segunda-feira, 1 de julho de 2019

"Desculpe, sra. Merkel", por Plínio Nastari

A chanceler alemã, Angela Merkel, declarou que pretendia ter uma conversa “clara” com o presidente Bolsonaro sobre as políticas ambientais do Brasil durante a cúpula do G-20 em Osaka. O arsenal de Bolsonaro para respondê-la é grande, pois pode mostrar dados irrefutáveis da Embrapa Territorial indicando que o Brasil mantém uma área destinada à preservação e proteção da vegetação nativa correspondente a 66,3% do seu território. Embora seja uma potência mundial agrícola, ocupa somente 9% do território com todas as lavouras e florestas plantadas. A vegetação nativa preservada nos imóveis rurais privados, sem qualquer compensação econômica, ocupa 20,5%; nas unidades de conservação, outros 13,1%; nas terras indígenas, mais 13,8%; e em terras devolutas e não cadastradas, outros 18,9%.
Na União Europeia a realidade é inversa. A vegetação nativa ocupa irrisório 0,3% do território, e até mesmo a Floresta Negra da Alemanha, que não é nativa, por se tratar de vegetação homogênea, apresenta quase nenhuma biodiversidade.
Nossa matriz energética é 44% renovável, tendo a cana-de-açúcar como segunda maior fonte de energia, com 17,0% da oferta de energia primária, menor apenas do que o petróleo e seus derivados.
Na área de combustíveis líquidos, no primeiro trimestre de 2019 o etanol utilizado em mistura com a gasolina e puro pela frota flex substituiu 45,6% de toda a gasolina consumida. Desde 1976, o etanol já substituiu 3 bilhões de barris de gasolina, com uma economia de mais de US$ 506 bilhões. Não é pouco num país que possui reservas de petróleo e condensados de 12,6 bilhões de barris, incluindo o pré-sal, e reservas internacionais de US$ 383 bilhões.
No Brasil, o etanol tem substituído aromáticos cancerígenos contidos na gasolina, reduzindo também emissões de material particulado e outros compostos nocivos à saúde, como o monóxido de carbono, formaldeídos e compostos orgânicos voláteis geradores de smog fotoquímico. Bolsonaro pode lembrar Merkel de que estamos, também, substituindo 10% de todo o diesel fóssil com biodiesel e que já aprovamos um cronograma para elevar essa mistura para 15% até 2023. E que, por causa do uso de biocombustíveis e de medidas como o rodízio, São Paulo não tem a mesma poluição do ar que metrópoles como Pequim, Deli e Cidade do México.
Bolsonaro pode lembrar Merkel de que o Congresso brasileiro aprovou em 2017 o RenovaBio, que sem subsídios ou novo imposto sobre carbono criou um mecanismo de certificação que vai incentivar a eficiência energética-ambiental e terá como resultado redução de preço dos biocombustíveis ao consumidor, levando a uma precificação do carbono pelo mercado, e não pela caneta de um burocrata de governo. Que suas metas de descarbonização devem levar a uma redução acumulada de emissão de 686 milhões de toneladas de CO2e até 2029, o que corresponde a mais de um ano de emissões totais da França.
Bolsonaro pode lembrar Merkel de que o Brasil tem uma opção tecnológica de mobilidade muito superior à que a Alemanha e outros países europeus estão perseguindo ao pretenderem substituir motores de combustão interna por carros elétricos a bateria, numa falsa ilusão de que desta maneira estarão gerando emissão zero.
Bolsonaro pode questionar Merkel sobre a política ambiental alemã, que atualmente usa energia elétrica obtida com a queima de carvão e gás natural para movimentar a sua frota de carros pretensamente limpos, utilizando baterias produzidas com metais raros extraídos via de regra de forma não sustentável. O carro a bateria não emite CO2, mas a geração da energia nela armazenada, e a emitida para produzir e descartar a bateria, sim.
Quando levada em conta a avaliação do ciclo de vida fechado (poço-a-roda), os carros elétricos a bateria europeus estão emitindo hoje aproximadamente 92 gCO2e/km e, talvez, com todos os avanços previstos, estejam emitindo 74 gCO2e/km em 2032 – isso sem contar os custos ambientais de fabricação e descarte das baterias e os elevados investimentos e custos ambientais de uma nova infraestrutura de recarga.
Bolsonaro pode indicar a Merkel que, por causa da pegada de carbono quase neutra do etanol, a emissão de gases do efeito estufa dos atuais veículos equipados com motores de combustão interna utilizando etanol ainda não otimizados é de apenas 58 gCO2e/km, e novas tecnologias a serem em breve implantadas como resultado da Lei do Rota2030 aprovada em 2018, estamos indo na direção de 47 gCO2/km. Estamos indo na direção da eletrificação com biocombustíveis com o novo híbrido flex a etanol, que entra no mercado em outubro e já é considerado o carro mais limpo do planeta, pois emite apenas 39 gramas, e a célula a combustível a etanol que já tem protótipo pronto, e quando chegar às ruas emitirá apenas 27 gramas por km.
É por esse motivo que dirigentes de montadoras europeias têm alertado Merkel e o presidente francês, Makron, de que até os atuais carros movidos a diesel são mais limpos do que a opção tecnológica que ambos têm incentivado com enormes subsídios, mas pouco interesse tem capturado nos consumidores.
Bolsonaro pode indicar a Merkel que, em realidade, o Brasil tem em suas mãos a solução para resolver o mais grave desafio que a Europa enfrenta atualmente, a crise dos refugiados. A adoção desta estratégia na África e em outras regiões do globo poderá aumentar a produção de alimentos e energia, reduzir a dependência energética por energia fóssil, fixar o homem no campo, reduzir o desmatamento ligado à coleta de madeira para cocção, gerar renda e emprego e incentivar o comércio.
Bolsonaro e Merkel podem manter um diálogo sobre como lideranças globais, unidas, podem tentar amenizar os efeitos dos dois grandes problemas que afligem a humanidade: o aquecimento global e a crise do emprego, com sustentabilidade econômica, social e ambiental.
*PRESIDENTE DA DATAGRO, É REPRESENTANTE DA SOCIEDADE CIVIL NO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA (CNPE)

O Estado de S.Paulo