A pista dada por um informante da comunidade um mês antes era um tanto vaga. “Dá uma olhada no terreno perto do cemitério, do lado de uma cerca.” Mas era tudo o que quatro policiais civis tinham de concreto ao começar a investigação em uma manhã de fevereiro. Naquela quinta-feira, eles se reuniram às 7 horas numa viela de chão batido para planejar como explorariam a área algumas centenas de metros adiante, em busca de evidências de outro cemitério, este clandestino. Com pás e enxadas, eles entraram na mata umedecida pela chuva da noite anterior, que virara uma sauna sob o efeito do sol. Depois de 20 minutos de sobe e desce pelas trilhas, encontraram um indício: um sapato abandonado. Alguns passos à frente, um pedaço marcado de chão sugeria que a terra havia sido remexida e colocada de volta. Tinha uma cobertura vegetal mais rala, de um tamanho compatível ao de uma sepultura.
Diante das evidências, os homens começaram a cavar. Em pouco tempo, emergiu do buraco um pé em estágio avançado de decomposição. A 20 centímetros de profundidade, a aparição do restante do corpo concretizou a suspeita dos policiais – e empesteou o ar com um forte cheiro de carniça. Doze horas de escavação depois, os investigadores tinham três cadáveres no mesmo estado pútrido, todos com evidentes sinais de tortura. Na manhã seguinte, com a ajuda de uma equipe maior, de peritos forenses, bombeiros e cães farejadores, descobriram outros dois corpos a 200 metros dali. Estavam enterrados numa mesma cova, com um moletom vermelho da marca Hollister, um par de tênis e um pé de chinelo de dedo cor-de-rosa.
Diante das evidências, os homens começaram a cavar. Em pouco tempo, emergiu do buraco um pé em estágio avançado de decomposição. A 20 centímetros de profundidade, a aparição do restante do corpo concretizou a suspeita dos policiais – e empesteou o ar com um forte cheiro de carniça. Doze horas de escavação depois, os investigadores tinham três cadáveres no mesmo estado pútrido, todos com evidentes sinais de tortura. Na manhã seguinte, com a ajuda de uma equipe maior, de peritos forenses, bombeiros e cães farejadores, descobriram outros dois corpos a 200 metros dali. Estavam enterrados numa mesma cova, com um moletom vermelho da marca Hollister, um par de tênis e um pé de chinelo de dedo cor-de-rosa.
Não é incomum as terras daquele lugar, chamado Parque das Cerejeiras, ocultarem cadáveres. Um ano e meio antes da descoberta, pelo menos três foram encontrados em locais distintos do bairro. Num episódio macabro, um cavalo morto e queimado foi achado amarrado ao tronco de uma árvore. “Tudo indica que haja mais corpos ali”, afirma o delegado Rodrigo Petrilli, do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), responsável pela investigação. “Essas pessoas foram julgadas pelos tribunais do crime, mortas e enterradas.” Os policiais que investigam o caso trabalham com uma única linha de investigação: são vítimas executadas pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC, a facção criminosa que domina os presídios paulistas e movimenta cerca de R$ 240 milhões anuais com o tráfico de drogas no Brasil e em mais oito países da América do Sul.
Sinais da facção estão espalhados pelo bairro, convidativo para o crime. A 32 quilômetros do centro de São Paulo, o Parque das Cerejeiras tem matas próximas às margens da Represa de Guarapiranga, quase uma centena de favelas e milhares de vielas de terra batida, sinais da ocupação desordenada de uma região de sítios e chácaras por loteamentos clandestinos e invasões nos últimos 50 anos. O Parque das Cerejeiras é um naco do lado esquerdo do Jardim Ângela, considerado na década de 1990 o bairro mais violento do mundo, com altíssimo índice de homicídios. Hoje, tem nove vezes mais homicídios que um bairro de classe média alta, como Moema, de acordo com o Núcleo de Estudos da Violência. Na viela que dá acesso à mata onde foi descoberto o cemitério clandestino, os muros trazem pichadas as inscrições “1533” (combinação da 15ª letra do alfabeto, o “P”, com duas vezes a 3ª, o “C”) e “Aqui ninguém te julga, quem te julga são seus atos”. Polícia e população sabem que naquela área, como nos presídios, a facção estabelece as condutas de vida e as regras de morte.
“Quem morre na mão deles some. Sem direito a enterro, sem direito a nada. Eles que enterram. Enterram com cal para sumir mais rápido. A família não pode nem chorar”, diz Pedro*, ainda aéreo e sonolento, em uma noite no 43º Distrito Policial, em Cidade Ademar, a 20 quilômetros do Parque das Cerejeiras. Vestido com uma camiseta, calça de moletom Adidas e um tênis Mizuno, ele tem hematomas nos dois olhos, um galo no rosto, boa parte do corpo esfolada e o joelho inchado. E, ainda assim, era um cara de sorte. Horas antes, a polícia o salvara da execução certa pela facção, após dois dias de tortura em um cativeiro. “No tempo dos justiceiros, ele seria morto ali mesmo, na hora. Não teria sequestro nem cativeiro”, afirma o delegado José Ademar de Souza, do 43º DP. Mas os tempos são outros. A facção tem suas regras, mais elaboradas, que preveem um julgamento, o “debate”, com respeito a ritos e hierarquia.
“Quem morre na mão deles some. Sem direito a enterro, sem direito a nada. Eles que enterram. Enterram com cal para sumir mais rápido. A família não pode nem chorar”, diz Pedro*, ainda aéreo e sonolento, em uma noite no 43º Distrito Policial, em Cidade Ademar, a 20 quilômetros do Parque das Cerejeiras. Vestido com uma camiseta, calça de moletom Adidas e um tênis Mizuno, ele tem hematomas nos dois olhos, um galo no rosto, boa parte do corpo esfolada e o joelho inchado. E, ainda assim, era um cara de sorte. Horas antes, a polícia o salvara da execução certa pela facção, após dois dias de tortura em um cativeiro. “No tempo dos justiceiros, ele seria morto ali mesmo, na hora. Não teria sequestro nem cativeiro”, afirma o delegado José Ademar de Souza, do 43º DP. Mas os tempos são outros. A facção tem suas regras, mais elaboradas, que preveem um julgamento, o “debate”, com respeito a ritos e hierarquia.