O momento deveria ser de paz e tranquilidade para a Braskem, petroquímica fabricante de resinas controlada pela Odebrecht, que tem a Petrobras como sócia. O preço baixo do petróleo, em patamares semelhantes ao pós-crise de 2009, tem diminuído seus custos e melhorado de forma significativa seus resultados. A cotação do barril interfere no preço da nafta, derivado de óleo e principal matéria-prima usada pela empresa. Em todo o mundo, a demanda pelo seu produto segue aquecida. O fator Operação Lava Jato, porém, ameaça os negócios, e a nova etapa de trabalhos da força-tarefa, a Omertà, desencadeada na segunda-feira (dia 26), poderá aumentar o tamanho da encrenca da empresa, tanto diante das autoridades brasileiras quanto americanas.
O risco de perdas financeiras é elevado para a empresa e, em última análise, para seus acionistas, devido à possibilidade de pagamento de multas em casos de condenações aqui e lá. A Braskem tem papéis negociados na NYSE, a Bolsa de Nova York, e por isso também deve satisfação nos Estados Unidos.
Em 2015, com a cotação do petróleo em queda e o dólar em alta, a Braskem lucrou R$ 2,9 bilhões, o melhor resultado de sua história. Antes disso, seu melhor desempenho havia sido em 2010 – quando a demanda mundial voltava a crescer, depois da crise de 2008/2009, com lucro de R$ 1,8 bilhão, o dobro do ano anterior. Em 2008, as perdas chegaram a R$ 2,4 bilhões. Nos primeiros seis meses deste ano, o resultado ficou em R$ 1,028 bilhão positivo, 18% abaixo do lucro do primeiro semestre de 2015, devido aos custos de uma nova unidade no México e à valorização do real, mas ainda o segundo melhor resultado para o período desde 2010.
Sob os aspectos meramente operacionais e financeiros imediatos, o cenário tem sido tão favorável, mesmo com a previsão de queda do dólar, que o Itaú BBA manteve a avaliação positiva sobre o desempenho futuro das ações da petroquímica. A instituição reconhece e alerta, porém, para os riscos dos desdobramentos da Lava Jato nos negócios da petroquímica. No relatório anual entregue ao órgão regulador do mercado de capitais americano, a SEC (Securities and Exchange Commission), o chamado 20-F, a Braskem também admite o risco financeiro representado pela Lava Lato e das investigações e ações que enfrenta nos Estados Unidos. Por isso, decidiu, há alguns meses, contratar um escritório independente de investigação, que vai subsidiar apurações do Departamento de Justiça americano e da SEC, já atentos às denúncias contra a empresa. A lista de encrencas não é pequena.
Em março, o presidente do grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, preso desde o ano passado na Lava Jato, foi condenado a 19 anos e 4 meses de prisão pelo juiz Sergio Moro, por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Entre os crimes identificados, foi apontado o pagamento de propinas pela Braskem e pelo grupo Odebrecht ao ex-diretor da Petrobras e delator da Lava Jato Paulo Roberto Costa. O ex-dirigente da estatal admitiu, em depoimento, que recebia dinheiro para favorecer a petroquímica na negociação de nafta com a Petrobras. Além de ser sócia da Odebrecht, a Petrobras fornece nafta à Braskem.
Na segunda-feira, após a deflagração da Omertà, tornaram-se públicos novos fatos relacionados à Braskem. Para a Polícia Federal, Marcelo Odebrecht manteve contato com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, enquanto Palocci era deputado, com o intuito de assegurar a aprovação de lei no Congresso que favorecesse a Braskem em termos tributários. Segundo os investigadores, como essa iniciativa não obteve sucesso, a negociação se voltou para outras formas de compensação à empresa, que não estão ainda claras. Palocci está preso temporariamente.
Nos Estados Unidos, a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (Foreign Corrupt Practices Act, FCPA) prevê punições severas para empresas que negociam ativos no país e que sejam comprovadamente envolvidas em corrupção. Nos casos mais graves, as multas superam as centenas de milhões de dólares. Em 2008, a Siemens foi condenada a pagar US$ 800 milhões por ter corrompido agentes públicos em várias partes do mundo. Em 2013, a petroleira francesa Total pagou US$ 398 milhões por causa de pagamento de propina a autoridades ligadas à estatal de petróleo iraniana.
A Braskem também é alvo de ações de investidores enfurecidos nos Estados Unidos, que se consideram enganados, a exemplo do que já sofrem Petrobras e Eletrobras. Eles pedem compensação financeiras pela conduta que atribuem à empresa.
A diferença, aqui, é que Petrobras e Eletrobras podem tentar se livrar das condenações com a tese de que foram vítimas de esquemas de corrupção. No caso da Braskem, tal tese, em princípio, não poderia ser adotada, se ficar comprovado que seus executivos e acionistas foram responsáveis por pagamento de propinas a agentes da Petrobras para fechar acordo lesivos aos cofres da estatal.
A Braskem ainda deverá sofrer uma profunda mudança em seu quadro acionário. Mergulhada em seus próprios e gigantes problemas financeiros, a Petrobras já vem indicando, há mais de um ano, que pretende se desfazer de sua participação na Braskem. Na divulgação de seu plano de negócios, na semana passada, a Petrobras informa que vai vender ativos, da ordem de US$ 19,5 bilhões entre 2017 e 2018, para fazer caixa e se concentrar na extração de petróleo no pré-sal.
Por enquanto, os ótimos resultados vêm fazendo a alegria dos acionistas da petroquímica. Na quarta-feira (28) e quinta-feira (29), as ações da Braskem subiram quase 11%, em parte ainda como decorrência do anúncio de pagamento de R$ 1 bilhão em dividendos relativos a 2015. Para a Odebrecht, dona de 38% do capital total da Braskem, a injeção de recursos via dividendos é mais que providencial. Com o impacto da Lava Jato em seus negócios, o grupo admite ter dívidas superiores a R$ 90 bilhões. Em 2014, a Braskem foi responsável por pouco mais de um terço do lucro do grupo baiano e responde por metade de sua receita. Se a petroquímica tiver de usar parte de seus resultados para pagar multas, quem vai sofrer será a Odebrecht.
Além da petroquímica, outro negócio relevante do grupo Odebrecht é a construtora. Com a Lava Jato e a recessão, seu lucro caiu 51% entre 2014 e 2015, para R$ 890 milhões. Nada indica que o cenário da empreiteira tenha melhorado neste ano (a empresa não tem capital aberto, portanto não divulga balanços trimestrais). A Braskem se mantém como maior alento do conglomerado baiano.
A Braskem foi criada em 2002, depois de a Odebrecht reunir seus ativos em petroquímica com os do grupo Mariani. Em 2010, a Petrobras e a Odebrecht investiram R$ 3,5 bilhões na compra da petroquímica Quattor. A estatal participou com 70% desse valor. Os ativos foram reunidos na Braskem, que passou a contar com 50,1% da Odebrecht e 47% da Petrobras no capital votante. Os sócios fecharam um acordo para a gestão da empresa. A revisão desse acordo é necessária, segundo o presidente da Petrobras, Pedro Parente, para que a estatal possa sair de seu capital.