A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, 65, afirma não acreditar em “sustentabilidade e preservação ambiental com miséria” e defende que produtores rurais sejam recompensados pelas áreas que conservarem.
“Onde tem miséria você não vai preservar”, diz, em entrevista à Folha. Ela reconhece que o Brasil tem uma imagem ruim no exterior sobre preservação ambiental e argumenta que muitas vezes o setor agrícola europeu usa isso como justificativa para proteger seus produtores rurais de mercadorias brasileiras.
Uma das principais negociadoras do acordo de livre-comércio assinado entre o Mercosul e a União Europeia, Tereza Cristina argumenta que os setores nacionais mais vulneráveis terão um tempo para se adaptar.
Ela prega ainda “pragmatismo” nas relações comerciais do país e diz que não ouve mais ninguém do governo falar sobre mudança da embaixada em Israel de Tel Aviv para Jerusalém —o que gerou ameaças de boicote de árabes às exportações brasileiras de carne de frango.
O acordo entre a União Europeia e o Mercosul gerou fortes críticas de sindicatos agrícolas europeus e até de governos. A implementação do tratado está sob risco?
Acordo é acordo. Os comissários da União Europeia tinham mandato, não estavam lá para fazer algo que não é para ser cumprido. Cada um tem que trabalhar a sua parte para honrar aquilo que está sendo discutido há 20 anos.
No Brasil também tem gente que acha que o acordo não foi essas coisas. Em acordo, você não contempla 100%, por isso que tem um prazo para que as tarifas caiam pouco a pouco.
Quais medidas o governo vai anunciar para proteger os setores mais vulneráveis?
Nós conversamos com vários setores que têm mais fragilidade para esse acordo. Agora começa uma nova fase. Temos a parte legal, a parte dos Congressos do Mercosul; eles [europeus] têm lá a fase deles.
Não é uma coisa que vai acontecer rapidamente. Todo o mundo estima que, para esse acordo ser implementado, vai levar de um ano e meio a dois anos. Temos esse prazo para trabalhar nossas cadeias produtivas. Do leite e do vinho e de outras mais que possam ter alguma fragilidade.
Boa parte da resistência na Europa vem de segmentos ambientalistas. O Inpe mostrou que o desmatamento na Amazônia foi 57% maior do que no mesmo mês do ano passado. Isso não prejudica a defesa do acordo?
Primeiro a gente tem que usar ciência, temos que ter dados concretos.
O dado do Inpe não é um dado concreto?
Não estou dizendo que não é, mas a gente tem que analisar o dado frio. É igual a estatística: se falar que tenho dois celulares e que perdi um, perdi 50%. Você tem que analisar esses dados e ver se o desmatamento foi em área que poderia ocorrer.
Temos um Código Florestal, que é diferente para os vários biomas. Na Amazônia, 80% [da propriedade rural] têm que ser preservados e 20% podem ser desmatados. Essas lacunas que foram vistas são de desmatamento legal ou ilegal? Se for ilegal, temos que ir em cima, multar, tirar de lá, ver o que está acontecendo.
Agora está aparecendo a verdade nua e crua. Por que o pessoal lá do setor de carnes [na Europa] tem medo do Brasil? Porque o Brasil é muito competitivo. Tem o lado da preocupação com a sustentabilidade e com o ambiente, mas também o comercial, do prejuízo que o produtor lá vai ter.
Olha nosso tamanho, a nossa produção em termos de carne. Nosso boi é verde. Em pouco tempo vamos demonstrar que temos um programa de pecuária de baixo carbono. Claro que eles têm o direito de usar coisas contra o Brasil.
A sra. considera que o governo Jair Bolsonaro tem uma imagem negativa no exterior sobre ambiente?
Não é o governo Bolsonaro, a imagem do Brasil lá fora é ruim faz tempo. Pode até ter piorado, mas nunca trabalhamos isso corretamente. Não vou culpar A, B ou C, mas precisamos mudar a imagem.
Primeiro, trabalhar com dados científicos, mostrar exatamente o que acontece. Ninguém sabe que no Brasil temos Código Florestal, essas áreas de preservação obrigatórias para o dono da propriedade. Quando compra uma propriedade, ele paga sobre 100 hectares e sabe que na Amazônia só pode usar 20.
Propostas do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, como mudar regras do Fundo Amazônia, não prejudicam essa imagem?
O ministro é muito preocupado [com o ambiente]. Está fazendo ajustes que precisam ser feitos até para ajudar a agricultura. Nunca o vi defendendo ilegalidade, falando que concorda com desmatamento ilegal. Vejo-o tentando destravar uma pauta que travou o país.
Não acredito em sustentabilidade e preservação ambiental com miséria. Onde tem miséria você não vai preservar. A gente tem que abrir um pouco a cabeça e ver que quem conserva tem que ter algum ganho. É uma das coisas que defendo e venho apanhando de vez em quando.
Nós precisamos usar essa cota que o produtor faz de preservação; dependendo do lugar em que está, poderia ganhar por isso. Vamos dizer: tenho 50% da minha área desmatada e posso chegar a 80%. Esses 30% que ainda posso desmatar vão me dar retorno? Vale a pena eu deixar ele em pé, vou ganhar para fazer essa preservação? Por que não?
O mundo não quer que o Brasil preserve? Então vamos fazer uma moeda verde para que essa preservação ocorra de maneira sustentável. Está faltando muito bom senso para todos os lados. A agricultura precisa destravar em algumas áreas, os nossos competidores não têm as amarras que o produtor [nacional] tem.
A sra. é apontada como uma das negociadoras mais pragmáticas do acordo com a UE. Como é possível que o tratado tenha saído justamente num governo que tem, ao menos no Ministério das Relações Exteriores, uma orientação nacionalista e antiglobalista?
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Acho que não tem incoerência. Uma coisa é uma visão geopolítica, e outra, uma visão prática. O acordo com a UE é muito favorável para o Mercosul. Ou o Mercosul se destravava e se abria ou a tendência dele era minguar.
Mas as declarações que o chanceler Ernesto Araújo já deu contra a China [principal comprador de produtos agrícolas do Brasil] foram interpretadas como sinais prejudiciais para a agricultura.
Não vão conseguir me intrigar com o Ernesto. Tenho conversado muito com o chanceler, e, todas as vezes que eu precisei, ele tem sido parceiro do Ministério da Agricultura.
O ministro tem as posições dele, mas assinou comigo uma carta de apoio ao [candidato] chinês [Qu Dongyu] ao comando da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Volta e meia vejo coisas na imprensa que não refletem a verdade.
O tema da mudança de embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém está superado?
Até onde sei, sim. É um assunto que foi deixado de stand-by. Não ouvi mais. Recentemente estive com vários empresários e secretários dos Emirados Árabes Unidos que vieram ao Brasil conversar. Estiveram com o presidente e com vários ministros. Há uma sintonia total. O Brasil tem que ser pragmático na área comercial. É o que eu tenho tentado fazer no Ministério da Agricultura.
A sra. destituiu o presidente da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Por quê?
Nós precisamos mudar o modelo, a Embrapa é uma das nossas joias da coroa. Vamos indicar uma diretoria afinada com o que a gente quer fazer pela frente.
Bolsonaro falou sobre isso na FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) dias antes do anúncio da demissão.
Ele falou na FPA que queria “repotencializar” a empresa. Acho que o que ele estava falando é que a Embrapa precisa ter agilidade e mais recursos.
Há possibilidade de privatização?
Não existe isso [privatização]. O que a gente quer é dar uma agilidade à Embrapa.
Como a sra. vê a possível indicação do deputado Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil em Washington?
É uma indicação diferente. Mas o Eduardo é um deputado que teve 1,8 milhão de votos e preside a Comissão de Relações Exteriores [da Câmara]. Ele tem uma coisa que pode ser muito útil ao Brasil: acesso ao governo americano.
Agora, ele é jovem, não tem experiência diplomática ainda. Se realmente se confirmar, precisará de um time de qualidade, e o Itamaraty tem gente muito boa para assessorá-lo.
Se o Eduardo for para Washington, vou precisar conversar muito com ele, porque o Ministério da Agricultura vai precisar muito dele lá.