segunda-feira, 30 de maio de 2016

Ruy Castro: "A ilusão de escrever"

Folha de São Paulo


Fico sabendo pelo "New York Times" que os atores Johnny Depp e Gwyneth Paltrow, a apresentadora Oprah Winfrey, o diretor Michael Mann e outras potestades de Hollywood estão achando insuficiente a glória do cinema. Querem também a glória literária. E não se contentam mais com escrever -ou assinar- seus tradicionais livros de memórias, autoajuda ou receitas culinárias.

Estão criando seus próprios selos editoriais, nos quais pretendem publicar suas obras já escritas ou por escrever. E não apenas estas como as dos amigos que revelem pendores literários -um jogador de beisebol, um chef de cozinha e um personal trainer já foram anunciados.

A literatura e a indústria editorial agradecem. Sabe-se lá que belos escritores não estamos perdendo só porque algumas pessoas venceram em outras especialidades? Jane Fonda, também convidada a escrever, é uma delas -e se a ex-Barbarella, ex-vietcongue e ex-ginasta for uma nova Jane Austen? Sylvester Stallone pode se revelar um Svevo, um Moravia. E, no terreno da edição, por que Nicolas Cage não se tornaria tão importante quanto Max Perkins, editor de Hemingway e Fitzgerald, ou Bennett Cerf, editor de Faulkner e Truman Capote?

Há algo na literatura que faz com que uma pessoa capaz de admirar, por exemplo, o francês Gustave Flaubert, pelo rigor e precisão na escolha das palavras em seus romances, se julgue também capaz de escrever e publicar. Equivale à ilusão de um escritor que, por admirar Laurence Olivier, se ache à altura de interpretar "Hamlet" ou "Ricardo 3º".

A única vez em que me atrevi a representar, há anos, foi por insistência dos cassetas Marcelo Madureira e Hubert Aranha, no filme "As Aventuras de Agamenon, o Repórter". Numa das cenas, eu contracenava com um pato. Comparado comigo, o pato era Laurence Olivier.