Antes de ser afastada da Presidência, no início da manhã de 12 de abril, Dilma Rousseff, entrincheirada no Planalto, cumpriu uma intensa agenda de comícios indoor, em que, inflamada, repetiu a tese ilusória de que estava sendo vítima de um “golpe”.
Não adiantou. O Senado acolheu o pedido de impeachment por crimes de responsabilidade, devido a infrações graves contra o princípio da responsabilidade fiscal e a lei orçamentária, passando a correr o prazo de até 180 dias para seu efetivo julgamento pela Casa, sob a presidência do ministro responsável pelo STF, Ricardo Lewandowski.
A presidente afastada guardou algum silêncio até este domingo, com a publicação de uma entrevista à “Folha de S.Paulo”, em que aproveitou para desdobrar a tese esperta do “golpe” — comprada internamente por militantes, e, no exterior, por aliados, simpatizantes e desavisados —, colocando-se, mais uma vez, como vítima do deputado, também afastado, Eduardo Cunha. Convém apresentar-se como alvo de uma unanimidade nacional — negativa.
Dilma bate na tecla, também nada verossímil, de que o impeachment visa a desmontar a Lava-Jato, como se ela, Lula e o PT não houvessem tramado contra a Operação. O mais lógico, e menos custoso, seria eles reforçarem a aliança com certas parcelas do PMDB em torno deste objetivo comum.
Outro falseamento da realidade — já explorado por Dilma — é culpar a oposição por criar obstáculos a tentativas de o governo enviar reformas ao Congresso. Ora, os governos do PT se notabilizaram por evitar e sabotar reformas. Com a exceção de mudanças no sistema previdenciário do servidor público, iniciadas no primeiro mandato de Lula e completadas apenas em fins de 2015, já no segundo mandato de Dilma. Demorou muito.
Mais dessintonizada ainda da realidade foi a resposta da presidente afastada quando questionada sobre o fato de ter defendido um programa de governo na campanha à reeleição e aplicado outro, um caso irretocável de estelionato eleitoral.
Na visão edulcorada de Dilma, o governo e nem ninguém perceberam que o Brasil havia entrado em crise. Ora, ora. No ano da campanha, 2014, o PIB já desacelerava, o emprego rateava. Numa interpretação benévola com Dilma, ela deixou de ler a imprensa profissional a partir de 2012/13, desde quando veículos como O GLOBO começaram a alertar para os erros de política econômica e os consequentes sinais, cada vez mais fortes, de que viria uma explosão fiscal.
Se a presidente no aguardo do impeachment, assessores e seguidores esperavam melhorar de situação, com a entrevista, frustraram-se. Dilma continua a viver em um mundo próprio, em que a vida real se subordina à vontade política. Engano fatal, por certo.