracia e impostos excessivos? Tenho a percepção de que o Brasil tem startups e fintechs indo muito bem. O aplicativo de táxi 99, que foi fundado por um ex-aluno meu, teve uma ótima performance. 
É evidente que seria melhor se houvesse menos regulação, impostos mais baixos, e se fosse mais simples contratar e demitir pessoas. Numa startup, às vezes é preciso demitir gente se houver algum soluço no negócio.
 
O senhor escreveu um artigo mensurando o número de pessoas que ficam ricas por herança e por empreendedorismo. Atualmente, o que é mais comum? Fizemos uma análise dos 400 indivíduos mais ricos conforme o ranking da revista Forbes nas últimas três décadas. A partir de 2011, é muito mais comum as fortunas serem resultado de empreendedorismo.
Jeff Bezos [fundador da Amazon] não nasceu rico. Steve Jobs [fundador da Apple] não nasceu rico. Os meninos do Google [Larry Page e Sergei Brim] não nasceram ricos. Bill Gates [Microsoft] veio da classe média alta, mas não era rico.
Mesmo fora do mundo da tecnologia, Sam Walton [Walmart] não nasceu rico, embora seja verdade que seus filhos herdaram o império. Nas finanças, temos KKR, Carlyle, Blackstone —os fundadores desses fundos podem ter tido acesso a uma boa educação, mas não eram bilionários.
E isso é resultado da tecnologia e da globalização, que permitiram que as empresas ganhassem uma escala impressionante, gerando novas fortunas. Isso também é verdade em outros países como a China.
 
O senhor já disse que “se quiser reduzir a desigualdade, coloque a economia em recessão, mas, se o seu objetivo for uma economia em crescimento, a desigualdade vai aumentar”. Pode explicar melhor? É a verdade. Quando ocorre uma recessão, o mercado de ações colapsa e as pessoas perdem seus empregos. Se as ações recuarem 30%, o patrimônio dos mais ricos cai 30%, enquanto os mais pobres recebem o apoio das redes de proteção do Estado. Os mais afetados, portanto, são os ricos.
Recessões são ruins para todos, mas a desigualdade diminui. Por outro lado, se a economia vai bem, a desigualdade aumenta porque o mercado de capitais decola.
 
Na sua opinião, os CEOs das grandes empresas tem salários abusivos? Não. É óbvio que não estou dizendo que ganham pouco. Todavia, se fizermos uma comparação com outras profissões bem remuneradas, não é tão diferente assim.
Hoje os CEOs das empresas que fazem parte do indicador S&P 500 ganham cerca de US$ 10 milhões a US$ 15 milhões por ano. É muito, mas é menos do que recebiam no início dos anos 2000, se ajustarmos pela inflação. Essas empresas têm cerca de 20 mil a 30 mil empregados. Administrar essa quantidade de pessoas não é fácil.
Agora vamos compará-los com advogados de renomadas firmas de advocacia. Nos EUA, esses advogados ganham, em média, US$ 3 milhões a US$ 4 milhões. Os mais qualificados recebem US$ 7 milhões a US$ 8 milhões. Existem milhares desses advogados. E ainda temos contadores, banqueiros de investimento etc.
Um bom CEO é muito valioso para uma empresa cujo valor do mercado é de centenas de milhões de dólares. Já estive no conselho de algumas empresas e posso atestar que faz uma enorme diferença para as companhias.
As pessoas que dizem que  a remuneração de um CEO não é determinada pelo mercado, que acreditam que eles ganham muito porque manipulam seus conselhos de administração, estão equivocadas.
Outra coisa que as pessoas esquecem é que as empresas estão mais lucrativas hoje. Nos EUA, a relação entre o lucro das empresas e o PIB bateu recorde. Se estivessem pagando mais do que deveriam aos seus CEOs, isso não seria verdade.
 
Muitos estudos mostram que a desigualdade cresceu nos últimos anos. Na sua avaliação, é um problema? Essa questão é muito complicada. É preciso ser cuidadoso. Desde 1998, quando esse fenômeno começou, é inacreditável a queda do número de pessoas que passavam fome.
Naquela época, mais de 25% da população global vivia abaixo da linha da pobreza. Agora são menos de 10%. Toda essa mudança tecnológica e a globalização foram fantásticas para o mundo. Isso é ótimo. E as pessoas esquecem isso. 
A verdade é que houve uma grande redução da desigualdade entre países. China e Índia foram importantes beneficiárias desse fenômeno, mas não foram as únicas.
Também é verdade que a desigualdade dentro dos países cresceu. Por isso, aumentou o populismo ao redor do mundo com Donald Trump, Brexit etc. A classe média não foi tão bem quanto as pessoas que estão no topo da pirâmide.
Precisamos de uma rede de proteção eficiente que não desperdice dinheiro, mas ajude essas pessoas.
Agora, se você me perguntar se eu prefiro voltar atrás e trocar a queda da fome no mundo pela solução desse problema, minha resposta é, absolutamente, não.
 
Qual é então a solução para os chamados órfãos da globalização? Se eu soubesse, estaria concorrendo à Presidência. O que eu sei —e neste ponto estou muito alinhado com o pensamento tradicional da Universidade de Chicago— é que a resposta não é mais regulação.

Raquel Landim, Folha de São Paulo