quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Alan Gripp: ‘O fim do roteiro que desandou’

O receituário de Dilma, aplicado ao inverso, está na base da crise


Dilma discursava em frente ao Palácio do Planalto, provavelmente na última vez em que pisou ali. Era 12 de maio, e a petista acabara de ser afastada do cargo pelo Senado. Lula, posicionado duas fileiras atrás, parecia estar em outro lugar. Com olhar perdido, alisava o bigode e coçava a barba em câmera lenta. Era a cara da derrota. E parecia repassar na cabeça a história que o levara até aquele momento, numa das imagens mais marcantes do processo do impeachment.

Lá se vão 2.131 dias desde que Dilma Rousseff tornou-se a primeira mulher eleita presidente do Brasil, por obra de Lula. Uma revisita àquele dia ajuda a entender o desfecho dessa história, com a aprovação do impeachment. Com a popularidade nos céus, Lula, que elegeria um abajur, tratorou o PT e emplacou Dilma, embalada de “mãe do PAC”.

O GLOBO estampou na manchete da vitória: “Lula elege Dilma, e aliados já articulam sua volta em 2014”. Era o roteiro. Mas, numa história ainda a ser contada, Lula desistiu de voltar e, meio a contragosto, embarcou na reeleição de sua criatura.

O primeiro discurso da presidente eleita também é, hoje, assustadoramente revelador. Ao fazer um diagnóstico do país, Dilma disse que o “povo brasileiro não aceita mais a inflação como solução irresponsável para atuais desequilíbrios”. E que o eleitor não tolera “que se gaste acima do que seja sustentável”, prometendo melhorar as contas públicas.

Afirmou que recusaria o “gasto efêmero, que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança”, e garantiu que as agências reguladoras teriam “todo o respaldo para atuar com determinação e autonomia”.

O receituário de Dilma, aplicado ao inverso, está na base da crise que desembocou em 31 de agosto de 2016. Não explica tudo, evidentemente, mas criou o ambiente de pessimismo generalizado que permitiu que ela fosse facilmente engolida por seus inimigos.

Lula é um político hábil. Mas sua “genialidade” foi posta em dúvida pela principal escolha de sua vida. Diante de tudo, é inevitável imaginar: no que tanto pensava Lula naquele fatídico dia?