VENEZA
Temas financeiros não costumam ser muito populares no cinema. Mas desde que “A Grande Aposta” (2015), de Adam McKay, fez sucesso ao mastigar para o público detalhes da bolha imobiliária de 2008, o assunto já não é tanto um tabu cinematográfico.
Em trilha algo semelhante, o americano Steven Soderbergh mostrou em Veneza neste domingo uma visão algo lúdica, mas sempre crítica, sobre o caso dos Panama Papers, escândalo que em 2016 levou a público informações confidenciais sobre empresas offshore espalhadas pelo mundo.
Protagonizado por Meryl Streep, “Laudromat” não fala exatamente sobre o processo de vazamento em si, mas disseca o sistema que movimenta uma fortuna por meio de empresas que se proliferam em paraísos fiscais, muitas vezes envolvendo corporações que só existem no papel.
“Tentamos pensar no melhor approach para falar de um assunto complexo de forma que ele se fixasse na cabeça das pessoas. Concluímos que uma comédia cáustica talvez fosse a saída”, disse Soderbergh à imprensa.
O cineasta se inspirou em clássicos desse tipo de humor, como “Doutor Fantástico” (1964), em que Stanley Kubrick usava risos para falar da Guerra Fria. “Assim, pensei que as pessoas não teriam a sensação de que estariam sendo educadas, mas sim entretidas”.
Streep concordou. “Sabia que a ideia de entreter a partir de algo complexo, verdadeiro, soturno e complicado só poderia ser com Soderbergh. Ou então com [o dramaturgo Bertolt] Brecht!"
De fato, existe algo de brechtiano no filme. Gay Oldman e Antonio Banderas têm várias cenas em que se viram e falam diretamente ao público, na pele de Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, os sócios da Mossack & Fonseca, administradora de milhares de offshore que foi o epicentro do escândalo de 2016. Eles são como mestres de cerimônia, conversando didaticamente com o espectador.
“Esta história é sobre nós, mas também sobre você!”, diz um deles à câmera. A partir daí, ilustram como gente comum pode ser afetada pelo esquema das offshore, usando a história de Ellen (Streep), viúva que tenta ser indenizada após perder o marido em um naufrágio.
Diante da burocracia e da dificuldade de falar diretamente com a seguradora, ela começa a investigar e desvenda uma rede que envolve diversas empresas de fachada. Acaba indo parar em a uma ilha caribenha, com cuja existência ela sequer sonhava.
O filme defende que a legislação para esse tipo de empresas seja reformulado. É divertido, mas por trás do seu estilo “espertinho”, há muita autocongratulação desnecessária. Foi bem aplaudido, mas parte da exaltação talvez tenha sido ao monólogo final de Streep, que torna o fim do longa de fato envolvente.
No fim de semana, dois filmes latinos receberam palmas apenas protocolares. “Wasp Network”, do francês Olivier Assayas, baseia-se no livro “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, do brasileiro Fernando Morais. É um thriller sobre cubanos que se refugiam nos EUA para, dali, tentar enfraquecer o socialismo na ilha. Com Penélope Cruz e Wagner Moura, o filme produzido por Rodrigo Teixeira (da RT Features) tem ótimos instantes, mas o roteiro talvez seja prolixo demais para arrebatar o público.
Já “Ema”, do chileno Pablo Larraín, mostra um retrato da juventude chilena por meio de um casal que quer devolver o filho adotado. É um filme irregular, mas uma curiosa pesquisa sobre a busca por liberdade das novas gerações sobre o próprio corpo.