Em “Crônica de uma morte anunciada”, Gabriel García Marquez reconstitui a história de um assassinato que o leitor já sabe como e onde aconteceu e quem é o assassino, mas com tanto engenho e arte, que nos leva a torcer pela salvação do protagonista até o fim inexorável da narrativa. Assim como na política, o fato vale menos que a sua versão, como é contado.
Dilma começou muito bem, firme e serena, articulada, e até emocionada, lendo um discurso bem escrito, mais para a História do que para o plenário. Alguns chegaram até a imaginar um final diferente para a “Crônica de um impeachment anunciado”, com uma mágica virada de votos. Mas, assim que começou a responder às perguntas, Dilma já era outra — a de sempre, fazendo um esforço enorme para engolir a raiva e para se manter cordata, mas se comportando como uma candidata em campanha.
Dura e agressiva, quase cuspindo as palavras, acusando seus adversários de torpezas passadas e futuras, muitas ficcionais, sem admitir qualquer erro ou culpa. Repetiu ad nauseam as mesmas frases e argumentos da defesa, no seu estilo tortuoso em que a prolixidade repetitiva da fala é a fiel expressão de sua forma de pensar e articular conceitos; num tom professoral de autoridade absoluta, como se todos fossem ignorantes e burros, ela incomodou até os seus defensores. Não parecia querer virar votos, mas o confronto pela causa perdida.
Um breve momento revelou uma outra Dilma, que não conhecemos, talvez tão verdadeira quanto as outras, quando disse ao senador Cássio Cunha Lima que muitos tiravam fotos esfuziantes ao lado de Eduardo Cunha: “A vida é assim, senador. Dura”; e riu abertamente, um riso escancarado, que não conhecíamos. Até o senador riu. Eram como dois atores que sabem seus papéis e o final da peça, mas não conseguem conter o riso com algum “caco” fora do script.
Diante do espetáculo dramático e farsesco a que assistimos, o recall deve ser uma prioridade em qualquer reforma política. Dilma já estaria em casa. E sem toda essa briga.