Cristiane Jungblut e Evandro Éboli - O Globo
Um dia após a Câmara desfigurar pacote anticorrupção, juiz da Lava-Jato e ministro Gilmar Mendes, do STF, vão ao Congresso
No início de seu pronunciamento em debate realizado no Senado nesta quinta-feira sobre o projeto de lei que altera a legislação referente ao abuso de autoridade, o juiz Sérgio Moro disse que nenhuma autoridade é "conivente" com o abuso de autoridade, mas pediu que não se criminalize a atuação dos servidores e nem se puna divergências de interpretação.
Diante de senadores citados na Lava-Jato, Moro disse que esse não seria o melhor momento para se aprovar uma Lei desse tipo, alertando que o Senado poderia passar uma "mensagem errada à sociedade".
— Talvez não seja o melhor momento, não apenas a Lava-Jato. Uma nova lei poderia ser interpretada nesse momento como efeito prático de tolher ações. Faço isso com extrema humildade. Talvez não seja o melhor momento, e o Senado pode passar uma mensagem errada. O que se assiste é uma sociedade ansiosa não apenas com casos da Lava-Jato.
Ele alertou que não se pode "tolher a magistratura".
— Nenhuma autoridade é conivente com abuso de autoridade, nenhum juiz. Faço apenas uma sugestão para que não venham a ser penalizados por uma interpretação equivocada. Que a pretexto de coibir abusos, não se venha a puní-los (os servidores) pelo correto cumprimento de sua função. Minha sugestão é que erros, divergências na avaliação de fatos e provas não representam abuso de autoridade — disse Moro, que foi aplaudido no final de seu discurso.
Também participa da sessão aberta pelo presidente Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes. Renan tentou aprovar nesta quarta-feira o regime de urgência para votação do pacote anticorrupção que foi aprovado na Câmara. Sem que medidas fossem discutidas nas comissões, a proposta foi derrotada por 44 votos a 14.
Ao lado de Moro, Calheiros (PMDB-AL) fez um duro discurso defendendo o projeto da Lei do Abuso de Autoridade e disse que a proposta não é para barrar a Lava-Jato ou para tirar poderes do Ministério Público ou da Magistratura. Em claro recado ao juíz e aos críticos ao projeto, disparou:
— Nenhum de nós está imune aos sistemas de controle legalmente constituídos. Tenho visto na mídia algumas associações externarem preocupação sobre o impacto que a eventual legislação poderia ter na independência da Magistratura ou inviabilizar investigações policiais. Não é para a intimidação. O projeto abrange os servidores dos três Poderes. Ao contrário do que vem sendo indevidamente propagado, (não é) iniciativa para embasar a Lava-Jato ou qualquer outra investigação legalmente constituída. Considero a operação Lava-Jato sagrada, e ela precisa, sim, ser estimulada para diminuir a impunidade no Brasil, que é uma grande chaga — disse Renan, acrescentando:
— Só não pode o Congresso ser omisso nesse momento histórico, nem ter conivência com atentados a liberdades públicas que temos o dever de proteger.
Renan chamou de "teorias conspiratórias" as críticas recebidas ao projeto da Lei que pune o Abuso de Autoridade e disse que a proposta é até "amena".
— É equivocado navegar nas águas das teorias conspiratórias. É pura maldade, preconceito. Tenha-se a santa paciência: não se pune a autoridade, mas o abuso de uma autoridade. O projeto ainda é bastante ameno. Sigo acreditando no Poder Judiciário e duvidar dessa lei significa duvidar do próprio Poder Judiciário — disse ele.
Segundo Renan, o Ministério Público tem a blindagem do procurador-geral da República, de cuja vontade depende a investigação de qualquer um dos seus membros.
— Seria ilusório, portanto, achar que mero projeto de lei, aliado e compatível com as legislações de outros países democráticos, possa colocar em risco a atividade de juízes e procuradores — afirmou Renan.
Depois de um cumprimento protocolar com Moro, Renan começou o discurso afirmando que era um momento de "reflexão". Ele disse que as divergências podem sempre ser superadas.
— O diálogo é sempre preferível à hostilidade. Não são os homens que brigam, são as ideias, gostava de repetir o grande político brasileiro que foi Tancredo Neves — disse Renan.
Ele classificou de excessos e abuso de poder atitudes como "uso de algemas, detenção de desafetos por motivos pessoais, prisões, gravações ou quebra de sigilo de jornalistas, para violar o sigilo da fonte". E citou o historiador Norberto Bobbio e até Nelson Mandela.
— Nelson Mandela advertiu que não há caminho fácil para a liberdade. A prevenção do abuso de autoridade é compromisso do estado democrático de direito e dever do poder público. Trata-se de ilícito grave.
Renan disse que o abuso de autoridade é "ilícito grave".
— O abuso surge da apropriação dos centros de apropriação para suprir desejos pessoais. Poder do uso de algemas, passando pela detenção de desafetos por motivos pessoais, prisões, gravações ou quebra de sigilo de jornalista, para violar o sigilo da fonte.
Ele reclamou de decisões de juízes contra o Senado.
— É bom reiterar que o texto do projeto foi elaborado por uma insuspeita comissão de juristas - disse ele.
O presidente do TSE, Gilmar Mendes, é favorável ao projeto.