Desde setembro do ano passado, o cenário base do economista José Roberto Mendonça de Barros já era traçado com o fim antecipado do governo Dilma Rousseff. “Não era crível que nada aconteceria com a economia caindo 4% num ano e depois mais 4% no ano seguinte”, diz. Num eventual governo do vice-presidente, Michel Temer, Mendonça de Barros acredita que haverá uma janela de oportunidades para o País. Na avaliação dele, se Temer conseguir um governo de união e endereçar uma agenda de medidas, o crescimento econômico poderá voltar em 2017. “Para essa agenda sair do papel, nada substitui a arte de fazer a política econômica do governo. Será preciso selecionar o que fazer na partida: algo relevante, viável politicamente e que sinalize um determinado caminho”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.
Com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, o que o sr. espera para a economia?
O afastamento da presidente Dilma sinaliza uma mudança muito profunda. É um turning point (ponto de inflexão) no cenário político brasileiro porque significa o afastamento do grupo que comandou o poder e a economia desde 2003. Com a saída dela, certamente as mudanças que devem ocorrer serão muito mais profundas. Serão mudanças que vão se explicitar aos poucos e vão atingir alguns dos pilares que nortearam os últimos sete, oito anos.
Em quais pontos o sr. enxerga a possibilidade de mudança?
Vejo uma mudança na visão de mundo em que o Estado tem de comandar tudo, todo o crescimento, todas as coisas, etc. A nossa percepção geral é a seguinte: os primeiros três, quatro meses serão realmente muito importantes. Essa mudança deve ser profunda, mas é sujeita a risco dada a natureza de ser um governo que está assumindo após o processo de impeachment. Antes de tudo, o que me chama atenção é que, nos próximos três ou quatro meses nós vamos ter quatro fatores influenciando o governo.
Quais são esses fatores?
O primeiro é que nós teremos de lidar com a continuidade do aumento do desemprego e com um número relativamente importante de recuperações judiciais. O segundo fator envolve a situação dos Estados. Tem uma ameaça gigante que é a questão dos juros simples e compostos. Na semana passada, o Supremo deu mais dois meses para negociação (os Estados questionam a troca de metodologia de cálculo das dívidas estaduais com a União de juros compostos para simples). O Supremo sinalizou que isso não vai se materializar, mas de certa forma santificou que algum acordo vai ter de ser feito com os Estados. O terceiro elemento se dá por certas reações dos movimentos sociais (ao processo de impeachment) cuja dimensão não dá para dizer, mas que certamente não ajuda a entrada do novo governo. E, finalmente, tem a Lava Jato. A operação vai continuar na sua trajetória, o que também é uma coisa relevante no curto prazo. Embora a passagem de governo seja delicada, no geral, a nossa expectativa é que o novo governo tenha uma janela de oportunidades para uma estabilização da economia e para entregar alguma melhora no cenário econômico.
Por que o sr. acredita que essa visão otimista pode prevalecer?
O processo de impedimento vai resultar em um enorme ganho de governança para o País, inclusive das empresas. Nenhum país consegue ir adiante com o tipo de governança que tínhamos até aqui. A segunda razão para essa visão é que o Temer vai ter de assumir – e eu acho que ele tem essa visão – um governo de transição. Se ele disser que não será candidato em 2018, ele não é competidor de ninguém. Isso permite que uma boa parte das forças econômicas, políticas e sociais apoiem o governo. A terceira razão é que essa crise prolongada fez depurar as visões no sentindo de a gente ter uma clareza muito grande com relação à agenda econômica nacional.
Qual é essa agenda?
Se você tirar a esquerda e quem está saindo do governo, existe um enorme consenso com relação a essa agenda. Ela está calcada em três pontos. Nós temos de inverter a curva fiscal. Estamos indo para uma inviabilidade absoluta. A segunda coisa para a qual se concorda é que temos de retomar uma agenda de reformas, e o terceiro ponto é que os custos de se fazer negócio e produzir no Brasil são permanentemente elevados, o que acabou com a competitividade do Brasil.
O sr. acredita que todas essas questões serão endereçadas?
O que me parece fundamental perceber é que essa agenda precisa ser aceita num contexto de um governo de transição. Não serão resolvidos todos os problemas, mas o que se espera de um governo de transição é que se tenha o início e uma visão desse processo. O que deve estar por trás desse governo é a expressão popular ‘poucas e boas’. Não adianta vir com uma lista interminável de coisas para serem reformadas ou atendidas porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo.
Dentro dessa agenda, em quais áreas será possível avançar em um eventual governo Michel Temer?
Não dá para deixar de fora uma reforma da Previdência. E provavelmente a questão para começar é a idade mínima. É algo discutido, aceito, simples de entender e impossível ser contra, ainda que represente uma mudança que vai exigir maioria importante no Congresso. A ideia de ampliar a DRU (Desvinculação de Receitas da União) de 20% para 30% me parece excelente. O governo vai ter de caminhar na direção de um ajuste sem que tenha aumento de imposto. O que também precisamos é reduzir o volume de isenções e analisar as despesas. Na redução dos custos para se fazer negócios, vejo duas coisas para se pensar: melhorar as regras de concessão e mexer na área trabalhista. Para essa agenda sair do papel, nada substitui a arte de fazer a política econômica do governo. Será preciso selecionar o que fazer na partida: algo relevante, viável politicamente e que sinalize um determinado caminho.
Na possibilidade de o Temer assumir, o sr. imagina crescimento econômico em 2017?
Não será nada muito espetacular. Este ano vai ser negativo porque o peso do primeiro semestre é arrasador. Em 2017, não haverá um crescimento grande. Algo em torno de 1,5%.
O governo Temer teria força para começar todas essas medidas que o sr. pontua?
Eu acho que sim. Vamos lembrar que, ao contrário do que diz o grupo que está saindo do governo, o movimento que levou ao impeachment foi muito profundo. Estamos falando de 70% da população. É um movimento que tem base e, por isso, a decepção da população seria gigantesca se tudo isso fosse frustrado.
O ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles é o mais cotado para assumir o Ministério da Fazenda. Qual avaliação o sr. faz de uma possível gestão dele?
Ele tem o perfil que atende perfeitamente a esse cenário colocado. É experiente, veterano, bem aceito e tem experiência de governo. Os nomes que se falam para o Banco Central também me parecem todos razoáveis. Existe um olhar que eu acho exagerado sobre o que o mercado financeiro vai dizer. Eu acho que o mais relevante é que os setores não financeiros vão dizer, como as famílias e as empresas. Acho que tem chance de ser uma coisa bem positiva. Estou otimista. Agora, sei que tudo começa nos primeiros passos. Tem de dar a pisada correta na partida. O custo de um erro na partida vai ser muito alto.
Parte da indústria critica o Meirelles por causa da apreciação do real durante a presidência dele no BC. Faz sentido essa crítica?
Eu não acho que tenha sido ele o pai disso. Acho que foi o governo. O Banco Central sozinho não faz nada. Foi o governo que embarcou nessa de apreciação para segurar a inflação do jeito fácil. Agora, o mais importante é que hoje todo mundo concorda que o coração do problema está na parte fiscal e não na monetária e cambial. Do lado monetário e cambial, temos boas possibilidades para estabilizar o câmbio e baixar os juros. A hora que baixar um pouco a temperatura política e começar a olhar para trás vai ficar mais claro ainda o tamanho do desastre macroeconômico. E ele é gigantesco. Para conseguir quebrar a Petrobrás tem de ser muito incompetente.
Quantos anos se leva para consertar o desarranjo fiscal?
O duro é fazer o turning point. O Carlos Melo, colunista do Estadão, falou outro dia e acho muito correto que a primeira coisa para sair do buraco é parar de cavar. E o governo Dilma nunca parou de cavar o buraco. Até hoje está cavando. Se fizer o mínimo, você para de cavar e aí começa a reconstruir alguma coisa.
Nomes do PSDB devem integrar o governo do Temer?
Eu acho que o PSDB tem de apoiar. Não faz o menor sentido fingir que não tem nada a ver com isso. É uma questão de responsabilidade.
Se o governo Temer não se concretizar e a Dilma permanecer ou voltar ao poder, qual será o cenário?
Um horror. O câmbio explode, o mau humor volta a dominar todo mundo. A presidente não tem mais apoio de lugar nenhum. Eu imagino um cenário horroroso. Aliás, essa é a razão pela qual em setembro do ano passado a consultoria MB colocou no seu cenário base que o governo Dilma não terminaria em 2018. O raciocínio era exatamente esse. Não era crível que nada aconteceria com a economia caindo 4% num ano e depois mais 4% no ano seguinte. Quem empurrou esse movimento (de saída da presidente) foi a população, não foi o presidente da Câmara. Essa é uma forma mentirosa de contar a história. Se por um absurdo acontecer a volta da Dilma, nós cairemos numa trajetória pior em relação a que nós estamos. Aí a recaída é impensável.