A entrevista que a presidente afastada, Dilma Rousseff, concedeu, no último domingo (29), a esta Folha mostra bem quão incurável é a hipocrisia petista.
Para começar, a introdução da entrevista informa que Dilma anda recebendo deputados, senadores e ex-ministros e, com eles, participando de "discussões em redes sociais". Segundo a presidente, ela e seus aliados têm de defender o seu "legado" com "pouco recurso". Fico me perguntando a que "legado" ela se refere.
Seriam os 11 milhões de desempregados? A inflação de dois dígitos? Os cortes bilionários na Saúde, na Educação e nos programas sociais? O rombo de quase R$ 200 bilhões que ela e sua equipe fizeram de tudo para maquiar?
Cara de pau ainda maior foi falar em "pouco recurso". Então quer dizer que a estrutura gigantesca de pelegos do petismo –que envolve blogs, revistas, jornais, movimentos estudantis e centrais sindicais– é mantida com "pouco recurso"? O "pouco" de Dilma são pelo menos alguns milhões de reais. Isso sem falar nos 120 empregados do Palácio da Alvorada e 35 assessores mantidos com dinheiro público para a futura ex-presidente viver uma vida de luxo e espernear contra um golpe imaginário.
Dilma, ao menos em discurso, acredita que pode voltar ao poder. Na letra da lei, realmente é possível, mas é muito pouco provável. Na votação da admissibilidade do processo no Senado, era necessária apenas a maioria simples dos votos –metade mais um dos 78 presentes: 40. Optaram pelo afastamento, no entanto, 55 parlamentares, contra 22. Houve uma abstenção. No julgamento, são necessários dois terços dos 81 senadores: 54.
Apesar de já ter concedido diversas entrevistas, Dilma não melhorou o discurso: continua negando o crime cometido, definido no inciso VI do artigo 85 da Constituição, com pena prevista na Lei 1.079. Julgamento do Tribunal de Contas da União e levantamento feito pelo Banco Central evidenciam as heterodoxias de Dilma, que são atos criminosos.
A novidade está em afirmar que o verdadeiro objetivo do impeachment é obstruir a Operação Lava Jato. O novo argumento torna a tese do golpe ainda mais caricata. Explico.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), conhecido amante de teorias da conspiração e que já chegou a afirmar que líderes do MBL receberam treinamento nos Estados Unidos, declarou, em entrevista à própria agência de notícias do PT, que há um "golpe midiático-jurídico" em curso. Setores do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Poder Judiciário trabalhariam pelo impeachment de Dilma.
Quando Lula foi alvo de mandado de busca e apreensão e de condução coercitiva na Operação Lava Jato, Afonso Florence (PT-BA), líder do PT na Câmara, afirmou que a operação é "ilegal, ataca Lula, PT e conquistas sociais".
Temos, então, o paradoxo do impeachment: a Operação Lava Jato é um golpe contra as conquistas do PT e uma artimanha de perseguição contra políticos petistas. O impeachment é uma conspiração golpista para acabar com a Lava Jato.
Ora, se o verdadeiro objetivo do impeachment é acabar com um golpe contra o PT e suas conquistas sociais, por que os petistas são contra o impeachment?
Dilma fala sobre uma "política ultraliberal em economia" que estaria em andamento, mas que não teve "o respaldo das urnas". Engraçado ouvir isso da responsável por um dos maiores estelionatos eleitorais da história do país. Quem ainda se lembra das promessas de campanha? "Não vai ter corte, não vai ter CPMF, a inflação ficará sob controle...". Não é que Dilma tenha deixado de cumprir suas promessas, é pior: a presidente fez exatamente o oposto do que prometeu.
O trecho da entrevista que mais evidencia a hipocrisia petista é aquele no qual a presidente afastada é indagada sobre a delação de Delcídio do Amaral, segundo quem Dilma indicou o ministro Marcelo Navarro para o STJ para soltar empreiteiros presos. A resposta foi desesperada, para dizer o mínimo. "É absurda a questão do Navarro. Eu não tenho nenhum ato de corrupção na minha vida".
Ora, e quem a está acusando de ser corrupta?
Obstrução da Justiça também é crime, e Dilma não foi capaz de dizer nem uma frase sequer em sua defesa.
Por fim, Dilma se embanana toda ao tentar se explicar sobre o estelionato eleitoral: "Quando é que o pessoal percebeu que tinha uma crise no Brasil, hein? A coisa mais difícil foi descobrir que tinha uma crise no Brasil". O índice de miséria disparando, milhões de desempregados e a desigualdade aumentando, mas a presidente da República não sabia que existia crise.
Apesar de tudo, Dilma admite que cometeu erros. Quais? "Ah, sei lá."